Discurso do prefeito de Manaus sobre ambulantes remete à prática fascista, diz sociólogo


Por: Lucas Thiago

08 de agosto de 2025
Discurso do prefeito de Manaus sobre ambulantes remete à prática fascista, diz sociólogo
O prefeito de Manaus, David Almeida (Fotos: Ricardo Oliveira/Cenarium; Reprodução/Semcom | Composição: Lucas Oliveira/Cenarium)

MANAUS (AM) – O discurso do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), sobre a operação da Prefeitura de Manaus que teve como alvo vendedores ambulantes irregulares nessa quinta-feira, 7, foi classificada como “conteúdo autoritário que remete à lógica fascista” pelo sociólogo Luiz Antonio Nascimento, à CENARIUM.

A ação, coordenada pela Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento, Centro e Comércio Informal (Semacc), incluiu o uso de força pela Guarda Municipal para fechar um depósito usado pelos trabalhadores informais no Centro da capital amazonense. Parte dos vendedores ambulantes impactados pela operação é composta por imigrantes do Haiti.

Ação de apreensão de equipamentos e alimentos de ambulantes no Centro de Manaus (Ricardo Oliveira/Cenarium).

Quando o prefeito de Manaus diz que vai ‘limpar a cidade’, ele promove um processo de ‘higienismo’ social, com conteúdo autoritário que nos remete a uma lógica fascista”, afirmou o sociólogo. “É uma prática que trata as pessoas conforme suas condições existenciais e de moradia. Os considerados ‘estranhos’ são tratados com desprezo e desvalor”, completou.

Guardas municipais seguram mulher que tentava recuperar carrinho de venda (Alinne Bindá/Cenarium)
Leia mais: Prefeitura de Manaus usa força para fechar depósito de vendedores ambulantes no Centro

Em entrevista a uma emissora local, David Almeida afirmou que a Prefeitura não vai recuar na ação nem permitir a falta de ordenamento na região central da capital. O prefeito citou os estrangeiros que não querem se regularizar como parte dos problemas enfrentados pela gestão municipal durante a operação.

Acontece é que os estrangeiros não querem se regularizar. Eles querem ocupar os espaços que não são possíveis de serem ocupados. E nós estamos buscando ordenar aos vendedores que já têm cadastro pra frente, inclusive, a Secretaria de Feiras e Mercados cadastrou todos os ambulantes. Todos vão ter o seu trabalho resguardado, vamos ordenar o Centro“, declarou o prefeito na entrevista.

Limpeza social

Luiz Antonio comparou o discurso da gestão municipal à retórica usada por regimes autoritários do século 20, como o nazismo e o fascismo, que utilizavam a ideia de “limpeza social” para justificar ações de repressão.

Hitler promovia o genocídio judeu sob o argumento de que estava limpando a Alemanha. Mussolini usava discursos semelhantes. O mesmo tipo de retórica se repete quando se tenta convencer a população de que camelôs, ambulantes e pessoas em situação de rua são responsáveis pela desorganização da cidade”, pontuou.

Segundo Luiz Antonio, o real problema está na gestão pública. “Não são os ambulantes que sujam ou desorganizam a cidade. É a administração que investe mais de R$ 300 milhões por ano com empresas de coleta de lixo e, ainda assim, a cidade continua suja”, disse o sociólogo.

Ação de apreensão de equipamentos e alimentos de ambulantes no Centro de Manaus (Ricardo Oliveira/Cenarium)
Repressão e prejuízos

A ação da Prefeitura de Manaus ocorreu por volta das 9h dessa quinta-feira, 7, em um depósito usado por vendedores ambulantes para guardar carrinhos de trabalho, na rua Bernardo Ramos, bairro Centro, Zona Sul. A operação resultou na apreensão das mercadorias dos trabalhadores autônomos e provocou confusão no local, incluindo agressões a vendedores ambulantes e a um guarda municipal.

Em vídeos registrados pela CENARIUM, comerciantes tentam recuperar os produtos armazenados no depósito, usados na venda de alimentos como churrasco, salgados e água, mas são impedidos por agentes da Guarda Municipal. Em uma das gravações, uma mulher, desesperada ao ver sua fonte de renda ameaçada, é contida pelas roupas por pelo menos três guardas municipais.

Trabalhadores informais que atuam na região central protestaram contra a operação, alegando apreensão irregular de mercadorias, agressões físicas e até prisões. Eles denunciam que a ação foi realizada de forma violenta, sem diálogo ou possibilidade de negociação. Além da Guarda Municipal, policiais da Ronda Ostensiva Cândido Mariano (Rocam) foram acionados para conter o ato. Foi um abuso. A gente só quer trabalhar”, disse um dos vendedores, que preferiu não se identificar.

Guardas municipais de Manaus em manifestação de ambulantes no Centro (Alinne Bindá/CENARIUM)

Muitos afirmam que perderam produtos e equipamentos, comprometendo diretamente o sustento de suas famílias, como é o caso da comerciante informal Astrides Alves, de 49 anos.

Nós queremos uma solução pra ele liberar pra gente trabalhar, nós queremos só trabalhar e ele não tá deixando, não foi isso que ele cumpriu [sic] com a gente quando ele queria voto, o prefeito, ele soube vim atrás da gente, veio aqui, me abraçou, olha a falsidade dele. Abraçou, dizendo que não ia ser assim, que ia ser umas coisas boas. Mentira”, disse a vendedora ambulante.

O foco da ação, segundo servidores da prefeitura no local, foi fiscalizar carrinhos de comida clandestinos que não estão regularizados para a venda. A gestão municipal deu início, nesta semana, ao “Mutirão no Centro”, ação de reordenamento urbano que a prefeitura chama de “revitalização” da área central da cidade.

Higienização social

Especialistas ouvidos pela CENARIUM, na terça-feira, 5, apontaram que a Prefeitura de Manaus tem promovido, sob gestão do prefeito David Almeida (Avante), “limpeza social” ou “higienização social” no Centro da capital, ao realizar uma série de ações chamadas pela gestão municipal de “revitalização“.

Leia também: Especialistas veem ‘higienização social’ em ação da Prefeitura de Manaus no Centro

O antropólogo e doutor em Sociologia do Desenvolvimento e Transformação Social Lino João de Oliveira Neves avaliou que as ações recentes da Prefeitura de Manaus, voltadas ao reordenamento da área com o impedimento de que ambulantes atuem no local, fazem parte de um processo histórico recorrente em grandes cidades conhecido como “higienização social“. Para ele, a ação busca esconder a desigualdade urbana ao invés de enfrentá-la.

Eu vejo nessa ação da prefeitura mais uma vez uma medida que, em termos de história de urbanização, tem sido chamado de higienização. Mostrar a higienização da cidade em contraposição à ocupação precária. Isso aconteceu em várias cidades do Brasil“, declarou o especialista.

Resposta da prefeitura

Em justificativa à operação, o prefeito David Almeida (Avante) alegou que a ação visa ordenar o espaço urbano, remover estruturas irregulares e recolher alimentos fora dos padrões sanitários, com foco na segurança alimentar e na melhoria da mobilidade. A Semacc informou, em nota, que o depósito fiscalizado armazenava, irregularmente, carrinhos de comida, equipamentos e produtos fora da validade, em condições insalubres.

A CENARIUM questionou a Prefeitura de Manaus, por e-mail à Secretaria Municipal de Comunicação (Semcom), sobre para onde vão os materiais recolhidos e se há algum tipo de acompanhamento social, cadastro ou encaminhamento a políticas públicas de emprego, habitação ou assistência. Também foi questionado quais políticas públicas ou alternativas a Prefeitura tem oferecido aos ambulantes removidos.

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