Desigualdade de gênero e os desafios da produção científica feminina na Amazônia

Assim como em diversos outros campos profissionais, o caminho da ciência costuma ser mais árduo para as mulheres.(Reprodução/FAS)

Da Revista Cenarium*

MANAUS- “É muito difícil as mulheres se sobressaírem. Quando você vê a quantidade de homens e mulheres em posições de destaque, você vê claramente o quanto existe de machismo dentro da área no Brasil’, disse a cientista titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luciana Vanni, sobre a produção científica das mulheres na Amazônia.

Em celebração ao Dia Internacional de Meninas e Mulheres na Ciência, a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (SDSN Amazônia), da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), destaca a atuação feminina no Painel Científico para Amazônia (SPA), em um grupo com mais de 200 pesquisadores que trabalham para evitar a destruição da maior floresta tropical do mundo.

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Representatividade

A cientista boliviana e bióloga membro do Comitê Diretor de Ciência do SPA, Marielos Peña Claros, enxerga o painel como uma oportunidade de colaborar com o desenvolvimento sustentável na Amazônia, além de garantir a representatividade feminina na ação.

 “O papel da mulher na ciência é importante. A mulher traz uma visão diferente dos homens, questionamentos diferentes, além de uma facilidade para formar e trabalhar em equipe, buscando incluir pessoas de todos os tipos”, destaca a pesquisadora.

Marielos também é professora do Departamento de Ecologia e Manejo Florestal na Universidade de Wageningen, na Holanda. Ela investiga o manejo de florestas tropicais, com ênfase em pesquisa ecológica para definir as melhores práticas. Seu trabalho tem grande abrangência no que tange a recuperação da floresta, após impactos humanos e extrações de madeira.

Motivação

Considerada uma das maiores autoridades em estudos sobre incêndios e ecologia da paisagem na Amazônia colombiana, a geógrafa Dolors Armenteras também teve que lutar contra os obstáculos de ser pesquisadora em um país onde a ciência carece de recursos, além de enfrentar o preconceito de gênero para ser ouvida por seus colegas e pela comunidade científica.

Catalã, nascida em uma pequena cidade perto de Barcelona, Dolors mora na Colômbia desde 1998, e é pioneira no monitoramento da biodiversidade usando dados de satélite no país. Atualmente, é professora da Universidade Nacional da Colômbia, onde fundou o Grupo de Pesquisa em Ecologia da Paisagem e Modelagem de Ecossistemas (Ecolmod).

Dolors sempre teve paixão pelas florestas, paisagens e pela prática de esportes ao ar livre, como montanhismo. Hoje, a pesquisadora trabalha para o Painel Científico para a Amazônia, liderando o grupo de trabalho “Causas do Desmatamento, Degradação Florestal, Incêndios e seus Impactos”. O Painel ampliou ainda mais o alcance do seu discurso em defesa da floresta. “A oportunidade de ter voz para o desenvolvimento da Amazônia é muito importante”, destaca.

“As mulheres são metade da população e o nosso papel deveria ser o mesmo que o do homem. “Vamos chegar na igualdade de gênero quando uma mulher cientista não virar notícia por ser mulher”, concluiu.

Amazônia

Já a geógrafa e líder do grupo de trabalho “Políticas de Conservação e Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia” do SPA, Ane Alencar, afirma que as mulheres têm um olhar mais amplo e habilidoso para algumas perguntas complexas da ciência. Ela defende mais contratações de mulheres na área científica, reforçando a importância do olhar feminino.

“Para as meninas que querem entrar na carreira científica, sugiro que estudem cada vez mais, sigam seus sonhos e não limitem seus sonhos. Qualquer mulher pode se descobrir cientista e pode ser um prêmio Nobel na área, não tenha medo de apreender e nem de perguntar, porque um bom cientista se faz com perguntas”, disse.

Ane Alencar fez mestrado na Universidade de Boston (EUA) e doutorado na Universidade de Flórida também nos EUA e atualmente é diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), além de liderar o Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas).

Mais que uma data

Para as cientistas, além da data criada para lembrar as mulheres e suas contribuições para a ciência, há outros métodos para incentivar e estimular a participação feminina no universo científico. Premiações voltadas para as profissionais da ciência, prêmios que estimulem jovens pesquisadores seriam algumas das alternativas.

Dados divulgados no relatório Education at Glance 2019 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que as mulheres brasileiras têm 34% mais possibilidade de ter uma formação superior. No entanto, elas ainda significam menos de 30% dos pesquisadores do mundo de acordo com o Instituto de Estatísticas da Unesco.

Se na ciência ainda é escassa a participação feminina, quando se trata de ciência da Amazônia, os obstáculos parecem crescer ainda mais. Mesmo com todas as dificuldades, as cientistas têm colaborado para os estudos fundamentais para manter a floresta em pé.

A iniciativa internacional é responsável por compilar todo o conhecimento científico já produzido sobre a floresta amazônica e propor caminhos para evitar sua destruição. Esse trabalho resultará no primeiro relatório científico realizado para toda a Bacia Amazônica e seus biomas, previsto para o segundo semestre deste ano.

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