‘De shows, quero parar. Mas quero continuar compondo e cantando’, diz Milton Nascimento ao anunciar turnê de despedida

Milton Nascimento fará sua última turnê (Divulgação/Marcos Hermes)
Com informações do InfoGlobo

Ao ouvir Milton Nascimento cantando ‘Ponta de areia’ e tocando sua pequena sanfona, o público dos próximos shows do artista começará a viver um encontro que é também uma despedida. ‘A última sessão de música’ é a turnê final de Milton. Poderá, ainda, fazer gravações, mas não subirá mais em palcos.

“De shows, eu quero parar. Mas quero continuar compondo e cantando. Não vou deixar de mexer com música”,— afirma ele, que completará 80 anos em 26 de outubro.

A série de apresentações ganhará um site próprio: www.aultimasessaodemusica.com. Na quarta-feira, 18, começará a venda de ingressos para as noites já confirmadas: 5 e 6 de agosto no Rio (Jeunesse Arena); 26 e 27 de agosto em São Paulo (Espaço das Américas); 13 de novembro em Belo Horizonte (estádio Mineirão).

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A pré-estreia — antes de uma viagem para se despedir de palcos europeus — será em 11 de junho, na Cidade das Artes, na Barra. Haverá apenas 400 pessoas, na plateia, além de convidados. Elas terão adquirido o NFT Milton Nascimento. NFTs (tokens não fungíveis, na sigla em inglês) são peças únicas, com certificação digital. No caso, darão direito, por exemplo, a pôsteres autografados. A venda também se iniciará na quarta-feira, 18. Os valores serão divulgados no site.

Augusto Nascimento, filho adotivo, empresário e diretor artístico de Milton, adianta que o roteiro dos shows será quase todo cronológico. Logo, na primeira parte estará ‘Travessia’, a música que ficou com o segundo lugar no Festival Internacional da Canção, de 1967, e impulsionou a carreira do artista. Foi a primeira parceria com Fernando Brant, que nem se imaginava letrista. ‘Outubro’, a segunda parceria, também estará no repertório.

Em seguida, virão na ordem canções de vários discos, de ‘Milton’ (1970) até ‘Pietá’ (2002). No final, entrará ‘Encontros e despedidas’, faixa-título do LP de 1986.

“Ela é o conceito do show”, explica Augusto.

A semana que passou trouxe uma ótima notícia para Milton. ‘Clube da Esquina’, de 1972, foi escolhido o melhor álbum brasileiro de todos os tempos numa enquete promovida pelo podcast Discoteca Básica.

“Não dá nem para falar da alegria que eu estou sentindo. Melhor de todos os tempos, eu não pensei. Mas que é bom, é”, diz o cantor.

Juntamente com seu nome na capa, entrou o de Lô Borges, então, com 20 anos, dez a menos do que o amigo. Mas o álbum duplo foi uma produção coletiva, com criações de diversos compositores (Beto Guedes, entre eles) e participações de diversos músicos. Se não bastasse a força das canções, o trabalho surgiu com uma qualidade técnica impensável. O estúdio da Odeon tinha apenas dois canais de gravação, o que obrigava o registro de vários instrumentos ao mesmo tempo.

“A gente tinha que ensaiar muito antes. Fizemos uma coisa biruta, mas foi um tempo muito bom — recorda Milton, que preparou parte do repertório enquanto morava com Lô e Beto numa casa em Piratininga, em Niterói. — Era música o tempo todo”.

Do disco clássico, estarão na última turnê ‘Tudo o que você podia ser’, ‘Cais’, ‘San Vicente’, ‘Clube da Esquina 2’, ‘Lília’ e ‘Nada será como antes’. Do segundo ‘Clube da Esquina’, de 1978, entrará apenas a faixa ‘Maria, Maria’. A ideia é que o roteiro reúna os grandes sucessos. Não faltará, portanto, ‘Nos bailes da vida’.

Nem tanto sucesso fez ‘Canção do sal’, mas que está no show porque teve um papel decisivo: foi lançada em 1965 por Elis Regina quando o compositor era um desconhecido no Rio.

“Fui na casa dela com o (Gilberto) Gil. Mostrei um monte de músicas, e Elis não disse nada. Ela perguntou: “Não tem mais nenhuma?” Eu falei: “Tem, mas não gosto.” Toquei ‘Canção do sal’, e ela falou: “É essa!”

Milton fez quatro shows recentemente. Tinham ficado pendentes, pois a turnê ‘Clube da Esquina’ foi suspensa por causa da pandemia. Desde o aparecimento da Covid-19, realizou três lives em casa e uma já no palco — mas sem público — com a Orquestra de Ouro Preto.

“Foram três anos sem fazer música e dentro de casa, sem ver quase ninguém”, lamenta.

Responsável pela “prisão” do pai, Augusto se justifica:

“Eu fiquei paranoico. O que as pessoas falavam sobre grupo de risco era o que se encaixava nele. Eu pensei: vai morrer. Aí tranquei a casa. Até hoje, não chego perto dele sem máscara. Mas, agora, tomou a quarta dose da vacina”.

Milton Nascimento se locomove com alguma dificuldade. Precisa controlar a diabete, que já saiu do prumo várias vezes. Reforça não ter Mal de Parkinson. Diz que mexer muito com a mão direita é mania. Em 2014, enfrentou um período de depressão profunda. Daquele ano até o final de 2021, morou em Juiz de Fora (MG). De volta ao Rio, não quer mais sair da cidade. Ele, aliás, é carioca de berço, tendo se mudado para Três Pontas, com seus pais adotivos, aos 3 anos.

“Estava sentindo falta da floresta”, diz em sua casa, no Itanhangá, com paisagem farta em verde.

A paz é interrompida quando pensa na situação política do País. Assusta-se quando ouve falar na possibilidade de um novo golpe militar. Durante a ditadura, recebia cartas ameaçadoras do CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Há poucos anos, encontraram, em sua ficha, no Dops (Departamento de Ordem Política e Social, órgão de repressão), fotos que mostram que ele era seguido pelo regime. Foi um período em que mergulhou fundo na bebida.

“Se os jovens soubessem o que é uma ditadura, não iriam querer. Só espero que não aconteça mais. Outra dessa, o País não aguenta”, diz ele, em cujos shows tem ouvido coros de ‘Fora, Bolsonaro’.

Como não poderia deixar de ser, sua voz não é mais a mesma. Os falsetes marcantes não são viáveis, e o canto está mais contido. Ele recorda que até a adolescência era fã de vozes femininas que escutava no rádio, como as de Dalva de Oliveira e Ângela Maria.

“Eu gostava de cantar. Quando foi entrando a voz de homem, não queria cantar mais. Até o dia em que escutei o Ray Charles. O cara não ficava mostrando que tinha voz, saía de dentro dele”, conta. —

“Eu não gostava de imitar ninguém. Bateu na minha cabeça que minha voz era diferente de todas”, declara.

Celebração

Nos shows, ele tem o apoio vocal de Zé Ibarra (também violonista) e Wilson Lopes (violão, guitarra e direção musical). A banda tem oito integrantes, que Milton considera uma família. ‘A última sessão de música’ ainda terá cenário com assinatura de Osgemeos e figurinos de Ronaldo Fraga.

O cantor considera a turnê uma comemoração de 60 anos de carreira. O marco inicial, que ele estabeleceu, é a mudança de Três Pontas para Belo Horizonte, quando começou a tocar na noite, ao lado de Wagner Tiso e outros músicos.

Indício de que a carreira não está se encerrando são as três melodias que compôs recentemente. Uma delas ganhou letra de um de seus principais parceiros, Ronaldo Bastos, e o título ‘Sorte no amor’. Augusto tem planos de ainda produzir um álbum de inéditas.

Milton diz não ter frustrações quando passa a carreira em retrospecto:

“Nós nunca ficamos totalmente realizados na vida. Mas não penso em nada que eu não fiz e que gostaria de ter feito”.

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