Do colapso sanitário à anistia: de mãos dadas até para o 8 de janeiro


Por: Lucas Ferrante*

08 de abril de 2025
Do colapso sanitário à anistia: de mãos dadas até para o 8 de janeiro
Prédio do STF depredado após atos golpistas do dia 8 de janeiro (Fellipe Sampaio/SCO/STF)

Em um dos episódios mais trágicos da pandemia no Brasil, a cidade de Manaus tornou-se símbolo do colapso sanitário impulsionado por uma gestão federal e estadual negacionista. O artigo, publicado e laureado como o melhor do ano pelo Journal of Public Health Policy, expõe com rigor científico a responsabilidade direta do então presidente Jair Bolsonaro na escalada da Covid-19 no Brasil e, em especial, na crise sem precedentes que assolou a capital amazonense. A recusa sistemática de Bolsonaro em adotar medidas de contenção, sua sabotagem às campanhas de vacinação e o incentivo ao uso de medicamentos ineficazes criaram as condições perfeitas para a disseminação do vírus e o surgimento da variante Gama (P.1).

Em Manaus, essa política se traduziu em mortes evitáveis, filas por oxigênio e cenas de desespero transmitidas ao mundo. O artigo também denuncia o papel omisso do governador do Amazonas, Wilson Lima, que seguiu a cartilha negacionista do Planalto e falhou em tomar ações rápidas e eficazes para conter a crise, colaborando com o colapso do sistema de saúde estadual. Como apontado no estudo científico, a tragédia de Manaus não foi um acidente, mas o resultado previsível de decisões políticas deliberadas que custaram milhares de vidas.

Outro estudo que coordenei, publicado na revista científica Preventive Medicine Reports, revelou as graves negligências do governo federal, liderado por Jair Bolsonaro, e do governador do Amazonas, Wilson Lima, durante a pandemia em Manaus. Nossos resultados demonstraram que a segunda onda de Covid-19 não foi causada inicialmente pela variante Gama (P.1), como alegaram as autoridades para justificar seu fracasso, mas sim provocada por políticas irresponsáveis que favoreceram a alta transmissão comunitária. A flexibilização precoce do distanciamento social, o retorno inseguro das aulas presenciais e a recusa em seguir recomendações científicas contribuíram decisivamente para o agravamento da crise.

O estudo também denunciou a manipulação dos dados oficiais, a promoção de tratamentos ineficazes como a cloroquina e o abandono de populações vulneráveis — especialmente indígenas e moradores das periferias. Essa combinação de omissões levou ao colapso do sistema de saúde em Manaus, à escassez de oxigênio e a inúmeras mortes evitáveis. Como pesquisador da Amazônia, alerto que a condução deliberadamente negligente da pandemia transformou a região em um laboratório do desastre, cujas consequências humanas e sanitárias ainda reverberam. Nosso trabalho é um registro científico das tragédias produzidas pelo negacionismo e pela politização da saúde pública no Brasil.

Preocupantemente, um segundo estudo conduzido por nosso grupo de pesquisadores, publicado neste mês na edição mais recente do Journal of Public Health Policy, revelou que o estado do Amazonas subnotificou em até oito vezes o número de mortes por Covid-19 após o início da vacinação — uma tentativa evidente de forjar a imagem de controle da pandemia. A manipulação dos dados escamoteia uma realidade em que as medidas sanitárias essenciais, além da vacinação, continuavam ausentes ou insuficientes, comprometendo gravemente a resposta à crise e a proteção da população.

Na publicação premiada e publicada no Journal of Public Health Policy, eu e os outros pesquisadores que assinaram o artigo já alertávamos na própria publicação para o viés autoritário que marcava a condução da pandemia por parte do então presidente Jair Bolsonaro. As ações do governo federal não se limitavam ao negacionismo científico e à sabotagem das medidas sanitárias; estavam inseridas em uma estratégia deliberada de enfraquecimento das instituições democráticas.

A crise sanitária foi usada como ferramenta política para desestabilizar o país, alimentar o radicalismo e semear a desconfiança no sistema eleitoral. Esse foi justamente o alerta central do nosso artigo publicado no Journal of Public Health Policy, intitulado How Brazil’s President turned the country into a global epicenter of COVID-19” em português “Como o presidente do Brasil transformou o país em um epicentro global da COVID-19”. O conteúdo da publicação, premiada como o melhor artigo do ano pela revista, expôs com base em dados e evidências como a pandemia foi instrumentalizada por Bolsonaro como parte de um projeto político de erosão democrática. Os sinais de uma tendência golpista estavam evidentes — e infelizmente se confirmariam no atentado às sedes dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023. O que denunciamos em 2021 revelou-se, tragicamente, um prenúncio do que estava por vir.

Imagem publicada no Instagram do governador do Amazonas, Wilson Lima, em que aparece de mãos dadas com Jair Bolsonaro, manifestando apoio à anistia dos criminosos que atentaram contra a democracia nos atos golpistas de 8 de janeiro.

Infelizmente, o governador do Amazonas, Wilson Lima, segue demonstrando alinhamento com o modus operandi de Jair Bolsonaro, não apenas na condução da pandemia de Covid-19 — marcada por negligência, omissão e escândalos de corrupção —, mas também na defesa de pautas abertamente antidemocráticas. No último dia 6 de abril, o governador Wilson Lima foi o único chefe de Executivo da região Norte a participar de um ato público em São Paulo em defesa da anistia aos envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. Ao responder com um enfático “sim” à pergunta “Governador Wilson Lima, representando o União Brasil, apoia a anistia?”, feita diante de uma multidão bolsonarista, Lima reafirmou sua conivência com movimentos que atentam contra as instituições democráticas e o Estado de Direito. Trata-se de mais um episódio que evidencia a urgência de vigilância e responsabilização de lideranças que, ao invés de garantir proteção à população e respeito às instituições, escolhem trilhar o caminho da instabilidade e da impunidade.

(*) Lucas Ferrante é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal) e possui Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Ferrante é o pesquisador brasileiro com o maior número de publicações como primeiro autor nas duas principais revistas científicas do mundo, Science e Nature, de acordo com dados da plataforma Lattes. Atualmente, é pesquisador na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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