‘Descobrindo o Brasil’: projeto ajuda indígenas a descobrirem ancestralidade

Iniciativa leva aos povos indígenas o conhecimento sobre seus ancestrais (Pixabay)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Um teste feito com a utilização da saliva para descobrir a origem do DNA. Esse é o objetivo do projeto “Descobrindo o Brasil – Indígenas”, iniciativa criada em fevereiro de 2020 para ajudar os povos tradicionais do Brasil que buscam conhecerem sua ancestralidade. Os exames são feitos no laboratório de genética Genera e já beneficiou dez indígenas com um total de seis povos.

“O projeto Descobrindo o Brasil surge em fevereiro de 2020 com o Rodrigo Alves, no intuito de estudar a população brasileira de maneira geral e dando voz aos africanos, afro-brasileiros retintos e indígenas”, disse Thay Porang Pedroso, de 20 anos de idade, conhecida por amigos próximos como Wiramirī, que significa passarinho.

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Segundo Tay, quando ela começou a participar do grupo, em dezembro de 2020, viu uma grande oportunidade de estudo e já se disponibilizou em ajudar com a divulgação para os indígenas, pois ela tem contato com mais de cinco povos.

Tay Porang, de 20 anos de idade, faz parte do grupo de indígenas não aldeados em processo de retomada ancestral (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Natural de São Paulo, Tay é técnica em Química, mas atualmente está desempregada e se dedica, no tempo livre, ao estudo da genealogia e genética. Filha de um nordestino com uma sulista, ela faz parte do grupo de indígenas não aldeados em processo de retomada ancestral.

“Sou neta de uma indígena, cuja mãe era indígena insular, nascida na ilha Fernando de Noronha, Pernambuco. Nossa memória foi apagada da ilha com a especulação imobiliária e minha bisavó levada ao continente, aos 13 anos, por um Karaiw (branco), deixando para trás seus pais e vinte e dois irmãos que até hoje não sabemos se sobreviveram”, contou.

Oportunidade

Segundo Taylow, o projeto recebe ajuda de uma vaquinha online, levando aos povos indígenas conhecimento sobre seus ancestrais. “O projeto nos dá a oportunidade de entender melhor a nossa própria narrativa e protagonismo. Entender nossas diferenças é um passo fundamental para entender nossa semelhança e nos unir cada vez mais fortes para resistir por nossas tradições”, destacou.

“Muitos indígenas já ouviram falar nos testes de ancestralidade mundo a fora, mas imaginam que é uma realidade distante ou até sentem receio de participar. Eu sou uma pessoa da ciência e é meu dever levá-la para onde quer que eu vá. Sempre converso sobre os testes com meus amigos e muitos se sentem encorajados a fazê-lo. A partir daí nós fazemos a vakinha online, arrecadamos o dinheiro e enviamos o teste. De antemão eu explico como funciona e o que podemos fazer com os resultados do teste”, relatou.

Tay explica que há muito pouco conhecimento e bases de dados sobre populações indígenas sul-americanas, portanto, há uma preferência e expectativa para os indígenas de pouca ou nenhuma miscigenação por questões de estudo.

“Mas não descartamos nossos parentes em contexto urbano, pois todas as histórias são dignas de serem ouvidas e precisamos dar voz a todos que foram silenciados, como aconteceu com minha própria família. Portanto, esses parentes, urbanos ou aldeados, entram em contato comigo, analisamos o caso e colocamos em uma lista de espera. A partir daí é só aguardar ser chamado que fazemos o envio do kit”, reforçou.

Resgate

Para o designer de moda da etnia Piratapuya, João Paulino, ou Siodohi – nome de benzimento que significa “neto do músico/Bayá Piratapuya” e também “o que carrega o espírito deste ancestral” – o teste significa o resgate da ancestralidade. Ele foi um dos indígenas que fizeram o exame.

Siodohi, da etnia Piratapuya, é designer de moda e fez o teste de ancestralidade (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Siodohi é natural da comunidade de Mariwá, localizado no Médio Waupés, no Alto Rio Negro, região do município de São Gabriel da Cachoeira (a 852 quilômetros de Manaus) e atualmente mora em São Paulo. De acordo com o resultado, 60% da origem do designer é da Amazônia, 13% dos povos nativos Centro-Americanos, 11% do povo Tupi, 7% da Patagônia, 6% nativos Norte-Americanos e 3% da América Andina. Ou seja, Siodohi tem ancestralidade 100% das Américas.

“A minha identidade foi questionada por diversas vezes, aliás, nossas identidades são questionadas. A partir disso, a Genera vem como uma ferramenta de autoafirmação. Por exemplo, o meu foi 100% América, ou seja, que sou indígena daqui, que estive aqui sempre resistindo”, salientou Siodohi.

Veja também: Indígena utiliza moda como alternativa para resgatar origens: ‘Estou em processo de descolonização’

Segundo o designer de moda, exame fez com que, inclusive, até o laboratório de genética ficasse impressionado, pois o resultado foi considerado muito singular. “Ou seja, é preciso de mais aprofundamento sobre as diferenças culturais dos povos Indígenas do Pindorama e é a partir disso que esse projeto surge para fazer esse processo de pesquisa direcionado aos indígenas”, pontuou.

Genera

De acordo com o site do laboratório de genética, a Genera investe desde 2010 em pesquisas e desenvolvimento para tornar os testes genéticos mais acessíveis à população e promover o bem-estar a partir do autoconhecimento. O teste de ancestralidade permite ao indígena conhecer, em um mapa, as áreas de onde teriam surgido seus ancestrais, com as respectivas porcentagens. A análise é feita utilizando a saliva. O resultado é disponibilizado em uma plataforma interativa com uma base de dados global.

“Nossos genes saem em formato de código que são lidos pelo sistema da empresa que faz a análise. Cada companhia tem um sistema de leitura, portanto, uma mesma pessoa pode apresentar porcentagens diferentes dependendo da empresa. Se essa discrepância é maior ou menor, depende dos logaritmos usados e da calibragem para leitura. Quanto mais bases de dados e quanto melhor são as bases usadas, melhor é a porcentagem real dada”, detalhou Tay.

Empoderamento

A técnica em Química chama a atenção e afirma que o indígena não é um personagem histórico do século XVI, pois está cada vez mais dominando a internet. “Nós não somos personagens históricos e as pessoas acham que não existimos ou que nossa identidade se restrinja somente a aldeia”, frisou.

“Hoje, cada vez mais, dominamos a área da comunicação e internet. Muitos jovens mostrando suas identidades por meio de plataformas como Tik Tok, Youtube e Instagram, além de muitos ingressos às grandes Universidades Federais em cursos como Odontologia, Medicina e Enfermagem. É extremamente importante que mais de nós adentrem em mais áreas. No campo da genética, principalmente. Precisamos tomar as rédeas e contar a nossa própria história. Desde a Grande Invasão (Colonização), a história só é contada pelo lado de quem nos destruiu”, contou.

Para Tay, é necessário estimular cada vez mais a juventude na área da Biologia Molecular, Engenharia Genética e outras áreas como a Antropologia. “Mostrar que o céu é o limite e que como indígenas temos direito de participar de todas as áreas do conhecimento. Afinal, conhecimento é poder”, finalizou.

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