Dino libera execução de emendas parlamentares, mas com ressalvas
Por: Ana Cláudia Leocádio
02 de dezembro de 2024
BRASÍLIA (DF) – O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino decidiu nesta segunda-feira, 2, liberar o pagamento das emendas parlamentares, mas estabeleceu ressalvas para cada modalidade, que deve obedecer a regras claras de transparência na indicação e no destino do recurso do orçamento público. O mecanismo estava suspenso desde agosto desse ano por impossível controle preventivo de gastos.
A decisão faz parte da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 854 (ADPF), movida pelo PSOL em 2022, contra as emendas de relator (RP9). O mecanismo ficou conhecido como ‘orçamento secreto’, por causa da falta de transparência na indicação e execução dos recursos. A modalidade foi considerada inconstitucional e extinta pelo STF, no mesmo ano.
No despacho desta segunda-feira, Dino atendeu em parte os pedidos do Congresso Nacional, após a aprovação da Lei Complementar nº 210/2024, aprovada e sancionada na semana passada. Na proposta, os parlamentares buscaram sanar as irregularidades que levaram o ministro do Supremo a suspender o pagamento dos recursos.
De acordo com Dino, os valores destinados pelos parlamentares para as emendas, de 2015 para 2024, saltaram de R$ 3,9 bilhões para R$ 48,3 bilhões. Se somados entre 2019 e 2024, chega-se a R$ 186,3 bilhões.

Após auditorias da Controladoria Geral da União (CGU) e audiências públicas com membros dos poderes Legislativo e Executivo, o magistrado decidiu, ainda, que o monitoramento da ADPF 854 “visando ao encerramento definitivo das práticas denominadas ‘orçamento secreto’ se estenderá ao exercício financeiro de 2025, com a realização periódica de audiências de Contextualização e Conciliação, bem como novas auditorias, quando necessárias”. O monitoramento será apenas às emendas de comissão (RP8) e às já extintas de relator (RP9), que tiveram a execução de restos a pagar liberadas na decisão.
Outra medida tomada pelo ministro, e que também está prevista na LC 201/2024, é a limitação do crescimento das despesas com emendas, em 2025, acima das despesas discricionárias do Poder Executivo, “ou do que o limite de crescimento do teto da LC no. 200/2023 (novo arcabouço fiscal), ou do que a variação da Receita Corrente Líquida (RCL), o que for menor, até deliberação do STF quanto ao mérito da ADI 7697″.
Além da ADPF 854, Dino também é relator de outras três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7688, 7695 e 7697, que questionam as chamadas “Emendas PIX” e “Emendas de Bancada” no Supremo.
Ao analisar os relatórios das auditorias da CGU, o ministro afirmou que os documentos evidenciaram “o descumprimento dos requisitos constitucionais de transparência e de rastreabilidade relativamente à execução das emendas parlamentares de todas as modalidades (RP 6, RP 7, RP 8 e RP 9)”.
Para o ministro, as auditorias confirmam que a elaboração e a execução de parcela relevante do orçamento público ocorrem com a naturalização do desvio de balizas normativas, numa engrenagem flagrantemente inconstitucional, que começou em 2019, e que cresceu em escala geométrica.
“É precoce afirmar – e nem se constitui objeto específico destas ações (processos estruturais) – que houve ou há crimes em razão da esdrúxula situação constatada. Mas é de clareza solar que ‘jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público, em tão poucos anos”, afirmou o magistrado
Veja as ressalvas da decisão de Flávio Dino:
- Restos a pagar
Ao liberar os restos a pagar das ‘emendas de relator’ dos anos de 2020, 2021, e 2022, o ministro disse que podem ser pagas desde que o ordenador de despesas, em conjunto com o órgão de controle interno, verifique formalmente que o Portal da Transparência contém o nome do(s) parlamentar(es) autor(es) da indicação (ou “solicitadores”) – sendo vedado que figure como substituto o Relator do Orçamento – bem como dos beneficiários finais.
- Emendas de Comissão
Valem as mesmas regras impostas aos restos a pagar e o ordenador de despesas deve verificar que a execução da emenda consta da plataforma Tranferegov.br, além dos demais requisitos previstos na lei. Em 2025, a CGU fará uma auditoria quanto à vedação de rateio dos valors e de fragmentação dos objetos das emendas.
O ministro decidiu que essas emendas devem ser deliberadas nas respectivas bancadas e comissões, sempre com registro detalhado em ata, na qual deve conter, inclusive, a identificação nominal do parlamentar ou parlamentares solicitantes e, ainda, autor ou autores das propostas. Dino rechaçou a previsão da lei aprovada, que permite apontar como autores os líderes partidários, tirando dos demais proponentes o direito de ter seus nomes registrados.
“As indicações para a deliberação das Comissões poderão ser feitas por qualquer parlamentar, inclusive pelos líderes partidários, os quais não detém monopólio de sua autoria, uma vez que isso seria incompatível com o Estatuto Constitucional dos membros do Congresso Nacional e com o devido processo legislativo”.

- “Emendas PIX”
A liberação dos recursos estará sujeita à obrigatoriedade de apresentação e aprovação prévias do plano de trabalho pelo poder Executivo Federal. Dino deu 60 dias corridos para que os problemas referentes ao requisito dos planos de trabalhos das emendas de 2024 e de anos anteriores sejam sanados.
- Demais emendas
O ministro liberou a execução das ‘emendas individuais’ (RP6) e ‘de bancada’ (RP7) de exercícios relativos a 2024 e anteriores, salvo se tiverem ressalvas como nos repasses a ONGs. Devem observar os dispositivos da LC 210/2024.
Recursos para ONGs
A liberação dos recursos às Organizações Não Governamentais (ONGs) ocorrerá desde que os ordenadores de despesas tenham sanado as irregularidades detectadas pela auditoria da CGU e publicado os valores recebidos de emendas por ONGs e demais entidades do terceiro setor, em sítios na internet. “Sem tal publicação devidamente atestada, a execução das emendas permanece suspensa”, diz o ministro no depacho.
Auditoria da CGU identificou 2.454 ONGs que receberam recursos federais exclusivamente de emendas parlamentares, que totalizaram R$ 2,04 bilhões, e identificou uma série de irregularidades na execução dessa verba pública. ”Determino, ainda, o prosseguimento das auditorias, pela CGU, até atingir 100% das emendas parlamentares para ONGs e entidades do terceiro setor, conforme plano de trabalho a ser apresentado a este Relator no prazo de 15 (quinze) dias corridos”, completou a decisão de Dino.
- Emendas para área de saúde
A partir do Orçamento de 2025, as emendas para todas as modalidades da área de saúde terão a destinação condicionada ao atendimento de orientações e critérios técnicos indicados pelo gestor federal do Sistema Único de Saúde (SUS) e fixados pelas Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite (CITs), com base no art. 14-A da Lei no. 8.080/1990. O cumprimento do requisito deve ser aferido pelo gestor federal previamente à liberação do recurso.
Levantamento do consultor Legislativo do Senado Helder Rebouças, para o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2024, mostra que o maior volume de emendas foi alocado para a saúde, R$ 22,1 bilhões, seguido de encargos especiais, R$ 8,3 bilhões e urbanismo, R$ 8,2 bilhões.
Congresso finaliza
O prazo para a entrega das propostas de emenda à Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional para o Projeto de Lei do Orçamento Anual (PLOA) 2025 termina às 18h da próxima quarta-feira, 4.
Segundo a Agência Senado, todas as comissões permanentes podem oferecer emendas coletivas à proposta orçamentária. São 17 colegiados do Senado, 30 da Câmara dos Deputados e cinco do Congresso Nacional, além das Mesas Diretoras do Senado e da Câmara.