Crônicas do Cotidiano: o homem público, a ribalta e o declínio


Por: Walmir de Albuquerque Barbosa

19 de novembro de 2025

O que se convencionou chamar de “homem público” diz respeito a um construto histórico, portanto datado, sujeito a mudanças substanciais em cada etapa do desenvolvimento da Modernidade. Richard Sennett, pensador americano, tem um trabalho de referência, tido como um clássico a explicar a importância desse ator na sociedade ocidental capitalista, que ganha corpo a partir do processo de industrialização, formação das metrópoles e a redução do poder patriarcal, este muito mais afeito ao mundo rural de vida comunitária mais inclusiva. Publicado em 1976 e editado no Brasil pela Companhia das Letras em 1988, logo, bem distante dos tempos atuais, e intitulado “O Declínio do homem público”, ainda é uma referência, sobretudo para nós que fomos tocados por influências ocidentais e pelo capitalismo globalizado, mas não superamos, ainda, o machismo, o patriarcalismo e o patrimonialismo, mesmo convivendo com todas as questões da pós-modernidade. A própria ideia de “homem público”, portanto, já suscitaria uma grande discussão de gênero que nos levaria a outras platitudes. Outrossim, para o nosso propósito, esse declínio é mesmo referente aos “homens públicos” que temos e com os quais convivemos. Se por um lado o homem público foi hegemônico no século após o “Ancien Régime”, quando era rara a presença da mulher no campo da política, por outro, a presença feminina na vida urbana é real e passa a ser fundamental nos tempos seguintes, sobretudo com o movimento feminista.

A trajetória desse homem público se fundamenta, inicialmente, na vida comunitária como liderança ligada à lealdade e ao serviço da comunidade. O declínio desse mesmo homem público começa quando suas motivações tendem muito mais para seus próprios interesses e suas articulações se descolam desse compromisso com o bem servir. E, para uma etapa evolutiva seguinte, a sua preocupação com o culto à personalidade – o carisma e o narcisismo – como meio de obter prestígio e poder. O que temos a partir daí são, portanto, personas que podem nos causar muitos danos: “é o homenzinho que agora se tornou herói para os outros homenzinhos. É uma estrela: caprichosamente embalado subexposto e tão fraco a respeito do que sente, ele governa um domínio em que nada se transforma muito, até que se torne uma crise insolúvel” ( O Declínio do Homem Público, p. 357). Tocamos aqui num ponto que nos é atual e fácil de identificar: na política; e nas redes sociais, milhares de seguidores de cabeças sem miolo. Os meios de comunicação evoluíram para o sistema que chamamos de mídia, têm papel relevante no sucesso efêmero de celebridades, de “mitos” e “tigres de papelão”, que usurpam para si o espaço público e o privatizam em função de seus interesses e/ou jogos de poder, tornando-se psicologicamente aptos a influenciar personalidades e ações desviantes, com iminente poder de catástrofe social.

O “laboratório de horrores” ou outro nome que se queira dar à seção de depoimentos perante o Supremo Tribunal Federal dos réus no Processo que apura a Tentativa de Golpe de Estado é uma prova cabal do declínio de que se fala. Acusado de ser o líder da organização criminosa, o Ex-Presidente da República do Brasil, acompanhado de quatro Militares da mais alta patente, ex-membros do seu governo e o seu ex-ministro da Justiça, confirma a decadência do “homem público” no mais alto grau em nossa sociedade. E, diga-se, ainda, na sociedade já vitimada por “influencers” comprometidos com o crime organizado; MCs acusados de apologia e lavagem de dinheiro para organizações criminosas; deputada eleita com milhão de votos e cassada por patrocinar acesso/alteração de dados da justiça com a ajuda de um Hacker; deputados e senadores, que aviltam o parlamento com suas “lacrações” condenáveis moral, ética e regimentalmente; jornalistas que comprometem princípios mais comezinhos do bom exercício profissional virando ventríloquos dos lobbies que patrocinam os negócios de seus patrões; economistas irresponsáveis que pregam o fim do mundo; e juízes condenados pela venda de sentenças. Quando se chega a um quadro de delinquência de tal magnitude, já não se pode ficar parado. É preciso pugnar por uma sociedade que seja um espaço seguro e dignificante, que abrigue a liberdade, a igualdade e a fraternidade!

(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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