Diplomacia ambiental estreava há 50 anos alavancando a relevância do meio ambiente

No ano de 2016, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) começou um processo de fiscalização remota do desmatamento (Fonte: Imazon)
Com informações da Folhapress

Palco de estreia da diplomacia ambiental há 50 anos, a Conferência de Estocolmo alavancou a relevância do meio ambiente para um patamar estratégico nas relações internacionais.Na capital sueca, a ONU reuniu representantes de 113 países dos dias 5 (que viria a se tornar a partir dali o Dia Mundial do Meio Ambiente) a 16 de junho de 1972.

O evento criou o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) e aprovou uma declaração com 26 princípios — entre eles, prevenir a poluição, reduzir o lançamento de metais pesados na natureza e controlar pesticidas agrícolas.

U.N. Conference on the Human Environment in Stockholm, 1972
Indira Gandhi (na tribuna), primeira-ministra da Índia, durante discurso na Conferência de Estocolmo, em 1972 – Yutaka Nagata/UN Photo

O impulso para a mobilização global vinha de desastres ecológicos das últimas décadas, principalmente em países desenvolvidos, como a contaminação por mercúrio na cidade japonesa de Minamata.

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A bandeira levantada pelos países desenvolvidos, porém, causou desconfiança no bloco dos países em desenvolvimento, que almejavam agendas de cooperação econômica.

A conferência buscou traçar uma rota de união entre o meio ambiente e o desenvolvimento, discutidos conjuntamente até os dias atuais. A conexão entre as agendas foi uma exigência do Brasil —que ainda hoje reforça essa posição.

“A longo prazo, os próprios objetivos do desenvolvimento tornam-se ambientais por natureza”, disse o diplomata brasileiro Miguel Ozório em um seminário regional em 1971.

A posição ganhou o apoio dos países em desenvolvimento e foi levada adiante nas reuniões preparatórias de Estocolmo, como condição para que o evento contasse com participação global.

Sob o governo militar, o Brasil temia que um tratado ambiental impusesse limitações à sua soberania, à exploração do território e ao crescimento econômico —pungente naquele período a partir da expansão agrícola e industrial. Outros países em crescimento acelerado, como África do Sul e Coreia do Sul, compartilhavam desse receio.

“Houve uma negação da realidade impressionante. O Brasil foi campeão. Liderava a concepção de que essa era uma agenda dos países ricos para manter na pobreza os países pobres”, afirma Eduardo Viola, professor de relações internacionais na Universidade de Brasília e pesquisador do IEA-USP.

U.N. Conference on the Human Environment in Stockholm, 1972
Grupo de ambientalistas em protesto perto do edifício do Parlamento sueco, em Estocolmo – Yutaka Nagata/UN Photo

“Essa concepção era parte de um grupo que estava contra a agenda de Estocolmo. Hoje é diferente: o Brasil está em um extremo do negacionismo no mundo.”

Pressionado por manter regime autoritário e questionado sobre direitos humanos e proteção a terras indígenas, o país também buscava uma saída diplomática.

“Existia, também, a percepção de que favorecer o crescimento econômico de países totalitários agravava ainda mais os problemas nas áreas dos direitos humanos e ambiental”, afirma o embaixador André Corrêa do Lago no livro “Conferências de Desenvolvimento Sustentável”.

O autor —que chefiou a delegação brasileira em negociações do clima entre 2011 e 2013— narra que havia receio dos países desenvolvidos sobre um possível bloqueio brasileiro à conferência, mas sustenta que a intenção do Itamaraty era de fazer propostas.

A resistência brasileira à agenda ambiental trazida pelos países desenvolvidos é avaliada como um erro histórico por setores ambientalistas. No entanto, o entrelaçamento da pauta ambiental com a agenda do desenvolvimento prevaleceu na discussão internacional nas décadas seguintes, o que é visto pela diplomacia como um acerto histórico.

“A posição defendida pelo Brasil durante um regime autoritário provaria ser adequada a um país democrático”, afirma Do Lago.

“Toda vez que a perspectiva de um investimento na melhoria ambiental não possa ser direta ou indiretamente ligado a um aumento da produção ou da produtividade, e se o aumento não for igual ou maior do que a produtividade média obtida em outras iniciativas econômicas, o investimento em meio ambiente não se justificará neste estágio específico de desenvolvimento econômico”, resumiu Miguel Ozório em documento preparatório para Estocolmo.

Pautada pela percepção de que as questões ambientais teriam alcance local ou regional, a conferência de Estocolmo teve como principal desdobramento, já nos anos seguintes, a criação de políticas nacionais de proteção ambiental e órgãos de controle em dezenas de países.

Ministério do Meio Ambiente

Em 1974, o Brasil criou a Secretaria Especial de Meio Ambiente, precursora do Ministério do Meio Ambiente. Em 1981, passou a contar com um conjunto de órgãos públicos para administrar a proteção ambiental, por meio do Sistema Nacional de Meio Ambiente. Em 1988, os princípios de proteção ambiental e o direito ao meio ambiente equilibrado foram expressos na então nova Constituição.

“A questão ambiental penetrou praticamente em todos os países de renda média ou alta. Em países pobres, de acordo com a classificação do Banco Mundial, a penetração da questão ambiental ainda é muito baixa”, avalia Viola.

Em 1987, o relatório da Comissão Brundtland selou a união entre as agendas do meio ambiente e o desenvolvimento ao cunhar o termo “desenvolvimento sustentável”, que permanece atual e dá nome à Agenda 2030 da ONU. Ela trata da busca global e voluntária de 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, abarcando desde o combate à fome até a implementação de energias renováveis.

Contudo, a dimensão global das questões ambientais ainda viria à tona com o desenvolvimento das evidências científicas sobre as mudanças climáticas e a criação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU), em 1988.

Diferente de contaminações e desastres ecológicos que se limitam a um território, os gases-estufa emitidos em qualquer lugar têm impacto geral na soma de emissões que causam as mudanças climáticas. A conta — com responsabilidades diferenciadas entre países pobres e ricos— passou a ser planetária.

ECO-92

Em 1992, o Rio de Janeiro sediou a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, também conhecida como Eco-92. Ela consolidou um lugar estratégico para a pauta ambiental nas relações internacionais, com a criação de convenções para negociar acordos sobre mudanças climáticas e biodiversidade.

Após 50 anos de Estocolmo, a capital sueca voltou a receber representantes de todo o mundo para o evento de celebração na última semana. A implicação da pauta ambiental na agenda econômica foi explicitada pelo secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, que defendeu uma reforma na medição do progresso econômico.

“Parte da solução está em dispensar o PIB [Produto Interno Bruto] como um indicador da influência econômica dos países”, disse. “Não esqueçamos que quando destruímos uma floresta, estamos aumentando o PIB. Quando pescamos em excesso, estamos aumentando o PIB. O PIB não é uma forma de medir a riqueza na situação atual do mundo”, completou.

AS CONFERÊNCIAS E OS DESASTRES AMBIENTAIS

1956 – Desastre de Minamata
Contaminação em massa por mercúrio descartado por uma indústria, na cidade japonesa de Minamata, provoca milhares de casos de doenças neurológicas.

1962 – ‘Primavera Silenciosa’
O livro da bióloga marinha americana Rachel Carson denuncia os impactos dos pesticidas e a desinformação espalhada pela indústria química, impulsionando o movimento ambientalista.

1968 – Clube de Roma
O empresário italiano Aurelio Peccei, presidente da Fiat, reúne-se com cientistas e políticos para discutir o futuro da condição humana no planeta. Em 1972, o grupo publica o relatório “Os Limites do Crescimento”.

1972 – Conferência de Estocolmo
Pela primeira vez, países reconhecem a responsabilidade de proteger o meio ambiente; ONU cria o Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente).

1986 – Acidente de Chernobyl
A explosão de um reator da usina nuclear de Chernobyl, no norte da Ucrânia, leva à morte milhares de pessoas em decorrência do contato com a radiação.

987 – Relatório ‘Nosso Futuro Comum’
A Comissão Brundtland propõe o conceito de desenvolvimento sustentável: “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas necessidades”.

1987 – Protocolo de Montreal
Países se comprometem a eliminar a emissão de gases que destroem a camada de ozônio da atmosfera.

1988 – Painel do Clima
ONU cria o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima, na sigla em inglês).

1992 – Rio-92
Primeira conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, no Rio, publica a Carta da Terra e cria as convenções do clima.

1997 – Protocolo de Kyoto
Primeiro acordo sobre mudança do clima é assinado e impõe metas de redução de emissões
de gases-estufa aos
países desenvolvidos.
O acordo cria regras para mercados de carbono.

2005 – Acordo insuficiente
Protocolo de Kyoto finalmente entra em vigor, sem contar com a ratificação dos EUA, maior emissor histórico de gases-estufa.

2009 – COP15 em Copenhague
Conferência busca criar novo acordo para substituir Kyoto, mas fracassa. Países ricos prometem US$ 100 bilhões ao bloco em desenvolvimento para ações climáticas até 2020 —o valor não foi completado até hoje.

2011 – Protocolo de Nagoya
Fruto da Convenção de Diversidade Biológica criada na Rio-92, o acordo cria regras para a repartição de benefícios do uso econômico de recursos genéticos da biodiversidade.

2015 – Acordo de Paris
Acordo tem metas climáticas determinadas livremente por cada país. O objetivo é conter o aquecimento global em até 2ºC, preferencialmente perto de 1,5ºC. O mundo já aqueceu 1ºC.

2017 – Novo recuo
Os EUA desembarcam do Acordo de Paris, causando nova onda de apreensão internacional sobre os compromissos ambientais.

2018 – IPCC impõe prazo
Em relatório sobre o limite de aquecimento global de 1,5ºC, painel climático da ONU estabelece que o mundo deve cortar 55% das emissões de gases-estufa até 2030 para evitar danos catastróficos do clima.

2021 – Livro de regras de Paris
Na COP26, países concluem regulamentação do Acordo de Paris, definindo regras para monitorar redução das emissões. Sob novo governo, os EUA retornam ao acordo. Países em desenvolvimento seguem cobrando financiamento para ações climáticas.

2022 – Recordes catastróficos
Medições mostram que os últimos sete anos foram os mais quentes da história. No Brasil, inundações causam mortes e deixam desabrigados, enquanto secas no Sul ocasionam perdas agrícolas.

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