Bolsonaro e Braga Netto definiram cargos e tarefas no plano de golpe de Estado
Por: Ana Cláudia Leocádio
20 de fevereiro de 2025
Jair Bolsonaro e Braga Netto (Composição: Lucas Oliveira/CENARIUM)
BRASÍLIA (DF) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu ex-ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, dividiram cargos e definiram funções estratégicas dentro do plano para um golpe de Estado. Documentos e depoimentos revelam que a dupla organizou a distribuição de postos-chave na trama para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e manter Bolsonaro no poder.
A denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, ao Supremo Tribunal Federal (STF), detalha minuciosamente como se deu a liderança do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no plano, um dos crimes pelos quais ele foi denunciado junto com mais 33 pessoas, em sua maioria militares das Forças Armadas.
De acordo com Gonet, “a organização tinha por líderes o próprio presidente da República e o seu candidato a vice-presidente, o general Braga Netto”, ressaltando que ambos “aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal como atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito democrático”.
“A responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática recai sobre a organização criminosa liderada por Jair Messias Bolsonaro, baseada em projeto autoritário de poder. Enraizada na própria estrutura do Estado e com forte influência de setores militares, a organização se desenvolveu com ordem hierárquica e teve divisão das tarefas preponderantes entre seus integrantes”, afirma Gonet na peça acusatória.
Procurador-geral da República, Paulo Gonet é autor da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (Rosinei Coutinho/STF)
Na denúncia de 272 páginas, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que toda a identificação dos atos denunciados só foi possível graças ao cuidado dos participantes da trama em documentar o projeto. “Durante as investigações, foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagens reveladores da marcha de ruptura da ordem democrática”, afirma a denúncia.
Para o procurador-geral, os atos progressivos da organização criminosa tiveram início em julho de 2021 e se estenderam até janeiro de 2023, com a invasão dos prédios dos Três Poderes em Brasília, que visaram à abolição do Estado Democrático de Direito e à deposição do governo legitimamente eleito.
Núcleo Crucial
Bolsonaro foi listado no núcleo crucial da organização, juntamente com Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Gustavo Torres, Augusto Heleno Ribeiro Pereira, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e Walter Souza Braga Netto. Integrantes do alto escalão do governo federal e das Forças Armadas, partiram deles “as principais decisões e ações de impacto social narradas na denúncia”.
O então ajudante de ordens do ex-presidente, Mauro Cid, “embora com autonomia decisória, também fazia parte desse núcleo, atuando como porta-voz de Jair Messias Bolsonaro, e transmitindo orientações aos demais membros do grupo”.
O ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) SIlvinei Vasques, além de Marília Ferreira de Alencar e Fernando de Sousa Oliveira, ambos da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), foram responsáveis pelo “emprego das forças policiais para sustentar a permanência ilegítima de Bolsonaro no poder”.
Mais de 1.500 participantes dos atos extremistas, vistos como uma tentativa de golpe de Estado, já foram detidos (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
A denúncia indica que o general Mário Fernandes, então segundo na Secretaria-Geral da Presidência da República, era quem coordenava as ações de monitoramento e neutralização de autoridades públicas, em conjunto com Marcelo Costa Câmara, além de realizar a interlocução com as lideranças populares ligadas aos episódios do dia 8 de janeiro de 2023.
O ex-assessor internacional de Bolsonaro, Felipe Garcia Martins Pereira, segundo a peça de Gonet, foi quem apresentou e sustentou o projeto de decreto que implementaria as medidas excepcionais no País, caso o plano de golpe tivesse sido bem-sucedido.
Segundo a denúncia, as ações coercitivas foram executadas por membros das forças de segurança pública que se alinharam ao plano antidemocrático. Nesse trabalho estavam o então comandante do Comando de Operações Terrestres (Coter), Estevam Cals Teophilo Gaspar de Oliveira, que “aceitou coordenar o emprego das forças terrestres conforme as diretrizes do grupo”.
No trabalho de campo voltado para o monitoramento e neutralização de autoridades públicas foram destacados os militares Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo e Wladimir Matos Soares. Hélio Ferreira Lima está preso e foi transferido de Brasília para o 7º Batalhão de Polícia do Exército, localizado em Manaus. Conhecidos como “kids pretos”, os membros das Forças Especiais do Exército também tiveram um papel crucial na trama denunciada pela PGR.
Gonet também descreve o papel dos especialistas Bernardo Romão Correa Netto, Cleverson Ney Magalhães, Fabrício Moreira de Bastos, Márcio Nunes de Resende Júnior, Nilton Diniz Rodrigues, Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros e Ronald Ferreira de Araujo Junior, que promoveram ações táticas para convencer e pressionar o Alto Comando do Exército a ultimar o golpe.
A denúncia também indica os responsáveis pelas operações estratégicas de desinformação, que ficaram a cargo de Ailton Gonçalves Moraes Barros, Angelo Martins Denicoli, Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, Reginaldo Vieira de Abreu, Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, Giancarlo Gomes Rodrigues, Marcelo Araújo Bormevet, e Guilherme Marques de Almeida.
“Eles propagaram notícias falsas sobre o processo eleitoral e realizaram ataques virtuais a instituições e autoridades que ameaçavam os interesses do grupo. Todos estavam cientes do plano maior da organização e da eficácia de suas ações para a promoção de instabilidade social e consumação da ruptura institucional”, afirma Gonet.
Responsabilização
Ao iniciar a denúncia, Paulo Gonet deixa claro que no regime republicado todos são aptos a serem responsabilizados por condutas penalmente tipificadas. “O presidente da República não foge a essa regra, ainda que, certamente, uma acusação penal contra o chefe de Estado, mesmo que ele haja deixado o cargo, não possa ser trivializada como instrumento de continuidade da disputa política, por mais acre que se tenha tornado o ambiente partidário”, afirma.
“Os delitos descritos não são de ocorrência instantânea, mas se desenrolam em cadeia de acontecimentos, alguns com mais marcante visibilidade do que outros, sempre articulados ao mesmo objetivo – o de a organização, tendo à frente o então presidente da República Jair Bolsonaro, não deixar o Poder, ou a ele retornar, pela força, ameaçada ou exercida, contrariando o resultado apurado da vontade popular nas urnas. O inquérito revela atentado contra a existência dos três Poderes e contra a essência do Estado de Direito Democrático”, finaliza em sua introdução, o procurador-geral.
Com o recebimento da denúncia, o ministro relator do processo, Alexandre de Moraes, decidirá se aceita ou arquiva, além de submeter à decisão de um colegiado. Se aceita, os denunciados se tonarão réus numa ação penal, que seguirá o trâmite normal, com direito de defesa, alegações finais e julgamento final. Moraes pode ainda solicitar mudanças à PGR, caso encontre inconsistências.
Crimes pelos quais Bolsonaro foi denunciado
Deterioração de patrimônio tombado: bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Reclusão, de um a três anos, e multa;
Organização criminosa armada: Promover, constituir, financiar ou integrar “pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Pena de 3 a 8 anos;
Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito: quando alguém tenta “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. Pena de 4 a 8 anos de prisão;
Golpe de Estado: quando uma pessoa tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Pena de prisão de 4 a 12 anos;
Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima: detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
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