Desigualdade vai aumentar em 2021, com alta apenas da renda dos mais ricos, aponta consultoria

Marilene Lima de Jesus, os filhos e o marido têm como única renda no momento o auxílio emergencial (Gabriel de Paiva/ Arquivo pessoal)

Com informações do O Globo

RIO DE JANEIRO – O aumento da desigualdade deve marcar o ano de 2021, se forem confirmadas as projeções da Tendências Consultoria de que somente a renda dos mais ricos, da classe A, vai aumentar no ano que vem. São famílias que têm renda domiciliar a partir de R$ 19,4 mil por mês e representam apenas 3,4% dos lares, segundo estudo exclusivo da consultoria. As previsões indicam que os rendimentos das classes B, C e D/E vão cair no próximo ano.

Segundo Alessandra Ribeiro, sócia e diretora da área de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências, os que estão no topo da pirâmide de renda se beneficiam mais rapidamente de uma recuperação, mesmo que gradual, daí a previsão de alta de 2,7% nos rendimentos. Além disso, essa camada da população sofreu menos com a crise, a ponto de não ter perdido renda mesmo em um ano de queda de mais de 4% do PIB. “É uma classe que concentra empregadores e funcionários públicos”, afirma Alessandra.

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O economista Daniel Duque, da Fundação Getulio Vargas (FGV), atribui essa melhoria ao perfil do trabalhador dessa camada da população. Os mais escolarizados, que conseguiram manter o emprego trabalhando remotamente, mantiveram a renda. E são esses os que têm salário maior. “Os mais ricos, mais qualificados, se protegeram bem na pandemia. Conseguiram trabalhar em home office, o que até impactou positivamente as finanças dessas famílias, que economizaram com transporte, com carro”.

Queda de 15,4% na renda

Em 2020, a renda dos mais pobres subiu 20,9%, impulsionada pela injeção mensal de R$ 55 bilhões do auxílio emergencial. O benefício foi reduzido à metade — de R$ 600 para R$ 300 — desde setembro e será extinto no fim deste ano.

Sem ele, a perspectiva é de queda acentuada no rendimento das famílias das classes D/E, que ganham até R$ 2,6 mil por mês. Segundo a Tendências, a redução será de 15,4% nos rendimentos, aumentando a distância social num país que já é o nono mais desigual do mundo, como mostrou o IBGE no mês passado.

O tamanho da crise econômica deste ano também pode ser medido pelo número de famílias que ingressaram no estrato mais baixo de rendimentos: 2,3 milhões. A projeção da consultoria indica que, em 2021, mais 930 mil famílias passarão a fazer parte das classes D/E.

“Nesse ano de 2021, vamos ver o reverso da medalha. As classes D/E vão sofrer com o efeito adverso do mercado de trabalho, sem a transferência de renda para sustentar. Em um cenário de retomada gradual, a saída do auxilio emergencial não é compensada pelo mercado de trabalho”, diz a diretora da área de Macroeconomia e Análise Setorial da Tendências.

Marilene Lima de Jesus, de 37 anos, trabalhava em uma padaria duas vezes por semana, mas foi dispensada no início do ano. Os serviços como pedreiro prestados pelo marido, com a ajuda de um de seus cinco filhos, costumavam manter a renda familiar. Só que os bicos têm ficado escassos, e a família tem dependido ainda mais do auxílio emergencial, já que é a única renda garantida no fim do mês.

“A situação está crítica porque as obras pararam. Aqui são sete pessoas vivendo do auxílio, é complicado demais. Quando o auxílio acabar, vai ser só Deus por nós”, conta Marilene, que segue à procura de emprego. “Em dezembro a gente sabe que as lojas começam a contratar. Coloquei muitos currículos com a minha experiência como repositora, atendente, operadora de caixa… Não consegui nada. O desemprego está muito alto”.

E segundo as projeções, vai levar tempo até que essas famílias consigam voltar a registrar alta significativa nos rendimentos. Após a queda em 2021, as classes D/E devem ter ganhos entre 0,8% e 1% ao ano até 2025, último período do estudo, em um cenário próximo da estabilidade.

Neste intervalo, não há previsão de reajuste real do salário mínimo, somente a correção da inflação, o que não aumenta o poder de compra das famílias.

Marcelo Neri, diretor da FGV Social, que usa um corte de renda menor que a Tendências (de até meio salário mínimo per capita), prevê que mais 15 milhões vão cair na pobreza, com o fim do auxílio:

“De setembro para outubro, já vimos a pobreza aumentar em 17% com o corte pela metade do auxílio. Isso é um trailer do que vai acontecer no ano que vem”.

Na classe A, a previsão é que, após o aumento de 2,7% em 2021, a retomada da economia se traduza em ganhos anuais acima de 4% até 2025.

“Vamos continuar com dificuldade para reduzir a desigualdade social. Esse é um dos pontos da nossa análise, inclusive para um horizonte de dez anos”, afirma Alessandra.

Classe média encolhe

Já a classe média, a classe C, que encolheu em 2020, vai continuar diminuindo em 2021, com 250 mil famílias caindo para a faixa de renda mais baixa. Com cerca de 87% dos ganhos vindos do trabalho, ela vai sofrer com a crise no mercado.

Duque, da FGV, estima que a taxa de desemprego chegue a 15,6% entre o segundo e o terceiro trimestres:

“O mercado de trabalho não voltou nem está próximo de voltar ao que era antes da pandemia”.

Quem estava no meio da pirâmide de renda sentiu os efeitos da piora do mercado de trabalho e não contou com o benefício do governo.

“A migração das famílias mais pobres para a classe média deve ser lenta, tendo em vista o fim do bônus demográfico (período em que há um maior número de pessoas em idade ativa aptas a trabalhar na comparação com a população dependente, como crianças e idosos), o crescimento econômico médio do país abaixo dos 2,5%, a ausência de valorização real do salário mínimo e o menor gasto em políticas de transferência de renda nos próximos anos”, diz o estudo.

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