CRÔNICAS DO COTIDIANO: “Fala Amazônia, para o Brasil!”

“O mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora, a Amazônia está falando por si”. Assim disse o Presidente da República do Brasil, na abertura da 78a. Sessão da Assembleia Geral da ONU (19/09/2023). Falou para o mundo, e o fez muito bem, para confirmar a tão cara soberania sobre o território amazônico brasileiro e, também, dizer que a nova maneira de ingerência dos poderosos nas formas de gestão de territórios alheios não pode subordinar-se cegamente aos interesses sórdidos e ou às conveniências conjunturais do capitalismo e de governos a serviço da manutenção das desigualdades no mundo inteiro, o que é da índole de ambos, sobretudo na sua versão neoliberal, além das de outras forças.

Os tempos são outros e a Amazônia tem o que o mundo quer:  espaço de natureza pouco devastado, que alivia a sua consciência e a responsabilidade sobre os  desastres ecológicos incontestáveis; e o Brasil, neste momento, tem lideranças civilizadas para discutir com seriedade uma nova política ambiental mundial. É uma discussão inescapável no campo científico, no campo diplomático e no campo econômico.

A ciência vem monitorando há tempos os fenômenos ambientais; a Diplomacia é necessária, porque fora disso é a invasão, usurpação, a guerra; a Economia, porque a política, a correlação de forças entre os blocos de poder, práticas sociais e modos de vida estão hoje subordinadas ao modo de produção capitalista. O busílis da questão é: o “Brasil Voltou”, mas mudará as suas práticas colonialistas internas na Amazônia, prevalecentes ainda hoje?

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            “A região amazônica não é mais, somente, o resultado geográfico das feições históricas e políticas moldadas nos surtos de nacionalização/internacionalização dos seus lugares. As estratégias de ocupação, produção e reprodução dos espaços amazônicos configuram uma ruptura clara entre as realidades pretéritas e presentes” (SILVA, Marilene Corrêa. Metamorfoses da Amazônia. Manaus: Valer, 2013, p. 179). O que a Professora Marilene diz, com muita propriedade, foi mapeado pela incansável Bertha K. Becker, registrando a expansão e mudanças nas fronteiras do Brasil, em inúmeros trabalhos, especialmente na Amazônia, até fim de sua vida (2013).

O “Bandeirantismo”, ação da expansão das fronteiras agrícola e populacional, devastando a natureza, expulsando e até exterminando povos indígenas, que também inspirou a chamada ocupação da Amazônia, alterou-se. Para Becker, o “novo lugar para a Amazônia” não passa mais por ser a “fronteira de expansão territorial, demográfica e econômica nacional” (Amazônia: Geopolítica na virada do III milênio. RJ: Garamond, 2004, p.73).

Na virada do século, a autora, na obra citada, identifica: a “Amazônia se transforma em fronteira do capital natural do uso científico-tecnológico da natureza”, adentrando pelo cerrado e chegando à quase toda a Amazônia. Como o Brasil sempre teve na Amazônia “um lugar para o futuro”, a “Colônia exótica e distante, que pode esperar”, parece não se dar conta dessas transformações ocorridas. A atual pressão internacional tem obrigado o Estado brasileiro a adotar uma retórica de marketing para oferecê-la ao mundo, dentro do pacote  “Vender o Brasil”, incluindo-a na política pública de reindustrialização, com a exploração da sua biodiversidade.

            A falta de uma política de desenvolvimento, discutida e acertada para a Amazônia, gera sobressaltos às instituições locais, todas em processo de desmonte, abrindo brechas para o banditismo. O Estado brasileiro pouco presente, perde cada vez mais o controle da situação, cedendo à violência do crime organizado, da grilagem de terras públicas, do contrabando de madeiras, dos garimpos ilegais, além do contrabando de outros recursos naturais de alto valor biológico ou pouco conhecidos.

A nova política industrial, sem os incentivos tradicionais para atividades tradicionais instaladas e as novas, é um pesadelo: como ficará a cadeia produtiva dos produtos da nova indústria? A prospecção, o desenvolvimento, a produção e as patentes, com quem ficarão? Tudo indica, ficarão distantes de nossas mãos. A Amazônia precisa saber e falar; o Brasil precisa ouvir e dizer o que quer para Amazônia; e o que ele quer, precisa conter a expressão de nossas aspirações e necessidades. Só assim, haverá consenso, fruto do tão propalado diálogo.

Walmir de Albuquerque Barbosa é jornalista profissional

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(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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