Dados imprecisos do Censo IBGE 2022 podem impactar em menos recursos para os municípios
05 de janeiro de 2023

Da Revista Cenarium*
BRASÍLIA – No final do ano passado, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou uma nova projeção para a população brasileira: 207,8 milhões de habitantes. O dado — uma estimativa feita a partir do Censo ainda inacabado de 2022 —, chamou a atenção por ser mais de sete milhões inferior à projeção populacional de 215 milhões de habitantes, feita pelo próprio IBGE, com base na última edição do Censo, de 2010.
Programado para acontecer em 2020, o Censo teve de ser adiado por conta da pandemia de Covid-19. Em 2021, sofreu novo adiamento, por falta de orçamento — mais de 90% da verba prevista foi cortada na tramitação da lei orçamentária no Congresso.

O número menor do que a projeção já era esperado, devido à pandemia, à migração de brasileiros para o exterior e à gradativa redução no número de nascimentos. O fato de a projeção estar 12 anos distante do último Censo e de não ter sido realizada uma contagem populacional prevista para 2015, também contribuem para a discrepância entre os números.
Mas, após a publicação do dado, técnicos do IBGE afirmam que o número pode estar subestimado e revelam que sua divulgação foi controversa dentro do próprio instituto.
“Fizeram uma conta de padaria com base no que já está feito no Censo, mas o método é bem duvidoso, teve bastante discordância sobre isso“, relata um técnico do IBGE que conversou com a BBC News Brasil sob condição de anonimato.
“Isso é uma invenção, nenhum país no mundo faz o que eles fizeram“, diz outro técnico.
“Vejo com muita preocupação. Primeiro, porque foi uma metodologia que nunca foi aplicada em lugar nenhum do mundo. É aquilo que a gente chama de uma jabuticaba“, afirma.
“E pior: estão usando duas metodologias diferentes para tratar entes federados, que são os municípios, de mesmo porte populacional. Então vai ter município que o resultado dele é o Censo e município que o resultado é uma estimativa. Ninguém vai ficar satisfeito e isso vai gerar ações na Justiça“, acrescenta este segundo técnico.
“Então há um aspecto legal insustentável e um aspecto metodológico também muito frágil.“
Cimar Azeredo, presidente interino do IBGE, afirma que as críticas não procedem, que o instituto tem muita transparência em seus processos, seguindo à risca os princípios fundamentais das estatísticas oficiais.
Ele afirma ainda que os dados foram discutidos com os técnicos, submetidos a uma comissão consultiva composta de 13 membros e que são a melhor informação possível, se comparada com os dados populacionais projetados a partir do Censo anterior, por apresentarem maior grau de acuidade.
Menos dinheiro para municípios

Poderia ser apenas uma discordância entre visões técnicas distintas, mas a contagem populacional tem consequências práticas. Isso porque municípios que perdem população passam a receber menos dinheiro do governo federal.
Ao fim de todos os anos, por obrigação legal, o IBGE encaminha ao TCU (Tribunal de Contas da União) a relação da população de cada um dos municípios brasileiros. Os dados são usados para calcular as quotas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para o ano seguinte.
Pelas regras do fundo, Estados e Distrito Federal recebem 22,5% da arrecadação do IR (Imposto de Renda) e do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Esse valor então é distribuído aos municípios, de acordo com o número de habitantes.
O repasse é estabelecido com base em faixas populacionais e as diferentes faixas têm direito a valores maiores quanto maior a população.
Assim, se um município perde população e, com isso, muda de faixa, ele acaba perdendo recursos. Isso afeta particularmente os municípios menores, que têm populações pequenas demais para gerar arrecadação própria e têm no FPM sua principal fonte de receita.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estima que 702 municípios perderão recursos com base na estimativa populacional da prévia do Censo, somando mais de R$ 3 bilhões. Os Estados com mais municípios impactados são Bahia (99), Minas Gerais (83) e São Paulo (72).
Por discordar dessa interpretação, a CNM está recomendando que todos os municípios afetados recorram no TCU. Alguns deles já contestam a decisão do órgão na Justiça, tendo recebido liminares favoráveis, segundo a entidade representativa.
“O governo não fez a recontagem populacional em 2015, não fez o Censo em 2020 e 2021. Foi fazer agora, de maneira muito claudicante. Isso soa para nós como uma irresponsabilidade total do governo, que não cumpre a lei”, diz Paulo Ziulkoski, presidente da CNM.
“Já temos liminares suspendendo isso daí [a decisão do TCU] e olha a confusão que vão armar no Brasil. A cada município que tiver uma liminar concedida, será necessário recalcular a quota dele e de todos os demais. Uma quota de um município mexe em toda a estrutura do Estado inteiro“, alerta Ziulkoski.
A BBC News Brasil pediu um posicionamento ao TCU quanto às críticas da CNM. O tribunal respondeu que “eventuais contestações que vierem a ser apresentadas pelos municípios ao Tribunal de Contas da União serão naturalmente avaliadas pela Corte, como ocorre em todos os anos, nos termos de sua Lei Orgânica e do seu regimento interno. Esses questionamentos serão analisados somente em relação ao cálculo e não às estatísticas utilizadas, que são da competência do IBGE e, por definição legal, o TCU não possui qualquer ingerência.“
(*) Com informações da BBC Brasil