Dino dá 72h para governos federal e do Pará explicarem incêndios no Estado
Por: Ana Cláudia Leocádio
05 de dezembro de 2024
BRASÍLIA (DF) – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino deu 72 horas para os governos federal e do Estado do Pará esclarecerem os fatos narrados pelos procuradores do Ministério Público Federal (MPF), sobre a “excepcional situação dos megaincêndios” que ocorrem no território paraense e os seus efeitos perniciosos aos povos tradicionais.
Em ofício assinado por dez procuradores da República, que atuam no MPF/PA, junto ao Núcleo dos Povos da Floresta, do Campo e das Águas (NUPOVOS/MPF-PA), as autoridades narram à Procuradoria Geral da República (PGR) a situação crítica em que se encontra o Estado, diante dos incêndios indiscriminados que consomem as florestas desde agosto, e pedem que sejam feitas algumas solicitações ao ministro Flávio Dino.
O pedido foi anexado à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 743, em que Dino é o responsável pelo cumprimento das determinações do acórdão, desde junho deste ano. Esse processo foi movido pela Rede Sustentabilidade, em setembro de 2020, no qual questionava falhas do
poder público, decorrentes de condutas omissivas e comissivas, na gestão ambiental do combate a incêndios e desmatamentos no Pantanal e na Amazônia.

Desde então, o Tribunal determinou a reorganização da política de prevenção e combate aos incêndios nos dois biomas, com a adoção de medidas pela União e pelos Estados envolvidos. A última reunião para apresentar o cronograma de providências ocorreu na última terça-feira, 3, com representantes de todos os estados da Amazônia Legal, Pantanal e do governo federal.
Ao acatar os questionamentos dos procuradores do Pará, Flávio Dino mandou notificar, para esclarecimentos, os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e da Justiça e Segurança Pública (MJSP) sobre a atuação da Força Nacional, além do Governo do Estado do Pará. A decisão do Grupo de Resposta à Animais em Desastres (Grad) que, ao informar sobre o aumento substancial do número de incêndios no Estado do Pará, solicitou que a Corte intime a União e o referido Estado para prestarem as devidas informações.
Consequências para indígenas e quilombolas
Os procuradores do MPF do Pará destacam a preocupante escalada de incêndios no Estado, que além de “destruírem a rica biodiversidade da região amazônica, liberam gases do efeito estufa, contribuindo para o aquecimento global e intensificando as mudanças climáticas”. “Além dos impactos ambientais, é imperativo destacar as graves consequências sociais das queimadas, especialmente para os povos indígenas e comunidades quilombolas que habitam o Pará”, ressaltam.
O documento sustenta que, embora o objeto da ação no Supremo abranja uma preocupação a partir da ótica de reestruturação de políticas públicas ambientais, este “não endereçou providências específicas à tutela dos direitos coletivos dos povos tradicionais”.
Por conta disso, sustentam os procuradores, a decisão de Flávio Dino que suspendeu, em outubro deste ano, várias ações judiciais em primeiro grau de cunho ambiental, “desconsiderou a realidade aguda de queimadas no Estado do Pará e a necessidade de fortalecimento das instâncias judiciais na origem, frente à hipervulnerabilidade dos povos indígenas e quilombolas aos nocivos efeitos dos megaincêndios, por serem habitantes e guardiões dos rios, campos e florestas amazônicas”.
Junto ao ofício foi anexado, ainda, documento que comprova a gravidade da situação de incêndios no Pará e a urgência da adoção de medidas para a proteção ambiental e dos povos indígenas e comunidades quilombolas.
O MPF faz quatro pedidos. O primeiro solicita a revisão da decisão que suspendeu algumas ações de primeiro grau, de modo a autorizar a retomada daquelas propostas pelos procuradores no Estado do Pará, atualmente suspensas: uma da 2ª Vara Federal de Marabá, cuja competência foi declinada para a 9ª Vara Federal de Belém; e outra que tramita na Vara Federal de ltaituba.
A segunda, para que possam ajuizar “novas demandas sobre a temática da ADPF 743 pelo MPF no Pará, tendo em vista as particularidades e a gravidade das queimadas no Estado, que têm gerado devastação ambiental e impactos severos sobre a vida, saúde e segurança da população paraense, notoriamente sobre povos indígenas e comunidades quilombolas”.
A terceira pede “a celebração de atos de cooperação judiciária entre o STF e os órgãos judiciais de instância ordinária do Pará para execução estrutural coordenada, com respeito à capilarização dos efeitos práticos do acórdão da ADPF 743”.
Por último, com o objetivo de garantir a execução das providências tomadas dentro da ADPF 743, requerem a designação de audiência de contextualização proporcionando a oportunidade de discutir a excepcional situação dos megaincêndios no Pará e os seus efeitos perniciosos aos povos tradicionais.
Omissões dos governos
Os procuradores do MPF-PA destacam que têm agido de forma incisiva, com a instauração de vários procedimentos administrativos, ajuizando ações para garantir a implementação de planos emergenciais e a responsabilização por queimadas criminosas.
“No entanto, a omissão do Estado do Pará, e também do Governo Federal, em diversas frentes destaca a necessidade urgente de uma atuação coordenada e efetiva dos órgãos governamentais para mitigar os impactos devastadores das queimadas e proteger o meio ambiente e as comunidades tradicionais afetadas”, afirmam. “As queimadas no Pará estão frequentemente associadas ao desmatamento ilegal, à expansão agrícola e pecuária, e às atividades de grilagem de terras públicas”, completam.
De acordo com o ofício, nas várias “notícias de fato” que realizaram, após as respostas dos órgãos públicos, seja da esfera federal ou estadual, o MPF concluiu que existe uma total descoordenação entre os entes públicos, o que dificulta ainda mais o trabalho de mitigação dos efeitos das queimadas.
Ao analisar o mapa “Focos de queimadas do Pará”, que apresenta a localização dos focos de queimadas no Estado entre 27 de agosto e 13 de novembro de 2024, os procuradores apontam para uma “situação alarmante em que o Estado se encontra”, por conta da alta concentração de focos em diversas regiões do Estado, indicando que o problema das queimadas não se limita a áreas específicas.

“Ou seja, o Estado do Pará enfrenta uma situação crítica e generalizada de queimadas, com uma devastação ambiental alarmante que afeta severamente as comunidades tradicionais, em especial as terras indígenas e as áreas protegidas. As medidas até então adotadas pelo Estado do Pará e pela União são insuficientes para conter a proliferação das queimadas e seus impactos socioambientais”, sustentam os procuradores.
As autoridades consideram que os focos de incêndio registrados em novembro deste ano, no Pará, “são os maiores dos últimos anos, conforme dados extraídos do Painel do Fogo do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), vinculado ao Ministério da Defesa”. “Essa realidade deveria sensibilizar os órgãos públicos para o novo contexto de crise climática na Amazônia brasileira, que exige, por conseguinte, a adoção de medidas extraordinárias e esforços conjuntos”, ressaltam.
Alguns casos emblemáticos citados no documento são os incêndios na Terra Indígena Anambé, onde mais de 2 mil hectares foram consumidos pelas chamas, e na Terra Indígena Alto Rio Guamá (Tiarg), onde as forças indígenas locais não têm conseguido sozinhas combater os focos de fogo. “A concentração mais intensa de focos de calor se encontra na região centro-leste do Estado”, alertam.
Ao pedir providências ao ministro Flávio Dino e apresentar toda uma documentação pertinente aos problemas enfrentados no Estado do Pará, os procuradores lembram que “a preservação das Terras Indígenas, quilombolas e de povos e comunidades tradicionais, bem como das unidades de conservação, está intrinsecamente ligada ao controle da emergência climática, pois essas áreas desempenham um papel crucial na manutenção do equilíbrio ecológico”.
Situações críticas dos incêndios no Pará, segundo Ofício 1862/2024 GABPRM1-RMS MPF
- TI Xikrin do Cateté, nos municípios de Água Azul do Norte, Marabá e Parauapebas;
- TI Alto Rio Guamá, nos municípios de Paragominas, Nova Esperança do Piriá, Cachoeira do Piriá, Santa Luzia do Pará, Garrafão do Norte, Capitão Poço e Viseu;
- TI’s Turé-Mariquita I e II, no município de Tomé-Açu,
- Territórios quilombolas da Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes de Quilombolas do Alto-Acará (Amarqualta), no município de Acará; TI Anambé, no município de Moju;
- TI’s Munduruku, Kayabi e Sai Cinza, no município de Jacareacanga;
- Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa, nos municípios de Altamira e Novo Progresso;
- Repercussões à microrregião de Santarém/PA.

A CENARIUM entrou em contato com o MMA e aguarda retorno.
Leia na íntegra o que diz o Governo do Pará:
“A Secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) informa que não recebeu o ofício. Porém, o Governo do Pará, por meio do Corpo de Bombeiros Militar, intensificou o combate às queimadas em Santarém e outras regiões do estado, especialmente através da Operação Fênix. Desde o último sábado, 30, as operações receberam um reforço significativo, com o envio de 40 novos bombeiros, totalizando 120 profissionais na linha de frente, distribuídos em cinco frentes de trabalho. Além disso, oito novas viaturas e abafadores de incêndio foram incorporados às 3 já em operação, com o suporte adicional de dois helicópteros no combate aéreo.
O monitoramento é realizado em tempo real via satélite, garantindo uma resposta ágil e coordenada aos focos de calor. Diante do cenário atípico de queimadas enfrentado em 2024, a Semas adotou medidas extraordinárias, como a decretação de emergência ambiental em agosto, proibindo o uso de fogo para manejo de áreas e implementando o Plano Estadual de Ações de Combate à Estiagem, Queimadas e Incêndios Florestais (PAEINF 2024). Esse plano ampliou o efetivo militar em 66% e promoveu ações de salvamento, combate a incêndios e assistência humanitária. Apesar dos desafios climáticos, o Pará registrou avanços expressivos na preservação ambiental, como a redução histórica de 28,4% no desmatamento em 2024, segundo o sistema PRODES/Inpe, equivalente a uma diminuição de 937 km².”