Desnutrição, drogas e abusos de garimpeiros: indígenas denunciam ‘crise humanitária’ na Terra Indígena Yanomami

O vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa. (Elaine Menke/Câmara dos Deputados)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

BRASÍLIA – Lideranças indígenas da Terra Indígena (TI) Yanomami denunciaram, nessa quinta-feira, 14, a crise humanitária que atinge cerca de 30 mil pessoas do maior território demarcado do País. Desnutrição, mortes por infecções curáveis, violência sexual, contaminação por mercúrio, abuso de bebidas alcóolicas e uso de drogas são problemas que os habitantes da terra indígena (que abrange o Amazonas e Roraima) são obrigados a conviver.

A TI Yanomami comemorou, no último mês de maio, 30 anos de demarcação. O lar dos povos yanomami e ye’kwana tem 9,6 milhões de hectares de floresta. São cerca de 30 mil pessoas vivendo na localidade, divididas em mais de 350 comunidades e com presença de grupos em isolamento voluntário. Atualmente, estima-se que mais de 20 mil garimpeiros ilegais atuem no território, causando o que especialistas chamam de “crise humanitária”.

Garimpo no rio Uraricoera, na TI Yanomami. (Christian Braga/ Greenpeace)

O vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY), Dário Kopenawa, contou que a presença dos garimpeiros na terra indígena causa poluição dos rios, violência e até mesmo o impedimento do atendimento de saúde, quando há. “A comunidade e o garimpo ficam muitos próximos, as crianças tomando agua poluída com mercúrio, tomando banho nas águas sujas”, contou ele.

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Na comunidade Homoxi, os garimpeiros tomaram conta do posto de saúde, da pista [de pouso de aeronaves] de saúde, 615 yanomamis foram ameaçados de morte. O garimpeiro matou nosso parente yanomami. Sai toneladas e toneladas de cassiteritas, que os garimpeiros estão explorando. A assistência de saúde tá acabando, há oito meses os postos de saúde estão fechados porque os homens do garimpo tomaram conta do posto de saúde yanomami“, lamenta ele.

Drogas e álcool

O presidente da Asssociação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), Júlio David Magalhães Rodrigues narrou episódios de aliciamento. Ele denuncia que os garimpeiros dão bebidas alcóolicas e drogas para os indígenas mais jovens, e as mulheres têm medo de sofrer abusos sexuais.

Os jovens ficando mais agressivos por conta de ingerir bebidas alcoólicas e drogas, não querem mais ficar nas comunidades. As mulheres das nossas comunidades estão ficando cada vez mais com medo, não conseguem mais sair pra roça depois que aconteceram muitos abusos sexuais“, conta.

O presidente da Asssociação Wanasseduume Ye’kwana (Seduume), Júlio David Magalhães Rodrigues (Elaine Menke/Câmara dos Deputados)

Mortes por malária e desnutrição

As lideranças indígenas que estavam na sessão da comissão externa criada para apurar as violações de direitos do povo Yanomami afirmaram que o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) “não está dando conta” dos casos de doenças, como malária e até mesmo parasitas. Há suspeita de corrupção na administração das verbas destinadas ao distrito.

O sofrimento está aumentando cada vez mais e hoje nossos filhos estão morrendo com vermes, que tem cura, e malária que tem cura. Isso é um absurdo dentro do distrito yanomami. Estamos morrendo por falta de remédio e medicamento de malária e desnutrição também. Segundo o secretario da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] de Brasília, ele foi no distrito e falou que foi enviado R$ 200 milhões pro distrito yanomami. Onde que foi investido esse dinheiro?”, questionou o representante da liderança jovem Hutukara Associação Yanomami, Ênio Mayanawa Yanomami.

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O representante da liderança jovem Hutukara Associação Yanomami, Ênio Mayanawa Yanomami (Elaine Menke/Câmara dos Deputados)

O geógrafo e analista do Instituto Socioambiental (ISA), Estevão Banfica Senra, afirmou que há “mais ou menos” 3 mil crianças com déficit nutricional na TI Yanomami e que tudo o que foi narrada representa uma das maiores crises humanitárias do país.

“Hoje, a Terra Indígena Yanomami é palco de uma das maiores tragédias humanitárias que está ocorrendo no Brasil. Os dois vetores principais dessa crise é justamente o avanço do garimpo ilegal e a má gestão do distrito sanitário, são duas questões que se entrelaçam e vão se alimentando“, disse.

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