De chocolate à robótica: startups pretendem revolucionar economia da Amazônia

O Google pesquisou o volume de buscas por mais de duas mil startups presentes na plataforma CB Insights (Reprodução/Internet)

Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

MANAUS – A pandemia reacendeu um novo comportamento e oportunidade de gerar negócios na Amazônia Legal. Inovação, conhecimento da floresta e geração de renda para as comunidades locais serão a essência do segmento sustentável daqui adiante. Os mais atentos a essa tendência perceberam que as startups [ato de começar algo, em português] que estão ditando esse ‘novo normal’ e atuando com foco nesses hábitos e crescendo mesmo diante dos efeitos provocados pelo Coronavírus.

Recentemente, a gigante de tecnologia Google analisou o ecossistema de inovação brasileiro e fez algumas previsões sobre o cenário de inovação nacional no pós-pandemia.

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O buscador americano pesquisou o volume de buscas por mais de duas mil startups presentes na plataforma CB Insights, consultoria de inteligência e base de dados global que fornece inteligência de mercado sobre empresas privadas e atividades de investidores. A gigante chegou a um conjunto de 350 startups com pesquisas significativas em março e abril, na comparação com os mesmos meses em 2019. O volume de pesquisas sobre essas empresas se expandiu ao menos 30% no período analisado.

De acordo com o diretor do Google for Startups na América Latina, André Barrence, algumas startups aproveitaram essas tendências durante a pandemia e para o pós-pandemia.

Com base nessas informações, a REVISTA CENARIUM foi atrás dessas startups e encontrou algumas que já vêm revolucionando a economia da Amazônia. Aliando saberes de comunidades tradicionais com alta tecnologia e ainda preservando a floresta, como é o caso da Na’kau, uma empresa que trabalha com cacau selvagem da Amazônia em chocolates finos e a Oka Juice, que produz sucos com frutas nativas da Amazônia.

Cada vez mais iniciativas como essas estão voltando seus negócios para gerar impacto positivo para a região amazônica. Esse é o objetivo do Programa de Aceleração da PPA, uma realização da Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA) e do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), do Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat) e outras entidades e empresas que atuam no Norte do País.

Desde 2018, a PPA vem investindo em projetos sustentáveis e movimentando um ecossistema de startups. O programa atua na incubação e aceleração de pequenos empreendedores, sempre visando parcerias entre empresas, comunidades e governos. Esses negócios trazem a possibilidade de alavancar uma nova economia na região, contrária ao desmatamento e às atividades predatórias e valorizando comunidades locais, ribeirinhas, indígenas, quilombolas e agricultores familiares.

Entre as startups selecionadas pelo programa PPA este ano estão: Academia Amazônia, Cacauway, Coex Carajas (Cooperativa dos Extrativistas da Flona de Carajás), Codamj (Cooperativa Mista de Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária da Reserva Extrativista do Médio Juruá), Instituto Ouro Verde (Iov), ManejeBem, chocolate Na’kau, NavegAM, Nossa Fruits, Oka Juice, ONF Brasil – Fazenda São Nicolau, Prátika Engenharia, Serras Guerreiras de Tapuruquara, Taberna da Amazônia e Tucum.

O que dizem os empresários

Os sucos da Oka Juice são produzidos com polpas de frutas 100% natural (Divulgação Oka Juice/Revista Cenarium)

O agrônomo Bruno Moraes, um dos sócios da Oka Juice, startup de sucos de frutas nativas da Amazônia é uma das empresas selecionadas pelo programa Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), destacou a importância do programa para a empresa. Segundo o agrônomo, a Oka tem duas faces: uma antes da seleção do programa e outra depois de ser escolhida pela iniciativa. Por meio do programa, a empresa conseguiu capital de giro necessário para a expansão no mercado nacional. 

“O que levaria cinco anos, conseguimos antecipar para este ano, mesmo com a pandemia. Fora o aporte de recursos, recebemos capacitação profissional da plataforma, o que está nos levando a um novo patamar de conhecimento”, afirmou o empresário.

Por meio do PPA, a Oka Juice conseguiu criar uma cadeia de valor, onde passou de 65 clientes atendidos mensalmente, para 105, só na região metropolitana de Belém, no Pará, onde tudo começou, além de executar trabalhos de impactos socioambiental e crescer mais do que o estimado entre junho e agosto deste ano.

“No período da pandemia alcançamos 105 clientes. O aumento aconteceu após entrarmos nas redes de supermercados da região. A pandemia fez com que nosso negócio crescesse cerca de 200% em apenas dois meses. Não esperávamos essa explosão de pontos de vendas. Com isso, aguardamos um faturamento mensal de R$ 100 mil até dezembro”, assegura.

Em setembro, a marca vai lançar a versão em lata dos sucos, com o sabor açaí, em São Paulo (Divulgação Oka Juice/ Revista Cenarium)

A startup se prepara agora para atender o mercado nacional. A partir de setembro, a linha de sucos Oka Juice vai ganhar as versões em lata com sabores de açaí, cupuaçu e taperebá, que deve chegar no mercado brasileiro, até o início de 2021. Após Belém, a próxima cidade a comercializar o produto será São Paulo.

“A fórmula do produto é nossa, mas o embasamento é terceirizado, onde será produzido o primeiro lote de 40 mil latas de suco de açaí, e será o sabor da versão em lata a ser lançado em setembro, na cidade de São Paulo. Os sabores de cupuaçu e taperebá devem chegar ao mercado até dezembro ou no início do próximo ano”, adianta Bruno.  

Fundada em 2018, a empresa pretende ser referência nacional na produção de alimentos associados à conservação da floresta Amazônica. Hoje, a Oka atua apenas na região metropolitana de Belém – comenta Bruno que tem mais dois sócios, Paulo Araújo e José Bonifácio, e emprega sete funcionários (diretos e indiretos).

Outra preocupação da empresa é com o meio ambiente e a sustentabilidade. Segundo Bruno, a ideia da startup é atender todos os municípios do Pará, onde o agronegócio se destaca. O primeiro município atendido pela empresa será Terra Alta, onde cerca de 126 famílias de agricultores associados da Aproterra serão beneficiadas com a compra de polpas de frutas pela empresa para a produção dos sucos.

“Querendo mostrar para os agricultores da região uma nova forma de agricultura para a Amazônia, com geração de renda e capacitação, o que envolve o manejo do sistema florestal, quanto à gestão agroindustrial. Tudo isso, sem derrubar a floresta, pois é possível gerar renda com a floresta em pé. A empresa vai comprar a polpa de frutas desses agricultores, ou seja, eles vão ter que ter uma indústria de polpa, que quer dizer uma indústria primária da matéria-prima. Tudo isso requer investimento, que leva uns quatro anos”, finaliza. 

Hoje a Oka produz sucos de frutas 100% naturais com frutas tropicais e amazônicas como acerola, goiaba, abacaxi, cupuaçu, taperebá, bacuri e buriti, comercializados em embalagens de 300 ml e 900 ml em 70 pontos de venda, na Grande Belém (PA).

O empresário ressalta ainda que a empresa vai recuperar 30 hectares de área degradada, em 2021, dos 700 hectares desmatados, na região. No local – assegura o agrônomo – serão plantadas árvores frutíferas, como açaí, cupuaçu, taperebá, bacuri e cacau, além de espécies florestais.

Os chocolates têm diversos tamanhos e sabores (Divulgação Na´kau/Revista Cenarium)

O chocolate Na’kau foi fundada em 2013 pelo biólogo Artur Coimbra com o objetivo de conservar a floresta e levar sustentabilidade econômica para seus povos por meio do fornecimento de alimentos éticos e íntegros, extraídos da própria floresta. O principal produto é o chocolate, que começou a ser produzido em 2017, ressalta o biólogo.

“O cacau utilizado na produção do chocolate Na´kau é 100% amazônico. Extraímos o produto daqui mesmo. O açúcar vem de fora, porque a Região Norte não produz esse insumo”, frisa Artur.

Os chocolates da marca estão presentes em nove Estados brasileiros e também nos EUA, Portugal, Suíça, Alemanha e Japão (Divulgação Na´kau/Revista Cenarium)

A seleção do PPA, de acordo com o empresário, trouxe um alívio para a empresa que, com a chegada da pandemia e a queda das vendas, estava sem capital para movimentar o negócio.

“Foi muito importante para a Na´kau ser selecionado pelo PPA, pois além da capacitação que o programa oferece, o valor repassado ajudou a empresa a comprar matéria-prima e produzir o produto”, completa.

Além das barras com variação no percentual de cacau, a marca produz também nibs de cacau cru e a linha Parcerias Sustentáveis, que mistura o chocolate a ingredientes genuinamente amazônicos, como café agroflorestal, pimenta Baniwa, castanha e cupuaçu.

Segundo o empresário, a Na´kau compra matéria-prima de produtores de seis municípios localizados nos rios Madeira e Amazonas. Atualmente são impactadas diretamente oito famílias – que fornecem matéria-prima e recebem capacitação técnica para a produção – e, indiretamente, outros 24 produtores, que estabelecem algum tipo de relação com a cadeia produtiva da empresa. Conforme dados da Na Floresta, o faturamento das famílias aumentou em cerca de 120% em relação à renda do cacau, após a parceria.

Essa valorização é visível nas embalagens do chocolate, que trazem as etapas do processo de preparação desde a colheita e os rostos e nomes dos extrativistas fornecedores do cacau. “É possível percorrer o caminho e as pessoas envolvidas até chegar na saborosa barrinha”, conclui.

A produção é comercializada em feiras e eventos, empórios de produtos naturais, supermercados de produtos gourmet e pontos de vendas em locais turísticos. Os chocolates já estão presentes em nove Estados brasileiros e também nos EUA, em Portugal, Suíça, Alemanha e Japão.

Para o futuro, a empresa planeja ampliar os pontos de venda e diversificar o portfólio de produtos.

Já a Prátika Engenharia gera impacto ambiental e social positivo para comunidades no interior da Amazônia por meio da energia solar. Criada em 2018, a empresa busca reduzir os impactos ambientais da produção de energia elétrica em comunidades indígenas e quilombolas isoladas na Calha Norte do Estado do Pará.

“A ideia foi inusitada. Em fui desligado da empresa em que trabalhava antes, mas já era sócio na Prátika. Um amigo pediu que eu comprasse para ele um sistema de energia solar em Manaus. Durante a compra, vendedor explicou como tudo funcionava e que a energia solar estava em crescimento no País. Logo surgiu a ideia de que poderia ser uma boa oportunidade de levar a energia solar para o Pará. Conheço a região, sou de lá e sei como é a realidade. Nem todo mundo tem acesso à energia, e quem tem é à base de diesel, com gasto muito alto”, lembra Adriano Pantoja, um dos fundadores da Prátika.

Anteriormente, a Prátika trabalhava com refrigeração e serviços elétricos. Adriano conta que convenceu o sócio a mudar a atuação mostrando a boa oportunidade, e então a empresa passou a vender e instalar painéis solares tradicionais para produção de energia nessas comunidades a partir de maio de 2019.

Mais de 50 kits de geração de energia solar foram vendidos e instalados em menos de um ano pela startup. Adriano visualiza a Prátika como uma grande empresa no futuro, referência em energia solar na Região Norte. E enumera as conquistas do dia a dia que a instalação de kits de energia solar levam para a vida das comunidades.

“Coisas que parecem muito naturais na cidade, como tomar água gelada não são realidade para os ribeirinhos. Quando eles têm energia a diesel, por ser cara, o freezer não permanece ligado durante todo o dia. Proporcionar essa qualidade de vida para as comunidades é importante. Temos até uma cliente que, depois de instalar o sistema solar, passou a vender refrigerante gelado na comunidade. Vamos para áreas remotas, onde muitas vezes levamos dois dias para chegar. Temos consciência que o nosso projeto, além de energia, faz um papel social na vida dessas pessoas”, finaliza.

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