Dia do Escritor: conheça autores brasileiros que transformam literatura a partir da vivência


Por: Bianca Diniz

25 de julho de 2025
Dia do Escritor: conheça autores brasileiros que transformam literatura a partir da vivência
(Imagens: Reprodução/Redes Sociais | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

MANAUS (AM) – No Brasil, onde o ato de escrever muitas vezes ultrapassa o ofício para se tornar um mecanismo contra o apagamento, o Dia do Escritor, celebrado nessa sexta-feira, 25, ganha novas dimensões. Não é apenas um momento para homenagear quem escreve textos, mas também para discutir e reconhecer quem resiste por meio da escrita, como indígenas, negros e LGBTQIAPN+ que formam a literatura brasileira a partir de vivências, territórios e identidades historicamente marginalizadas.

A data, escolhida em homenagem ao I Festival do Escritor Brasileiro, realizado em 1960, propõe reflexões sobre as desigualdades estruturais que persistem no acesso à escrita, à publicação e à própria leitura. De acordo com a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), o País possui mais de 17 mil escritores, porém apenas uma pequena parcela chega a dialogar com o grande público e ocupar espaços institucionais, como prêmios literários e vitrines editoriais.

Mulher em biblioteca, cerca por livros (Fernando Frazão/Agência Brasil)

No cenário amazônico, a disparidade se intensifica. Segundo dados do Instituto de Leitura Quindim, menos de 1% dos autores publicados no Brasil têm origem ou atuação na região, apesar da riqueza cultural e linguística que abriga mais de 29 milhões de habitantes. O apagamento se estende a escritores indígenas, quilombolas e periféricos, cujas narrativas permanecem à margem da produção literária vista como hegemônica.

Neste especial, a CENARIUM traz 15 autores que desconstroem o cenário literário brasileiro, escrevendo a partir do corpo, da ancestralidade, da dor e do desejo. São vozes que reverberam em diferentes linguagens e gêneros, da poesia ao romance, da literatura infantil à crítica social, abrindo caminhos para uma literatura mais plural, diversa e comprometida com os diferentes Brasis.

Veja lista:

Escritores indígenas

No Brasil, a literatura indígena, ainda que de forma gradual, tem se afirmado como uma ferramenta de resistência cultural e expressão identitária, rompendo com séculos de invisibilidade e apagamento. De acordo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o País abriga 305 etnias que falam 274 línguas indígenas. Essa produção literária contribui para a preservação de saberes ancestrais, histórias e cosmologias, além de desafiar a hegemonia do mercado editorial tradicional e das narrativas ocidentais dominantes.

Escritores indígenas exercem o papel da escrita decolonial (Fotos: Reprodução/Redes Sociais | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

Entre 2015 e 2020, a literatura indígena brasileira apresentou crescimento expressivo. Segundo a dissertação de mestrado de Roní Lopes Nascimento, intitulada Mapeamento de escritores indígenas na literatura brasileira contemporânea (2015 a 2020), defendida no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Tocantins (UFT), foram identificados autores de pelo menos 22 povos indígenas publicando obras em diferentes gêneros e temáticas.

São escritores que não apenas ampliam o panorama literário nacional, mas também exercem uma escrita decolonial, ao questionar estruturas colonizadas do saber, valorizar epistemologias indígenas e afirmar territórios, identidades e vivências historicamente marginalizadas, com isso, constroem uma literatura mais plural, enraizada e representativa.

  • Daniel Munduruku

Filósofo, educador e escritor, Daniel Munduruku é uma das principais vozes da literatura indígena no País. Com mais de cinquenta títulos publicados, o indígena paraense publica obras também para crianças e jovens, como “Coisas de índio – versão infantil” e “Meu Vô Apolinário – Um mergulho no rio da (minha) memória”, utilizados em escolas e se empenhando na descolonização do ensino. Premiado com um “Jabuti” e reconhecido pela Academia Brasileira de Letras (ABL), Munduruku representa um elo entre o conhecimento tradicional e o mundo contemporâneo.

  • Davi Kopenawa

Davi Kopenawa, xamã e líder do povo Yanomami, nasceu na comunidade Marakana, no Alto Rio Toototobi, no Amazonas. Sua obra mais conhecida a nível mundial, “A Queda do Céu”, é um marco da literatura indígena contemporânea, que mistura relatos pessoais, mitos e a cosmologia Yanomami para apresentar uma visão de mundo profundamente ligada ao meio ambiente. O livro reúne relatos dos impactos da mineração ilegal e do desmatamento, com críticas contundentes à devastação ambiental na Amazônia.

Traduzido para vários idiomas, A Queda do Céu transcende a narrativa autobiográfica e se torna um manifesto político e literário pela proteção dos povos originários e do meio ambiente. A obra é fundamental para quem deseja compreender a riqueza da cosmovisão indígena e seu papel na luta global pela preservação cultural e ambiental. Por suas contribuições, Davi Kopenawa recebeu o Prêmio Right Livelihood, conhecido como o Prêmio Nobel Alternativo.

  • Eliane Potiguara

Eliane Potiguara, nascida na Paraíba, é pioneira na literatura indígena brasileira e uma das grandes vozes da resistência cultural do povo Potiguara. Potiguara, possui uma trajetória na escrita marcada por feitos históricos, como a criação do primeiro Jornal Indígena do Brasil e de materiais de alfabetização baseados no método Paulo Freire, que possibilitam o acesso à leitura e à escrita nas comunidades indígenas. Autora de obras como “A Terra é a Mãe do Índio” e “Metade Cara, Metade Máscara“, Eliane articula identidade, feminismo e memória, desafiando o apagamento e os estereótipos impostos ao longo da história.

Potiguara é um nome forte do pioneirismo na luta pelos direitos dos povos indígenas, atuando em importantes movimentos sociais e conferências internacionais, com influência para além das fronteiras da literatura, pois a escritora contribuiu diretamente para a construção da Declaração Universal dos Direitos Indígenas na Organização das Nações Unidas (ONU). Reconhecida com o título de doutora “honoris causa” pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela simboliza o poder da palavra escrita como instrumento de transformação social e afirmação cultural.

  • Lia Minápoty

Lia, do povo Tikuna, nascida em Benjamin Costant (AM), une experiências como artista visual e educadora para fortalecer a literatura infantil indígena. Seus livros “Lua-menina e menino-onça” e “Tainãly: uma menina Maraguá” valorizam a oralidade e transmitem saberes tradicionais, mesmo diante de desafios. Uma escrita que aproxima crianças indígenas e não indígenas das histórias e da cosmovisão da floresta, promovendo resistência cultural por meio da palavra.

  • Márcia Wayna Kambeba

Poeta e mestra em Geografia, Márcia Kambeba é natural da aldeia Belém dos Solimões, do povo Tikuna, localizada na Terra Indígena Tikúna de Feijoal, no município de Benjamin Constant (AM). Sua produção poética carrega a tensão entre raízes indígenas e vivências urbanas, propondo reflexões sobre identidade, pertencimento e ancestralidade em meio à modernidade.

No livro “Ay Kakyri Tama: Eu moro na cidade“, Kambeba articula palavra e território para pensar os deslocamentos físicos e simbólicos dos povos originários em contextos contemporâneos. Finalista do Prêmio Jabuti, sua obra se destaca por dialogar com temas urgentes da Amazônia e do Brasil, como o reconhecimento, a resistência e a visibilidade dos povos indígenas.

Escritores negros

A literatura negra brasileira é uma expressão fundamental de resistência, memória e afirmação cultural, capaz de romper o silêncio e a invisibilidade histórica impostos às populações afrodescendentes. Segundo dados da FBN, apenas cerca de 7% dos autores brasileiros registrados são negros, um reflexo das desigualdades estruturais que ainda limitam o acesso à publicação e à circulação dessas vozes.

Escritores negros abordam múltiplas realidades em obras literárias (Fotos: Reprodução/Redes Sociais | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

Escritores negros vêm ampliando o panorama literário nacional ao abordar temas urgentes como racismo estrutural, ancestralidade e desigualdade social. Como destacou o romancista Jeferson Tenório, “é necessário que a literatura seja um espelho da sociedade, com suas dores, lutas e também suas potências”. Os escritores desta lista, reconhecidos nacional e internacionalmente, dialogam com múltiplas realidades do Brasil, reafirmando o poder da palavra como instrumento de resistência e transformação social.

  • Antônio ‘Nêgo’ Bispo dos Santos

Nêgo Bispo, intelectual quilombola nascido no Vale do Rio Berlengas, em Francinópolis (PI), foi autor, educador popular e referência fundamental no pensamento decolonial e na resistência afro-brasileira. Sua obra mais conhecida, “Colonização, Quilombos: modos e significações (2015)“, propõe uma análise crítica das formas de colonização e das estratégias de sobrevivência cultural e política das comunidades quilombolas, questionando narrativas oficiais que, historicamente, invisibilizaram essas populações.

Bispo publicou diversos artigos e ensaios que aprofundam o debate sobre colonialismo, racismo estrutural e luta antirracista no Brasil. Sua produção literária dialoga diretamente com a perspectiva decolonial, rompendo com visões eurocêntricas e valorizando saberes ancestrais. O impacto de seu trabalho ultrapassou o meio acadêmico, influenciando movimentos sociais, a formulação de políticas públicas e fortalecendo a identidade e a resistência das comunidades quilombolas no País.

  • Carolina Maria de Jesus

Carolina Maria de Jesus, catadora de papel e mãe solo nascida em Sacramento (MG), ganhou projeção nacional com a publicação de “Quarto de Despejo” em 1960, diário que denuncia a miséria, o racismo e as dificuldades enfrentadas na favela do Canindé, em São Paulo. A obra rompeu o silêncio sobre a vida nas periferias urbanas e revelou uma escrita potente, marcada por lirismo, denúncia social e observação aguda da realidade.

  • Conceição Evaristo

Conceição Evaristo é uma das maiores representantes da literatura brasileira contemporânea e uma das grandes vozes da “escrevivência”, termo criado por ela para definir a escrita que nasce da experiência negra e feminina periférica. Em obras como “Ponciá Vicêncio“, “Olhos d’água” e “Becos da Memória“, a autora articula memória, denúncia e celebração, rompendo o silêncio histórico em torno dessas vivências.

Em 2015, a escritora mineira recebeu o Prêmio Jabuti na categoria Contos e Crônicas pelo livro “Olhos d’Água“, consolidando o reconhecimento no cenário literário nacional. A produção literária de Evaristo tem impulsionado debates sobre racismo, identidade e representatividade no Brasil.

Ao longo da carreira, publicou livros como “Casa de Alvenaria” (1961) e “Pedaços de Fome” (1977), que aprofundam sua crítica à desigualdade e ao preconceito. De acordo com a Fundação Biblioteca Nacional, sua produção integra a literatura marginal, caracterizada por autores fora dos circuitos editoriais tradicionais que tratam de temas relacionados à exclusão social. O legado de Carolina Maria de Jesus ocupa lugar central na história da literatura brasileira e contribui para o fortalecimento da voz negra no campo cultural.

  • Jeferson Tenório

Nascido no Rio de Janeiro e radicado em Porto Alegre, Jeferson Tenório é romancista, professor de literatura e um dos principais nomes da nova geração de autores brasileiros. Alcançou projeção nacional com “O Avesso da Pele” (2020), romance que explora a experiência da negritude a partir da memória de um pai morto pela violência policial. A obra discute temas como racismo estrutural, masculinidade negra e herança afetiva, em diálogo com as urgências do Brasil contemporâneo.

O livro venceu o Prêmio Jabuti na categoria Romance Literário em 2021 e garantiu espaço para o autor no debate público sobre representatividade e justiça racial. Tenório também é autor de “O Beijo na Parede” (2013) e “Estela sem Deus” (2018), livros que abordam identidade, exclusão e pertencimento.

  • Itamar Vieira Junior

Nascido em Salvador, Itamar Vieira Junior conquistou lugar de destaque na literatura brasileira contemporânea com “Torto Arado” (2019), romance que acompanha a trajetória de duas irmãs negras no sertão baiano, filhas de trabalhadores rurais marcados pela pobreza, pela luta por terra e pela herança espiritual. A narrativa entrelaça elementos da religiosidade afro-brasileira, da oralidade e das tensões sociais no campo, com uma linguagem poética e contundente.

A obra promove um reencontro entre literatura e questões estruturais do País, como o racismo, a desigualdade fundiária e a invisibilidade dos povos do interior nordestino. Com Torto Arado, o autor venceu os prêmios Jabuti, Oceanos e Leya, e consolidou uma das vozes mais potentes da ficção brasileira atual.

Itamar também é autor de “Doramar ou a odisseia” (2021), coletânea de contos que reafirma sua atenção aos conflitos sociais e espirituais que atravessam o Brasil profundo. Além da escrita, desenvolve pesquisa acadêmica voltada às comunidades quilombolas, reforçando o vínculo entre literatura, território e justiça histórica.

Escritores LGBTQIAPN+

Nesta lista, a CENARIUM também destaca a importância e o respeito à produção de escritores e escritoras LGBTQIAPN+, cuja contribuição amplia a diversidade e a pluralidade do campo literário brasileiro. Apesar da persistência de barreiras sociais e da invisibilidade que muitos ainda enfrentam, suas obras aprofundam os debates sobre identidade, gênero e sexualidade, desafiando estruturas normativas. Reconhecer essas vozes é essencial para compreender a literatura contemporânea como território de resistência, existência e transformação.

Escritores LGBTQIAPN+ amplia a diversidade e a pluralidade (Fotos: Reprodução/Redes Sociais | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)
  • Cassandra Rios

Cassandra Rios nasceu em São Paulo e foi uma das primeiras vozes a dar corpo à literatura lésbica no Brasil. Na ditadura militar, sofreu censura e perseguição, porque seus livros incomodavam o regime com suas histórias de amor e desejo entre mulheres.

Com mais de 40 títulos publicados, entre eles “A Tara” e “Volúpia do Pecado“, ela quebrou barreiras e abriu caminho para narrativas queer em português. Cassandra não só escreveu sobre o que era “proibido“, mas fez isso com coragem, deixando uma marca que ainda pulsa na cena literária LGBTQIAPN+ brasileira.

  • João W. Nery

João W. Nery, nascido no Rio de Janeiro, foi o primeiro homem trans brasileiro a publicar uma autobiografia, com “Viagem Solitária” (2011). Além de escritor, atuou como ativista fundamental na ampliação das discussões sobre direitos trans no País.

Seu trabalho é marco documental e literário que revela as dificuldades enfrentadas e a resistência da comunidade trans no Brasil. Em “Vidas Trans“, reuniu relatos que deram voz a histórias antes marginalizadas, fortalecendo a visibilidade e a luta por direitos da população trans.

  • Márcia Antonelli

Márcia Antonelli, amazonense, é escritora trans que une literatura, audiovisual e pesquisa acadêmica para dar voz à população trans em Manaus. Seus contos e ensaios abordam temas como identidade, gênero e violência, trazendo uma perspectiva inédita no cenário urbano da Amazônia. Antonelli representa um avanço significativo na inclusão das narrativas trans na região.

  • Natália Borges Polesso

Natália Borges Polesso, natural de Bento Gonçalves (RS), é doutora em Teoria da Literatura e se destaca pela escrita que combina sensibilidade e contundência para explorar afetos e identidade lésbica.

Sua coletânea de contos “Amora” (2015) recebeu o Prêmio Jabuti e consolidou sua posição como voz importante na literatura LGBTQIAPN+ contemporânea. Em “Controle” (2019), Polesso aprofunda temas como autonomia e os desafios pessoais, alcançando especialmente o público jovem e ampliando a representatividade no panorama literário brasileiro.

  • Raphael Montes

Raphael Montes, nascido no Rio de Janeiro, é um dos principais representantes da literatura policial contemporânea no Brasil. Com estilo direto, construção ágil de enredos e tramas marcadas por tensão psicológica, o autor alcançou o grande público com romances como “Dias Perfeitos” (2014) e “Jantar Secreto” (2016), nos quais explora os limites da moral, da violência e das relações interpessoais.

Assumidamente gay, Montes insere personagens LGBTQIAPN+ em suas obras de maneira natural e estruturante, contribuindo para ampliar a diversidade dentro da literatura de gênero. Parte de sua produção foi adaptada para o audiovisual, como a série “Bom Dia, Verônica“, exibida pela Netflix. O trabalho do autor reforça a vitalidade da ficção policial no País e amplia o alcance da literatura brasileira no circuito internacional.

Editado por Marcela Leiros

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