Documentário ‘Camylla Bruno’: a luta de um sonho de gênero na dura realidade social brasileira

Curta-metragem amazonense chega ao grande público desnudando singularidades do universo queer (Reprodução/Thiago Alencar)

Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Chega na primeira quinzena de janeiro de 2021 às plataformas digitas o documentário ‘Camylla Bruno’. A obra narra em 30 minutos, a jornada de um transformista, Bruno Maciel, para chegar em primeiro lugar no concurso Miss Amazonas Gay 2020. A película em curta-metragem leva a assinatura do diretor, produtor e roteirista amazonense Henrique Saunier Michiles.

Cartaz do curta-metragem ‘Camylla Bruno’ que entra em cartaz virtualmente em janeiro de 2021 (Reprodução/Divulgação)

Aprovada no edital ‘Conexões Culturais 2020 – Lei Aldir Blanc’, da Fundação Manauscult, o documentário desnuda o universo de glamour, fantasias, resiliência e luta dos atores e atrizes da cultura queer. Queer em inglês significa ‘estranho’ e era aplicado para desqualificar pessoas da comunidade LGBT. Em um bate-papo com o diretor Henrique Saunier, a REVISTA CENARIUM procurou entender o que pensa e o que quer o autor de ‘Camylla Bruno.

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De acordo com Saunier, a busca por mostrar tal universo em país conservador faz parte de sua vida. “Tudo o que é relacionado à cultura queer, ou LGBTQIA+ sempre me interessou e sempre foi algo muito presente na minha vida. Acredito que independentemente de qualquer governo que esteja vigente no país, esses temas sempre estarão de alguma forma nas questões abordadas nos meus trabalhos.

Patrulha repressora

Com o advento das redes sociais e a ascensão do ‘fundamentalismo democrático’ das igrejas neopentecostais, a violência contra a cultura queer ganhou contornos dramáticos, mas isso não assusta Henrique Saunier. “Acredito que qualquer pessoa que se identifique com o movimento sempre esteve em alerta a essa patrulha, que muitas vezes não é apenas ideológica, como também violenta e muito clara no seu posicionamento de excluir ou eliminar tudo o que é considerado ‘diferente’”, observou.

“Essa patrulha sempre esteve muito presente na minha vida, ditando o que eu deveria ser ou não dentro daquilo que é ser considerado ‘ser um homem’ na sociedade. Ainda mais crescendo como uma criança gay no interior do Amazonas, sinto que essa patrulha é um desafio que muitos realizadores que se identificam com esses mesmos temas sempre tiveram que enfrentar”, ponderou.

Nos bastidores da produção. Luta e dedicação para produzir uma película e ganhar um concurso (Reprodução/Thiago Alencar)

Influenciado por nomes incensados como Pasolini, Djalma Limongi e os premiados Tatiana Issa e Raphael Alvarez, Henrique reconhece. “Eles me ensinaram que no cinema e na arte em geral nenhum assunto deve ser considerado tabu. Além disso, meu sonho é conseguir alcançar o nível de carga poética das narrativas desses mestres nos meus filmes, algo que com o tempo, o ofício e a maturidade talvez um dia eu chegue lá”, refletiu.

Chegar a todos

Ainda no campo da resistência, Saunier aponta a bússola de sua arte em Camylla Bruno. Para ele ficar na ‘zona de conforto’ não é seu objetivo. “Eu quero que meu filme chegue justamente a essas pessoas. Eu teria uma visão muito limitada se quisesse que o curta atingisse apenas “os meus”, aquelas pessoas que já estão familiarizadas e simpatizam com o tema.

“Acredito que o debate sempre consegue ser enriquecido quando um filme com essa temática chega a pessoas que concordam, discordam, que fariam o filme de maneira diferente, ou até mesmo que achem o filme ruim. Como um realizador iniciante, chegar a um público mais diverso possível seria um grande aprendizado para os trabalhos que ainda quero fazer”, reconheceu.

Da experiência, Henrique Saunier confessou: “Me trouxe a reflexão de como o mundo gay possui tantos universos dentro de um só, mesmo que a sociedade muitas vezes tenha uma visão unilateral do que é ser gay no Brasil. Só que além de trazer esse olhar curioso para esse universo, ao mesmo tempo eu queria trazer um olhar mais humano para a história de Bruno”, avaliou.

Em um dos sets de gravação do documentário sobre o glamour, a batalha, sonhos e expectativas na arte de se transformar e vencer. Isso é ‘Camylla Bruno’ de Henrique Saunier (Reprodução/Thiago Alencar)

A obra ‘Camylla Bruno’ de Henrique Saunier

‘Camylla Bruno’ mistura documentário e videoarte, realidade e performance artística, metáforas e um olhar poético para apresentar a rotina de preparação de Bruno Maciel para o concurso. O documentário pareia na essência de grandes obras como ‘Paris Is Burning’ de Jennie Linvigston e o mais premiado documentário brasileiro: ‘Dzi Croquettes’, sobre vida e obra da trupe brasileira que desafiou a ditadura nos anos 1970.

Entre maquiagens, penteados e figurinos únicos, o espectador irá conferir o cotidiano de Bruno no restaurante administrado por ele, memórias dos segundos lugares no mesmo evento e os obstáculos enfrentados para se assumir como artista transformista gay para a família. Camylla Bruno mostra-se no filme como uma vencedora de conquistas artísticas e, sobretudo, humanas muito maiores.

O diretor e roteirista

Henrique Saunier Michiles, de 31 anos, é produtor audiovisual formado em 2017 pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Atualmente, trabalha como produtor de conteúdo no terceiro setor, na ONG Idesam, produzindo fotos e vídeos de cunho social e ambiental. Ao lado de diversos artistas LGBTQIA+, dirigiu e fotografou videoclipes, documentários, concertos ao vivo, videodança e diversos outros formatos audiovisuais. Henrique Saunier se define como um realizador gay amazonense.

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