Decisão que suspende comissão do Marco Temporal veta novas propostas


Por: Ana Cláudia Leocádio

21 de fevereiro de 2025
Decisão que suspende comissão do Marco Temporal veta novas propostas
O ministro Gilmar Mendes suspendeu reuniões para tratar da Lei do Marco Temporal (Composição: Paulo Dutra/Cenarium)

BRASÍLIA (DF) – A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que suspende por 30 dias as audiências da Comissão Especial de Conciliação sobre o Marco Temporal, publicada nesta sexta-feira, 21, também veta a possibilidade de formulação de novas proposições, paralelas ou alternativas, ao anteprojeto apresentado pelo seu gabinete, na última reunião do colegiado, no dia 17 deste mês.

O despacho se contradiz com outro, exarado no último dia 14, no qual Gilmar Mendes escreveu claramente que a minuta apresentada não era um ponto final na discussão. “Rememoro a todos que a proposta não é o ponto final dos trabalhos, mas tentativa de aproximação das partes e, por esse motivo, sujeita às modificações e aprimoramentos pelos membros da Comissão durante ambas as ocasiões”, disse o ministro.

A Comissão de Conciliação do Marco Temporal foi instalada, em agosto do ano passado, com o objetivo de buscar um consenso em torno dos questionamentos contra e a favor da Lei 14.701/2023, que institui a data da promulgação da Constituição da República, o dia 5 de outubro de 1988, como data limite para se requerer a demarcação das terras indígenas.

Após seis meses de audiências, Gilmar Mendes decidiu elaborar, em conjunto com os membros de seu gabinete, uma minuta de projeto de lei em substituição à Lei do Marco Temporal, que propõe, entre outras possibilidades, “a exploração econômica do solo e do subsolo das áreas indígenas”.

Leia a minuta na íntegra:

O anteprojeto causou a indignação dos representantes dos povos indígenas. A ministro dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, emitiu uma nota se posicionamento contrária ao teor da minuta.

“O texto apresentado não expõe consensos em relação aos tópicos e traz preocupantes inserções, que distanciam ainda mais os indígenas de seus legítimos interesses. O MPI sempre foi contra o Marco Temporal e reforça sua posição na defesa dos direitos indígenas sem negociação de direitos pétreos já assegurados”, afirmou a ministra em nota oficial.

Com as discordâncias que afloraram na última reunião, na última segunda-feira, 27, Mendes acolheu o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), que solicitou mais tempo para avaliar as propostas apresentadas. No despacho desta sexta-feira, o ministro acolheu a demanda e cancelou as últimas reuniões marcadas para os dias 24 e 17 deste mês, remarcando o reinício dos trabalhos para o dia 26 de março. Ele também fixou a data de 2 de abril, para a conclusão dos trabalhos da Comissão Especial.

Durante os mais de seis meses de trabalho da Comissão, foi amplamente oportunizada aos membros a apresentação de propostas, todas devidamente registradas nos autos. Assim, reitero que a etapa de apresentação de novas propostas está superada, devendo a Comissão dedicar-se ao aprimoramento da proposta em análise”, determinou o magistrado.

Segundo o ministro, sua decisão tem em vista a “necessidade de lapso temporal adicional para formação de consenso entre os membros da Comissão Especial e para internalização da proposta do Gabinete juntada aos autos”.

Relator de cinco ações no STF

Mendes é o relator de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7582, 7583 e 7586, uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 87 e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, que questionam a Lei 14.701/2023.

Batizada de Lei do Marco Temporal, o texto foi aprovado pelo Congresso Nacional, em 2023, numa reação à decisão unânime do STF que considerou inconstitucional a tese do Marco Temporal na demarcação das terras indígenas. O acórdão da decisão ainda não transitou em julgado, porque o relator, ministro Edson Fachin, ainda não julgou alguns embargos de declaração.

Na decisão de 14 de fevereiro, que apresenta a minuta elaborada por seu gabinete, Gilmar Mendes ressaltou que as sugestões eram a “busca do alcance da cocriação de soluções, em uma ambiência de governança colaborativa judicial do conflito operado entre as posições do STF, do Congresso Nacional e da sociedade brasileira, representada por indígenas e não indígenas, que se fez representada e ouvida em escuta ativa e respeito às diversidades culturais, sociais e econômicas de todas as matizes políticas”.

Apib retirou-se da Comissão em protesto

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), autora de uma das ações de inconstitucionalidade da lei, chegou a participar dos trabalhos iniciais da Comissão, mas se retirou da mesa de trabalho, em protesto e por discordar da metodologia adotada para se chegar a uma proposta final. Como a ideia inicial seria votar por consenso, ou seja, concordância total dos membros, depois a votação foi alterada para voto por maioria. A entidade defende que sua ação seja julgada pelos membros da Corte e não discutidas por uma Comissão.

O advogado da Apibb, Maurício Terena, disse em suas redes sociais que a saída precoce da Comissão ocorreu por entenderem que esse momento chegaria, de mudanças nos direitos dos povos indígenas. “Desde o início, percebemos que as chances de haver retrocesso de direitos indígenas era dada”, afirmou.

Os povos indígenas e seus aliados precisam pressionar para impedir retrocessos! A luta continua para garantir que a lei respeite os direitos originários e proteja as terras indígenas”, completou Terena.

A Apib também requereu, no processo, o fim dessa Comissão Especial alegando, entre outros pontos, que “não há condições equânimes para a participação da conciliação, na medida em que a vigência da Lei 14.701/2023 representa violência e morte dos povos indígenas em seus territórios”.

Eles reclamaram, ainda, que na Comissão “não há qualquer restrição sobre o objeto da conciliação, podendo alcançar direitos indisponíveis e desconstruir precedentes do Supremo Tribunal Federal”.

Segundo o STF, após o debate da minuta, será realizada votação em relação aos pontos em que restar divergência entre os integrantes, observada a regra da maioria com o registro pormenorizado de cada posição adotada.

“A proposta eventualmente aprovada pela comissão será posteriormente avaliada pelo relator e, em seguida, será posta para avaliação dos demais ministros do STF que votarão pela sua homologação”, informou a assessoria da Corte.

Leia a decisão na íntegra:

A minuta

A minuta de projeto de lei apresentada pelo Gabinete de Gilmar Mendes é estruturada em quatro capítulos com 94 artigos.

Segundo Gilmar Mendes, o texto foi elaborado diante das múltiplas e distintas propostas apresentadas e “visa à racionalização dos trabalhos de deliberação da Comissão, elaborar projeto que compatibiliza, na maior medida possível, as diferentes posições e preocupações externadas durante as reuniões e veiculadas nas propostas”.

A proposta de Lei, que poderá substituir a Lei do Marco Temporal questionada (14.701/2023), propõe regulamentar o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas, além dos artigos 49, inciso XVI, art. 109, IX e art. 176, §1o, da Constituição Federal.

O art. 49 trata da competência exclusiva do Congresso Nacional, que em seu inciso XVI diz que os congressistas podem “autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais”. Já o art. 109 define que aos juízes federais compete processar e julgar “os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar (inciso IX).

O caput do art. 176 trata “das jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.

O parágrafo 1º diz que “a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o “caput” deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas”.

Leia mais: Supremo suspende reuniões após discussão sobre mineração em TIs
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona

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