‘Devemos estender o tapete vermelho para quem produz’, diz presidente da ALE-RO em defesa do garimpo

A tentativa de regulamentar o retrocesso ambiental se arrasta, desde janeiro deste ano, quando o governo estadual publicou o Decreto nº 25.780/2021, com o objetivo de abrir caminho para a regularização da atividade. (Reprodução/Daiane Mendonça/Governo de Rondônia)

Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – A Assembleia Legislativa de Rondônia (ALE-RO) defendeu, em audiência pública realizada na última quarta-feira, 8, a legalização da prática de garimpagem como atividade profissional no Estado. A prática é uma das mais prejudiciais à preservação de rios e florestas no Brasil e, principalmente, na Amazônia, que concentra 90% de toda a mineração do País, segundo estudo do MapBiomas.

“Nós devemos estender o tapete vermelho para quem produz (…) e temos que dar condições para as pessoas trabalharem. Então, a ideia da audiência, realmente, é trazer uma segurança jurídica aos garimpeiros”, declarou o deputado estadual e presidente da ALE-RO, Alex Redano (Republicanos), em coletiva de imprensa que antecedeu a reunião.

A tentativa de regulamentar o retrocesso ambiental se arrasta, desde janeiro deste ano, quando o governo estadual publicou o Decreto nº 25.780/2021, com objetivo de abrir caminho para a regularização da atividade. Segundo o Executivo, o ato normativo visa a permitir a mineração sobre os afluentes rondonienses, bem como o Rio Madeira, o principal rio de Rondônia, lar de mais de mil espécies e dono da maior biodiversidade de água doce do mundo, por meio de licenciamento ambiental prévio para a instalação de dragas. O documento já está em vigor.

Para o presidente da ALE-RO, o garimpeiro precisa “trabalhar com tranquilidade”. (Reprodução/ALE-RO)

A audiência

Ao dar início à audiência pública, momento em que anunciou a presença do ex-senador e ex-deputado federal Ernandes Amorim, a quem citou como “amigo pessoal” e “grande apoiador do setor de mineração”, Alex Redano lembrou da invasão de centenas de dragas no Rio Madeira, na região perto do município de Autazes, no Amazonas.

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No entanto, momentos antes, ainda em coletiva, Amorim disse que o garimpo está acontecendo em todos os Estados da Região Norte, e defendeu os supostos benefícios gerados pela mineração.

“A gente reclama aí, da questão ambiental. Daqui a pouco, você vai encontrar aqui, uma reunião sem nenhum representante do Ibama, sem certos representantes aqui na casa, que deveriam estar aqui para assistir o que o povo garimpeiro, o que o povo de Rondônia, a economia e a geração de emprego pudessem estar oferecendo a nós, aqui, da Amazônia”, defendeu o ex-senador e ex-deputado federal.

Amorim já foi vereador do município de Ariquemes, em Rondônia, mas foi destituído do cargo por ter praticado crime ambiental, em 2018. Ele foi afastado pela Justiça, responsabilizado pelo incêndio de 30 hectares de mata da Floresta do Rio Machado, na cidade de Machadinho D’Oeste. Além disso, também já foi condenado por abrir estrada para pouso de avião dentro de uma reserva extrativista, também, em Rondônia.

Ex-senador e ex-deputado federal, Ernandes Amorim, que defende o garimpo, tem uma coleção de crimes ambientais. (Reprodução/Divulgação)

Segundo Redano, o objetivo da audiência era discutir sobre a valorização do garimpeiro e traçar ações para que eles possam trabalhar legalmente. “É notória uma grande discriminação com os garimpeiros, de forma pejorativa mesmo. Parte da população, parte das autoridades que não têm conhecimento do que é o garimpo, do que é a profissão de garimpeiro e, infelizmente, existe esse preconceito que atrapalha a todos”, disse em pronunciamento na Casa lotada por representantes da classe. 

Uma das pessoas convidadas a falar foi a presidente da Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia. Filha de garimpeiro, tendo crescido no meio da mineração, disse que só “parece que o garimpeiro anda ao lado da ilegalidade”. “Se existe hoje a ilegalidade do garimpo, não é porque o garimpeiro quer trabalhar ilegal, é só porque ele não tem oportunidade”.

A reunião durou mais de três horas e se resumiu a ouvir e a debater ideias de normalização da prática considerada, na grande maioria dos casos, como crime ambiental, além de buscar alternativas na legislação para tornar o garimpo uma profissão e inseri-la como a “terceira maior cultura de Rondônia”. 

Defesa de interesses

Presidente da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, a mais importante do Estado na luta pela preservação do meio ambiente e pelos direitos dos povos tradicionais e indígenas, Ivaneide Cardozo diz que o que fazem os políticos de Rondônia é legislar em causa própria.

“O que nós vimos foram políticos legislando em causa própria, fazendo defesa do garimpo porque há interesse deles. E não há uma preocupação real com a população, principalmente com a população ribeirinha e a população indígena. Não há uma preocupação com a infância e a adolescência, e nem com a biodiversidade, com certeza, nenhuma preocupação”, declarou em entrevista à CENARIUM. “É necessário que a população veja que ela está sendo prejudicada pelas atitudes desses políticos locais”, acrescentou.

Para a indigenista e presidente da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Ivaneide Cardozo, regulamentar o garimpo significa submeter a população a problemas de saúde. (Reprodução/Gabriel Uchida/Kanindé)

O tecnólogo em Gestão Ambiental e conselheiro da Associação Kanindé, Edjales Benício, afirma que tudo não passa apenas de uma tentativa de regulamentar os retrocessos que já ocorrem, a vistas grossas, no território estadual.  “O governo e a Assembleia Legislativa de Rondônia vêm tentando, de forma sistemática, incluir atividades com alto grau de impacto nos recursos naturais sem critério nenhum, apenas numa tentativa de legalizar o ilegal”, disse à reportagem.

“E o pior: cria expectativa para esses infratores, que, mais tarde, somos sabedores que isso não vai prosperar. No entanto, os danos ambientais e sociais ficam, cada vez mais, evidentes, é isso o que está acontecendo. Mais uma tentativa de tentar legalizar o crime ambiental em Rondônia”, complementou.

Tecnólogo em Gestão Ambiental e conselheiro da Associação Cultural Kanindé, Edjales Benício interpreta a discussão como uma forma de regulamentar os crimes ambientais já ocorridos em Rondônia. (Reprodução/Acervo pessoal)

Rio Madeira, o novo Eldorado

Com a atual discussão permeando o Legislativo, o mais importante rio de Rondônia está, como nunca antes, sob ameaça. O primeiro passo, antes de se discutir sobre a profissão de garimpeiro, foi dado pelo governador do Estado, Marcos Rocha (PSL), por meio de um decreto que já regulamentava a garimpagem sobre os recursos hídricos rondonienses. O documento viabiliza, entre uma série de critérios, porém sem estudo científico, o licenciamento para o uso de balsas e dragas na mineração.

“Esse decreto do governador é um absurdo. Primeiro que ele estende o decreto para todos os recursos hídricos do Estado de Rondônia, daí você já vê que é um decreto extremamente falho, porque alguns rios são binacionais e outros passam por outros Estados. Mais uma vez, legislações sem fundamento técnico e científico”, rebateu Edjales Benício sobre o Decreto nº 25.780/2021.

Invasão de dragas de garimpo no Rio Madeira, no Amazonas, que também corta o Estado de Rondônia. (Reprodução/Greenpeace)

Cardozo destaca que o Madeira é um rio federal e que, por isso, o Estado não deveria legislar sobre sua exploração. “Eles estão fechando os olhos. Incentivando a garimpagem no Rio Madeira, esses órgãos desconsideram a pressão ambiental, mas também desconsideram a pressão social, porque sabemos que onde tem garimpo, há exploração infantil, há tráfico de drogas, há uma série de situações que têm de ser consideradas, das quais não se deve deixar a população à mercê”, declarou Ivaneide Cardozo, indignada. 

A presidente da Associação também criticou o governo do Estado de Rondônia por facilitar o licenciamento para explorar o garimpo no Rio Madeira e destacou o risco de sujeitar a população à exposição de mercúrio. Cardozo ressaltou ainda que as crianças também sofrem com os efeitos da prática.

“É muito sério e muito preocupante ver que os políticos eleitos para defender o direito do povo estão na Assembleia Legislativa legislando contra o povo, legislando a favor de uma minoria que está impactando a biodiversidade. Basta ver a situação do garimpo com os Yanomami. É criança desnutrida, é criança morrendo por conta das dragas. É lamentável ver essa atitude”, concluiu a presidente da Kanindé. 

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