Documento aponta que governo defendeu comprar vacina no Covax Facility só para ‘grupos de risco’

A OMS oferecia a opção de se cobrir até 50% da população (Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Com informações do O Globo

BRASÍLIA – O parecer do Ministério da Saúde que embasou a decisão de pedir o mínimo possível de doses de vacinas contra a Covid-19 do consórcio Covax Facility, da OMS, cobrindo apenas 10% da população, justifica a decisão com a argumentação de que a vacinação deveria se voltar aos “grupos de risco”. O documento, da Secretaria Executiva do órgão, argumenta que não seria necessário vacinar todos os brasileiros. A OMS oferecia a opção de se cobrir até 50% da população.

A nota, de agosto do ano passado, é assinada por Elcio Franco, então secretário-executivo, Arnaldo Correia de Medeiros, secretário de Vigilância em Saúde, e outras autoridades da pasta.

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Em uma tabela, há o cálculo de que, para vacinar os grupos de risco (idosos, trabalhadores na área de saúde, indígenas e outros) seria preciso comprar apenas 89 milhões de doses de vacina. Hoje, o Brasil está prestes a chegar a 100 milhões de doses aplicadas. Na última semana, porém, a média de mortes diárias foi de 1.600 pessoas, o que mostra que, mesmo com um número alto de vacinas aplicadas priorizando justamente os grupos de risco, a pandemia não foi controlada.

O documento foi obtido pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação (LAI). Elcio Franco disse à CPI da Covid que havia se baseado em uma nota informativa do ministério para tomar a decisão de aderir ao mínimo de doses do consórcio. Questionado, o órgão forneceu o documento.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) deu ao Brasil a opção de adquirir doses para 10% a 50% da população. O Ministério da Saúde optou por aderir ao consórcio com o pedido mínimo. Nas tratativas diplomáticas, representantes do governo brasileiro questionaram a OMS sobre quais seriam as fabricantes das vacinas e se queixaram da ausência de detalhes no contrato.

A princípio, o mínimo exigido pela OMS era a compra de vacinas para 20% da população, o que corresponderia, na estimativa do ministério, as 88 milhões de doses necessárias para vacinar apenas os “grupos de risco”. Depois, a organização permitiu a adesão para 10% da população. O Brasil ajustou então sua proposta para adquirir apenas 10%, uma cobertura para metade dessa população identificada pelo próprio ministério como exposta a maior risco.

Busca da imunidade de rebanho

Na nota informativa, de início, são citados diferentes cenários para atingir a “imunidade de rebanho” almejada pelos cientistas para cenários de diferentes eficácias estimadas para a vacina. “Na impossibilidade de se eliminar a transmissão da Covid-19 no território nacional deve-se objetivar a redução do impacto da doença no que diz respeito à progressão para formas graves e óbitos”, argumenta a nota ao citar a mortalidade maior em idosos.

A argumentação é por uma quantidade mínima de doses, mesmo considerando estudos do próprio ministério, citados na nota informativa, de que seria preciso no mínimo 141 milhões de doses de vacina, no cenário mais otimista de um imunizante com eficácia de 90%, para obter a “imunidade de rebanho” no País e retomar a normalidade. No cenário mais pessimista, seriam necessárias 242 milhões de doses segundo o estudo, citado também em outras notas informativas.

“Nesse cenário, a vacinação é voltada para os grupos de maior risco para agravamento caso venham a se infectar. Os principais grupos de risco para desenvolvimento de formas graves da doença descritos na literatura são: idosos, hipertensos, diabéticos, obesos, pessoas com doenças cardiovasculares, doenças respiratórias e tabagistas (7–11).”

O ministério conclui então que, como não é possível saber a eficácia das vacinas do consórcio Covax Facility, o melhor seria optar pelo mínimo de doses, mesmo sabendo que havia o risco de uma quantidade grande de mortes.

“Diante do exposto acima, tem-se dois possíveis cenários para estimativa das doses necessárias para o Brasil. O primeiro, que necessita da efetividade das vacinas que serão uti lizadas e que no momento, ainda não se tem esses resultados, e o segundo, que trata de grupos com elevado risco de exposição, bem como formas graves e óbitos.”

Ao fim do documento, é citada a estimativa de 88 milhões de “pessoas” — a tabela utilizada pelo ministério mostra, porém, que esse número se referia a doses. Naquele momento, eram 44 milhões de pessoas vacinadas com duas doses, ou pouco menos de 20% da população brasileira.

“Portanto, pela ausência dos dados de efetividade das vacinas, sugere-se utilizar, para a tomada de decisão sobre eventual assinatura da ‘Confirmação da Intenção de participação na Covax Facility’ em 31 de agosto de 2020, o quantitativo estimado de 88 milhões de pessoas a serem vacinadas.”

No texto, os técnicos alegam que medidas como isolamento social foram “eficazes em retardar o avanço da epidemia no País”, mas estavam “associadas a elevados custos sociais e econômicos e ainda não conseguiram interromper a circulação do vírus no País”. Pela nota técnica, seria necessário de um a dois anos de isolamento para atingir os efeitos desejados.

“Para conseguir atingir o objetivo de interrupção de transmissão da doença sem colapso dos serviços de saúde haveria a necessidade de adoção de medidas de distanciamento social com duração de 1 a 2 anos (4,5), resultando em impacto econômico e social desastroso para o País. Dessa forma entende-se que uma vacina eficaz será fundamental para possibilitar uma situação de segurança sanitária e, desta forma, uma retomada completa das atividades sociais e econômicas, evitando novos óbitos decorrentes dessa doença no País.”

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