Decisão da Meta repercute mal no Governo Lula


Por: Ana Cláudia Leocádio

08 de janeiro de 2025
Decisão da Meta repercute mal no Governo Lula
O CEO da Meta, Mark Zuckerberg (Anthoyn Quintano/Wikimedia Commons)

BRASÍLIA (DF) – O fim da política de verificação de fatos anunciado pela Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, repercutiu negativamente na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), com a manifestação contrária de ministros do Governo Lula. Também suscitou discussões sobre o destino do Projeto de Lei das ‘Fake News’, que tramita no Congresso desde 2020, além a importância do julgamento sobre a constitucionalidade ou não do Artigo 19, da Lei do Marco Civil da Internet, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O dono da Meta, Marck Zuckerberg, anunciou nessa terça-feira, 7, o fim do Programa de Verificação de Fatos (Third-Party Fact Checking – 3PFC, na sigla em inglês). O sistema foi criado em 2016 e tinha o apoio de agências de checagem independentes, certificadas pela Aliança Internacional de Checagem de Fatos (International Fact-Checking Network, IFCN, em inglês).

No Brasil, começou a operar em 2018 com auxílio de agências como a Lupa, uma das mais conceituadas do País, no trabalho de verificação de fatos. Agora, a Meta deve adotar a mesma medida do X, com um modelo colaborativo com “Notas da Comunidade”.

Tela de celular mostra aplicativos de rede social (Reprodução/Redes Sociais)

Em comunicado divulgado nesta terça-feira, vice-presidente de Assuntos Globais da Meta, Joel Kaplan, disse que o encerramento do 3PFC deve se iniciar primeiro nos Estados Unidos, sem informar alguma previsão de que a medida será estendida a outros países no momento.

“Enquanto fazemos a transição, vamos parar de reduzir a distribuição de conteúdo verificado e, em vez de exibir advertências em tela cheia nas quais você precisa clicar antes de poder ver a postagem, vamos usar um rótulo muito menos intrusivo indicando que há informações adicionais sobre o post para quem desejar vê-las”, afirmou. Kaplan é um proeminente republicano, recentemente nomeado pela Meta, que substituiu Nick Clegg, ex-vice-premiê britânico e ex-líder dos Liberais Democratas do Reino Unido.

Manifestações

O Advogado-Geral da União, Jorge Messias, foi o primeiro a se manifestar contra as medidas da Meta, numa entrevista ao jornal ‘O Globo’. Ele defendeu a urgência de se criar um novo marco jurídico para a regulação das redes no Brasil.

“A Meta decidiu focar na expansão de seu modelo de negócios. Infelizmente, como os algoritmos da empresa são secretos, essa escolha tende a intensificar a desordem informacional em um ecossistema digital que já enfrenta desafios significativos relacionados à disseminação de fake news e discursos de ódio”, disse.

O Advogado-Geral da União, Jorge Messias (Renato Menezes/AsocmAGU)

O secretário de Políticas Digitais do governo federal, João Brant, afirmou em suas redes sociais que o anúncio de Zuckerberg “antecipa o início do governo Trump e explicita a aliança da Meta com o governo dos Estados Unidos para enfrentar União Europeia, Brasil e outros países que buscam proteger direitos no ambiente on-line” que, na opinião do CEO da Meta, “promovem censura”.

“Em suma, Facebook e Instagram vão se tornar plataformas que vão dar total peso à liberdade de expressão individual e deixar de proteger outros direitos individuais e coletivos. A repriorização do ‘discurso cívico’ significa um convite para o ativismo da extrema-direita”, avaliou Brant.

O secretário de Políticas Digitais do governo federal, João Brant (Valter Campanato/Agência Brasil)

Ainda segundo o secretário, “a declaração da Meta sinaliza que a empresa não aceita a soberania dos países sobre o funcionamento do ambiente digital e soa como antecipação de ações que serão tomadas pelo Governo Trump”.

Brant acrescentou que essa medida vai asfixiar financeiramente as empresas de checagem de fatos, o que vai afetar as operações delas dentro e fora das plataformas. “O anúncio só reforça a relevância das ações em curso na Europa, no Brasil e na Austrália, envolvendo os três poderes”, enfatizou.

Em entrevista à ‘Globnews’, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a sociedade vive num mundo tenso, onde as questões ideológicas estão fazendo a diferença. “Estamos num mundo em que a comunicação se tornou muito mais disruptiva do que foi no passado”, disse, ao lembrar como o anúncio da Meta pode impactar a sociedade, porque adere “um pouco à mentalidade de que liberdade de expressão inclui calúnia, mentira, difamação e tudo mais”.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda)

Na avaliação de Haddad, o Brasil já testemunhou as consequências da disseminação de notícias falsas, desde 2018, culminando nos ataques de 8 de janeiro e na trama para assassinar autoridades.

“A economia estará bem, mas nós precisamos cuidar da nossa democracia, nós temos que cuidar das nossas instituições, nós temos que cuidar da integridade das pessoas e das informações que são divulgadas, para evitar pânico, para evitar que as pessoas, no desespero, acabem abraçando ideologias extremistas, que põem a perder as liberdades individuais e o nosso desejo de paz e prosperidade para as pessoas. Tudo isso é muito desafiador, mas eu acredito que o Brasil está bem posicionado [para enfrentar isso]”, disse.

Deputada fala em ataque à soberania

A deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP) usou seu perfil na rede X, na manhã desta quarta-feira, 8, para também atacar a decisão da Meta. A parlamentar afirma que “a atualização da política de moderação organização é um ataque direto à soberania dos países, que têm se colocado contra as arbitrariedades feitas pelas redes sociais, que cada vez mais se tornam território livre da extrema-direita e para a violação de direitos e das democracias”.

“Como disse a pesquisadora Marie Santini, do NetLab, não são os países da América Latina que têm ‘cortes secretas’ conforme disse Mark Zuckberg. São as redes sociais que tem tribunais secretos, devido às suas faltas de transparência sobre suas equipes de moderadores, as regras e os motivos da moderação e da não-moderação”, afirmou Hilton.

A deputada federal Erika Hilton (Reprodução/Câmara dos Deputados)

Na avaliação da deputada, “a guinada pró-Trumpismo de Zuckberg só reforça a necessidade, aqui no Brasil, de um processo, já ocorrido em diversos países do mundo, de regulamentação das redes sociais”.

A ex-candidata à Prefeitura de Belo Horizonte, Duda Salabert, anunciou nesta quarta-feira, que vai ingressar com uma ação judicial contra a Meta para impedir que as novas medidas sejam implementadas no Brasil.

“Enviei também ofício ao ministro Alexandre de Moraes para que possamos debater o tema. A despatologização das identidades LGBT+ foi uma conquista, fruto de lutas históricas, e não aceitaremos retrocessos! Nenhuma empresa estrangeira está acima da ciência, de nossa história, de nossa luta e das leis e soberania nacionais!”, afirmou Salaberet, na rede X. Ela se refere ao fato de que nova política poderá permitir que postagens associem pessoas LGBT+ a “doentes mentais”.

A deputada Duda Salabert (Bruno Spada/Câmara dos Deputados)
Projetos que tramitam no Congresso

Desde 2020, segundo informações da Câmara dos Deputados, havia 50 projetos de lei tramitando com propostas de combate às fake News. Somente naquele ano, 21 proposituras foram apresentadas.

O mais significativo deles é Projeto de Lei 2.630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na internet e foi batizado de “PL das Fake News”. O texto propõe a criação de regras de combate à desinformação na internet, responsabilização de plataformas e garantia de fiscalização e aplicação de sanções.

Apresentado em 2020, e votado no mesmo ano pelo Senado, o projeto está parado desde que chegou à Câmara dos Deputados, em julho daquele ano. No dia 5 de maio de 2023, foi enviado para análise de três comissões (Comunicação, Finanças e Tributação e Constituição e Justiça), mas depois o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

A última movimentação da matéria ocorreu dia 4 de abril de 2024, quando foi apresentado um requerimento do deputado Pastor Henrique Vieira (PSOL/RJ -para apensar ao PL das Fake News, o Projeto de Lei nº 847, de 2019. Ainda em abril, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) declarou que o relatório do deputado Orlando Silva (PCdoB – SP) sobre o projeto, não seria mais votado em plenário, e anunciou a criação de um grupo de trabalho para analisar a matéria, mas até hoje não houve resultado.

Lira alegou que o texto de Silva propunha censura e violação da liberdade de expressão, o que prejudicou sua análise e não reuniu consenso entre os parlamentares para ser levado à votação.

Autor diz que medidas não impactam projeto

Em declaração ao portal Congresso em Foco, o autor do PL das Fake News, senador Alessandro Vieira, avaliou que as declarações do dono da Meta não devem interferir no avanço da proposta no Brasil. Para Vieira, o pacote de Zuckerberg não tem como alvo alcançar objetivos políticos específicos e nem melhorar a qualidade das plataformas, mas assegurar os resultados comerciais da empresa.

“A Meta nunca teve preocupação real com a qualidade da informação que circula nas redes, seu foco sempre foi maximizar lucros. (…) Zuckerberg só está preocupado com o lucro das suas empresas, não com liberdade de expressão ou saúde mental”, disse ao Congresso em Foco.

A deputada Érika Kokay (PT-DF) também apresentou o Projeto de Lei 2051, em 2024, que criminaliza a produção, divulgação ou compartilhamento de notícias falsas (fake news) sobre temas relacionados a interesse público relevante, como à saúde, à educação, ao meio ambiente, à segurança pública e à economia nacional.

A proposta prevê pena de detenção, de seis meses a três anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave, para quem produzir, divulgar ou compartilhar notícia manifestamente falsa para alterar, distorcer ou corromper gravemente a verdade sobre temas de interesse público relevante.

STF deve prosseguir julgamento em 2025

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar, neste ano, o julgamento do Tema 987 de repercussão geral, que discute a constitucionalidade do art. 19 da Lei 12.965/2014, que institui o Marco Civil da Internet. O dispositivo determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros. A ação foi movida pelo Facebook no Supremo, e envolve a criação de um perfil falso em sua rede.

Três dos 11 ministros já apresentaram seus votos num julgamento que envolve dois Recursos Extraordinários (RE). O relator do RE 1037396, ministro Dias Toffolli, votou pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, e considerou que o modelo atual confere imunidade às plataformas. Segundo o STF, o relator propôs que a responsabilização deverá se basear no artigo 21 da mesma lei, que prevê a retirada do conteúdo mediante simples notificação.

Relator do outro RE 1.057.258 (Tema 533 de repercussão geral), o ministro Luiz Fux também considerou o dispositivo inconstitucional porque dá uma espécie de imunidade civil às empresas, que só podem ser punidas se descumprirem decisão judicial.

O recurso do qual Fux é relator discute a responsabilidade de provedores de aplicativos e ferramentas de internet pelo conteúdo publicado por usuários, assim como a possibilidade de remoção de conteúdos ilícitos a partir de notificações extrajudiciais. O processo trata de uma decisão que obrigou o Google a apagar uma comunidade do Orkut. De sua plataforma.

Terceiro a votar, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, divergiu parcialmente dos colegas. Para ele, não pode haver responsabilidade objetiva das redes por conteúdos de terceiros e propôs dois modelos de responsabilização. Barroso também considerou o artigo 19 parcialmente inconstitucional por não defender adequadamente direitos fundamentais.

O ministro André Mendonça pediu vista da matéria, quando o julgamento foi suspenso em dezembro de 2024, e deve ser retomado após o recesso do Judiciário que vai até 31 deste mês.

Leia mais: Ativistas LGBTQIAPN+ temem onda de violência após novas regras da Meta
Editado por Adrisa De Góes

O que você achou deste conteúdo?

VOLTAR PARA O TOPO
Visão Geral de Privacidade

Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.