Crônicas do Cotidiano: Sua Excelência, a Mentira III


Por: Walmir de Albuquerque Barbosa

19 de novembro de 2025

No País onde a população negra é maioria e continua estigmatizada pela cor da sua pele e estado de vida; onde povos originários, pobres e miseráveis não encontram lugar na estrutura social que os abrigue e tenham do Estado o socorro, o que está escrito no Artigo 5o. da Constituição, que “todos são iguais perante a lei”, pode ser uma mentira ou, quando muito, uma possibilidade. Mas, não é somente isso.

É difícil a uma sociedade como a nossa, gestada sob os domínios do patriarcado e do patrimonialismo que, ao se dizer livre, se rotula como conservadora por cultivar valores que herdou do escravismo, do mandonismo rural e da violência praticada por seus estamentos militares (antigos capitães do mato), dizer-se uma sociedade de iguais. Os fatos colocados acima negam o preceito constitucional. Os ricos desse País não são fruto da sorte ou da prosperidade coletiva, mas se fizeram assim apartados dos demais por privilégios ou por outras truculências, braços fortes da reprodução das diferenças.

Para impedir que prospere a busca da igualdade, os mais poderosos dão guarida a vasto setor da Classe Média com os “seus pobres de espírito”, que têm mais medo de perder o que têm para os pobres de que, até mesmo, almejar o que têm os ricos, pois sabem que não os alcançarão facilmente. Portanto, maltrata subalternos e aceita ser correia de transmissão dos preconceitos do conservadorismo ou acena com as falsas esperanças, coisa que a burguesia sozinha não realizaria sem sujar as mãos para naturalizar a miséria e a pobreza.

Marilena Chauí foi muito criticada ao tocar nisso, mas foi assertiva afirmando que a “Classe Média brasileira é abominável” – sua afirmação estava relacionada à análise da Classe Média inventada pelo marketing de consumo e dividida em A, B e C. Hoje, além da classe média, a burguesia conta, também, com as tecnologias da informação. A ação dessas duas forças ajudam a emplacar a tese da Polarização entre os que querem o “bem do povo” e os que “lutam por ideologias mirabolantes”.

Esse modo de ver a luta social nos separa e, assim, nos faz indignos do processo civilizatório. É impossível negar, está na raiz de nossa formação e das “narrativas” que nos aparecem como “verdades”. Como nos diz Jürgen Habermas que “a verdade e a falibilidade de um enunciado são dois lados da mesma moeda”(Verdade e Justificação. SP: Loyola, 2004, p.52), preferimos ficar com a mentira como discurso da esperança, sempre mais sedutora que o enunciado da verdade nua e crua!

O discurso da mentira se faz presente em todos os sistemas ou estruturas das práticas humanas e sociais “amortecendo” dores e confrontos, como nos diz Hannah Arendt: “as mentiras, visto serem amiúde utilizadas como substitutos de meios mais violentos podem ser consideradas como instrumento relativamente inofensivo no arsenal da ação política” (Entre o Passado e o Futuro. SP: Perspectiva, 1972, p. 284).

A longo prazo, mostram o seu preço. Basta ver os acontecimentos do momento entre nós, enumerados em “carreirinha”: as profecias de desgraça proferidas pelos que mandam na economia pregam o fim do mundo (mesmo que os dados reais da economia os desmintam), senão para agora, mas para 2027, querem nos obrigar a derrotar todos os esforços feitos para superar as desigualdades sociais e acreditar nos difamadores; as bravatas políticas do pedaço podre do nosso Parlamento, que baba ódio e entreguismo acoitando-se sob as patas do imperialismo, querem nos fazer reviver momentos de outras eras; a agitação tenebrosa de religiosos pugnando por uma teocracia é perversa; a grande mídia financiada pelos ricos e a internet monetizada com dinheiro escuso, repetindo à exaustão (como queria Goebbels, Ministro da Propagando de Hitler) mentiras que se espalham milhares de vezes como verdades, inoculam mentes, criam pavor e inculcam “discursos” alimentadores da “servidão voluntária”.

Concluindo com Arendt, vale lembrar que uma falsa hipótese pode tornar-se verdadeira:  “o pressuposto que há na base da ação consistente pode ser demencial quando se queira; sempre acabará produzindo fatos que, então, se convertem em ‘objetivamente’ verdadeiros”. Esses fatos da política brasileira nos dizem claramente: é preciso mais reflexão; mais escuta às novas vozes das lutas sociais para despertarmos da demência; é urgente a refutação da tese de “polarização” que não nos deixa ver a diversidade. E se quisermos uma nação melhor, deixemos de adorar a mentira como instituição!

(*)Jornalista Profissional, graduado pela Universidade do Amazonas; Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo; Professor Emérito da Universidade Federal do Amazonas.

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