Documentário une jornalismo e ficção para recontar chacina de Pau d’Arco


Por: Cenarium*

04 de abril de 2025
Documentário une jornalismo e ficção para recontar chacina de Pau d’Arco
Capa do documentário 'Pau D'Arco' (Divulgação)

MANAUS – Estrutura e ritmo, no documentário, costumam estar distantes do cinema de ficção. Ana Aranha, porém, entendeu que precisaria promover um casamento entre os formatos para recontar a chacina de Pau d’Arco de maneira suficientemente impactante, sem abandonar o compromisso com a verdade que ela, jornalista antes de cineasta, precisava manter.

Isto não é jornalismo. Isto não é ficção”, dizia uma placa fixada acima da ilha de edição na qual ela e seu montador, Daniel Grinspum, finalizaram “Pau d’Arco”. O aviso serviu para guiá-los na hora de reconstruir, nas telas, o massacre que deixou dez trabalhadores sem terra mortos no sul do Pará, há oito anos.

Cena do documentário "Pau d'Arco", dirigido por Ana Aranha
Cena do documentário “Pau d’Arco”, dirigido por Ana Aranha (Divulgação)

Um 11°, protagonista de “Pau d’Arco” e responsável por narrar a tragédia que testemunhara ao espectador, foi executado durante as gravações. Sua morte parece um “plot twist” que aproxima o documentário dos gêneros de crime e suspense, com seus roteiros tomados por reviravoltas –quase como em “Psicose”, que perde seu fio-condutor, Marion Crane, inesperadamente.

“Principalmente depois do assassinato do Fernando [Araújo dos Santos, morto em janeiro de 2021], precisávamos de um filme que dialogasse com muita gente, para chamar a atenção para o caso. A ficção entrou como um recurso poderoso –a montagem tem ritmo, os entrevistados são personagens, a narrativa tem clímax e virada”, diz Aranha, que tomou “Cabra Marcado para Morrer”, de Eduardo Coutinho, como referência.

Coordenadora de projetos especiais da Repórter Brasil, voltada a jornalismo investigativo nas áreas socioambiental e de direitos trabalhistas, Aranha já havia dirigido o curta “Relatos de um Correspondente da Guerra na Amazônia”, sobre o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.

Ao cobrir a disputa por terra em Pau d’Arco, imersa em violências e ameaças, e ser surpreendida, em maio de 2017, pela chacina, ela percebeu a vocação da história para as telas.

Aranha fez 13 viagens ao Pará entre 2017 e 2024, enviada pela Repórter Brasil, que entrou como produtora. Em paralelo às matérias que escrevia, capturava com a câmera o que se tornaria o documentário, um dos destaques desta edição do festival É Tudo Verdade, com programação até 13 de abril.

Na chacina, maior massacre no campo nas últimas três décadas, policiais executaram dez trabalhadores sem-terra que ocupavam a fazenda Santa Lúcia. Dois policiais civis e 14 militares foram indiciados pelo crime e aguardam julgamento por júri popular. Apesar de réus, continuam soltos e em atividade.

Na última atualização do caso na Justiça, duas investigações que poderiam revelar os mandantes foram encerradas sem apontar responsáveis, segundo inquéritos obtidos pela Repórter Brasil. Em dezembro, o governo anunciou que Santa Lúcia será desapropriada para receber 224 famílias que integram o MST, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Tomávamos uma série de medidas de proteção, mas o risco que eu corria era incomparável ao de quem mora lá. Nossa preocupação era trazer ainda mais risco para aquelas famílias, por retaliação. Quando o Fernando foi assassinado, refletimos o quanto nossa presença teria piorado as coisas, mas muitos entenderam que a exposição trazida pelo filme poderia servir de proteção”, diz Aranha.

Pau d’Arco” não é um documentário de cabeças falantes – aqueles em que os entrevistados se alternam para colar os fragmentos de uma história. O filme segue ritmo de investigação, ancorado nos testemunhos de Fernando – capturados em momentos do seu dia a dia e em meio a protestos e comparecimento a fóruns de Justiça – e de José Vargas Júnior, advogado das famílias.

Aranha considera os dois os grandes trunfos do filme. Além do conhecimento sobre o caso, chamou a atenção o carisma e a facilidade que tinham para lidar com a câmera. Graças a eles, a jornalista e diretora conseguiu criar uma conexão entre o campo, onde a ação se passa, e a cidade, onde estão os espectadores.

Diferentemente dos filmes de ficção, porém, “Pau d’Arco” não tem começo, meio e fim. Como o caso da chacina, ele fica em aberto e encerra sua narrativa com o amargor da incerteza. “Você acredita que a justiça será feita?”, pergunta Aranha ao advogado das vítimas, Vargas.

Questionada pela reportagem, a jornalista e cineasta diz ter esperança. “Eu preciso acreditar que sim, e vou continuar cobrindo e denunciando o que mais eu descobrir sobre o caso. Se eu achasse que não há chance, já teria parado. Espero que o filme faça algum barulho.”

(*) Com informações da Folhapress

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