Depois da cirurgia: gêmeas trans contam experiência após redesignação sexual aos 19 anos

Aos 19 anos, as duas se tornaram as primeiras gêmeas trans no mundo a realizarem a cirurgia de redesignação de sexo (Reprodução/Internet)

Com informações do O Globo

MANAUS – Uma sensação de estar sonhando. É assim que a estudante mineira Sofia Albuquerck descreve seus dias dois meses e meio após fazer história ao lado da irmã gêmea, Mayla Phoebe Rezende. Aos 19 anos, as duas se tornaram as primeiras gêmeas trans no mundo a realizarem a cirurgia de redesignação de sexo.

O procedimento, realizado no dia 10 de fevereiro, era um desejo antigo de ambas, que se perceberam meninas ainda na infância. O pós-operatório, elas garantem, segue bem. “A única coisa que doeu bastante foi a dilatação, que temos que fazer após o procedimento, mas isso vai diminuindo com o tempo e aos poucos”, diz Sofia.

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“Quando eu acordei da cirurgia não queria que me dessem banho porque parecia que o meu órgão masculino ainda estava lá, e eu tinha vergonha. Mas quando passei a mão e vi que tinha dado certo, me acalmei. É uma sensação inacreditável, parece que eu estou sonhando ainda”, reitera.

A mesma alegria é descrita pela irmã. “Só vi (a vagina) quando o médico tirou o curativo no segundo dia. Ele disse que estava inchada e que eu poderia me assustar. Mas eu não acreditava, estava extremamente satisfeita, achava ela bonita até inchada. Ainda não caiu a ficha”, confessa Mayla.

“O pós-operatório não dói nada. O que eu senti é a sensação do membro fantasma, como se o meu órgão masculino ainda estivesse aqui”, conta. O fenômeno ocorre quando, mesmo após a perda de um membro, a pessoa ainda experiência sua existência, sentindo, inclusive, coceira ou dor.

De volta à rotina normal, elas dedicam-se aos estudos – Mayla é técnica em enfermagem e cursa medicina em Buenos Aires, mas, por conta da pandemia, está passando temporada com a família no Brasil e estudando à distância; já Sofia cursa faculdade de engenharia civil – e aproveitam a exposição de seu caso para ajudar outras mulheres transsexuais. 

Elas têm conversado, inclusive, com pais de pessoas trans para que eles entendam mais sobre o assunto. “Eu e a Sofia temos um grupo com várias meninas trans. Nunca pensei em ser inspiração para alguém, mas tento ajudar. Hoje em dia, converso com uma mulher trans de 48 anos que me pergunta como ‘sair do armário’, sabe? Acho importante falar sobre”, comenta Mayla.

Elas confessam que no princípio a exposição gerou insegurança. Com suas histórias em grandes mídias, temeram críticas. “No começo, eu fiquei com muito medo das pessoas, de sair na rua e alguém me reconhecer e tentar fazer alguma coisa, de quantas pessoas vão me odiar nas redes sociais”, admite Sofia. “Quando tudo foi exposto, alguns comentários me deixaram muito chateada, mas eu me apeguei muito em Deus para enfrentar tudo isso”, ressaltou.

O procedimento

A redesignação sexual foi feita no Hospital Santo Antônio, em Blumenau, Santa Catarina, um das únicas instituições particulares que realizam a cirurgia no Brasil. No SUS a fila de espera pode chegar a cinco anos. “O procedimento é feito através da inversão peniana.

Pegamos uma parte do pênis, associado a um segmento de pele da bolsa escrotal, e fazemos a invaginação para dentro do perímetro. Também confeccionamos o neoclitóris, onde a paciente terá a sensibilidade”, explica o cirurgião Claudio Eduardo Pereira de Souza, um dos responsáveis pela cirurgia das irmãs. “Após uma semana, a neo-vagina já precisa ser dilatada.

Isso consiste na introdução de um bastão de látex duas vezes ao dia, mas depois passa para apenas uma vez diária, até chegar ao momento que será somente uma vez por semana, pelo resto da vida. Após três meses, já é possível dar início à vida sexual”.

O cirurgião José Carlos Martins, que também atuou na operação de Mayla e Sofia, conta que o procedimento é estético-funcional. “Essa cirurgia traz a parte estética para a paciente, que agora terá a chamada neo-vagina, e a parte funcional, já que ela será capaz de fazer xixi sentada e ter relações sexuais com penetração”, afirma. “E ela gera para a paciente um conforto assim que ela percebe que a maneira como ela se sente, é a forma como ela vai se expressar”, acrescenta.

Vida pessoal

A vida amorosa, no momento, está em stand by. Tanto Mayla quanto Sofia tiveram relacionamentos breves antes do procedimento, mas com experiências completamente diferentes. “Eu precisei me mudar para estudar, e tive experiências que a Sofia não teve, e elas não são muito boas. Teve um rapaz que, quando descobriu que eu era trans, me xingou e foi extremamente transfóbico.

Teve até mesmo ameaças de morte e precisei fazer medida protetiva. Com a exposição da história, o meu medo era de ser apedrejada pela sociedade, e foi ao contrário, recebi mensagens de carinho do mundo inteiro, até mesmo de outros países”, revela Mayla.

Sofia e Mayla ao lado dos médicos Claudio Eduardo Pereira de Souza e José Carlos Martins (Reprodução/Internet)

Já Sofia namorou por um período, e revelou que o rapaz sabia da sua história. Quando recebeu a notícia de que conseguiria fazer a readequação, aliás, estava ao lado dele. “Lembro como se fosse ontem que eu estava ajudando ele e a mãe em um evento solidário quando me ligaram falando que a cirurgia aconteceria. Eu não me contive, fiquei muito emocionada e comecei a comemorar”, lembra.

Agora, as irmãs querem usar cada vez mais sua voz para mandar um recado ao mundo. “Os nossos corpos ficam na terra, e nós voltamos ao pó. Então não faz sentido Deus nos julgar por conta da nossa identidade de gênero, nós devemos amar e cuidar do próximo. E nós só queremos espalhar amor”, defende Mayla. Ela ainda faz um apelo. “Pais, apoiem sempre os seus filhos. Não é algo que escolhemos, nós já nascemos assim.”

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