‘Duvido que colocaria filhos nessas escolas’, diz deputada sobre governador do Pará


Por: Fabyo Cruz

15 de janeiro de 2025
A deputada estadual do Pará Lívia Duarte (Reprodução/Redes Sociais)
A deputada estadual do Pará Lívia Duarte (Reprodução/Redes Sociais)

BELÉM (PA) – A deputada estadual do Pará Lívia Duarte (Psol) esteve no segundo dia consecutivo da ocupação indígena na sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará (Seduc-PA), em Belém, nesta quarta-feira, 15, e cobrou intervenção federal, além de criticar o governador Helder Barbalho (MDB) e o secretário de Educação, Rossieli Soares. “Duvido que o governador colocaria seus filhos para estudar em escolas indígenas nessas condições”, afirmou a parlamentar à CENARIUM.

No local, indígenas de diversas aldeias do Estado protestam contra as alterações promovidas pelo governo estadual na carreira do magistério, que impactam diretamente a educação indígena. O movimento iniciou a ocupação na terça-feira, 14, em resposta ao que os manifestantes chamam de “desmonte da educação indígena”, provocado pela aprovação do Projeto de Lei (PL) 729/2024, que instituiu a Nova Carreira do Magistério.

A legislação, elaborada pela Seduc, foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e sancionada pelo governador Helder Barbalho, em dezembro de 2024, dando origem à Lei 10.820/2024, que substituiu a regulamentação anterior do Sistema de Organização Modular de Ensino (Some), um programa criado na década de 1980 para atender comunidades indígenas, ribeirinhas e quilombolas.

Deputada Lívia Duarte em visita à Seduc-PA (Reprodução/Assessoria)

Entre as principais críticas está a sanção do governador à Lei 10.820/2024, que extinguiu cinco dispositivos, eles eles, a lei que regulamentava o Some, transferindo a gestão integral para a Seduc e condicionando gratificações e incentivos a critérios administrativos. As mudanças, segundo os manifestantes, dificultam a atuação dos professores em áreas remotas.

Sobre o assunto, a parlamentar afirma: “O que mais me revolta é a aprovação, de forma apressada, de uma lei que retira direitos de trabalhadores, alunos e comunidades. Essa lei reduz gratificações e incentivos para professores que se deslocam para áreas de difícil acesso, como aldeias indígenas. Isso desmotiva profissionais que precisam enfrentar grandes desafios para exercer sua função”.

Lívia Duarte destacou, ainda, os impactos negativos das mudanças para o Sistema Modular de Ensino Indígena (Somei), uma ramificação do Some que atende diretamente as comunidades indígenas. “Nas aldeias, por exemplo, os professores dependem da hospitalidade local, pois não há infraestrutura. As comunidades indígenas precisam ceder um espaço para esses profissionais, muitas vezes em condições precárias. Além disso, a formação dos professores precisa respeitar as especificidades culturais e linguísticas dessas comunidades. Esse desmonte atinge frontalmente os povos indígenas e compromete sua educação. Sem incentivos, ninguém se dispõe a enfrentar a logística complicada e os custos elevados. Assim, o governo mata o Some e o Somei por inanição”.

‘Extinção velada’

A deputada criticou diretamente Helder Barbalho e Rossieli Soares. Para ela, a nova legislação é uma tentativa velada de extinguir o Some, enfraquecendo o sistema com a redução de incentivos e salários. Ela declarou que os trabalhadores do Some frequentemente acabam gastando mais recursos do que recebem para acessar as comunidades. Além disso, destacou a elevada insatisfação em relação ao secretário Rossieli Soares, que tem demonstrado uma postura bastante autoritária, e que os movimentos sociais estão solicitando sua demissão.

“Eu duvido que o governador Helder colocaria seus filhos para estudar em uma aldeia indígena sem que houvesse um incentivo mínimo para os professores. Esses profissionais, muitas vezes, gastam mais do que ganham para chegar até essas comunidades. Além disso, há uma grande insatisfação com o secretário de Educação, Rossieli Soares, que tem sido extremamente autoritário. Os movimentos pedem sua exoneração”, afirmou Lívia Duarte.

Lívia também refutou os argumentos do governo estadual sobre supostos salários elevados pagos aos professores do Some “A lei aprovada na Assembleia Legislativa, no ano passado, revogou normas fundamentais para o Some, eliminando gratificações que eram indispensáveis para os professores. Muitos viram seus rendimentos reduzidos à metade. A alegação do governo Helder de que professores do Some recebem salários altíssimos, como R$ 27 mil, é uma mentira. Se fosse verdade, muitos parlamentares deixariam de ser deputados para virar professores”.

Mediação federal

Durante o protesto, Lívia Duarte protocolou ofícios aos ministros Rui Costa (Casa Civil), Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Ester Dweck (Direitos Humanos), solicitando mediação federal. Segundo a deputada, o governo estadual tem se recusado a dialogar com os indígenas. “Estou aqui na Seduc, assim como estive ontem, quando iniciamos os Ministérios dos Direitos Humanos, dos Povos Indígenas e a Casa Civil da Presidência da República. Acreditamos que, se o governo estadual não abre espaço para negociação, alguém na Presidência precisa intervir. Hoje, aguardamos o retorno desses órgãos e uma posição do governo estadual”, disse Lívia.

Lívia Duarte teve acesso às dependências da Seduc e conversou com os manifestantes (Crédito Marcos Barbosa)

Lívia explicou que a mediação está sendo solicitada ao governo federal porque o governo estadual não dialogou com os indígenas da ocupação. Ela destacou que, no primeiro dia de protesto, os líderes cobraram a presença do secretário de educação, Rossielli Soares, mas como não foram atendidos, agora passaram a condicionar o fim da manifestação à presença da governadora em exercício, Hana Ghassan. A secretária estadual de Povos Indígenas, Puyr Tembé, esteve na Seduc e cumprimentou os manifestantes, porém não houve negociação, informou a parlamentar.

Desinformação e resistência

A deputada também denunciou a disseminação de informações falsas sobre o movimento, acusando o governo de deslegitimar os manifestantes. “Os indígenas respeitaram o espaço da Seduc. Não há nada fora do lugar. O que o governo está fazendo é desinformar para enfraquecer o movimento. Os indígenas não sairão até serem ouvidos. Não há cansaço para quem está acostumado a lutar”, afirmou. De acordo com Lívia Duarte, há informações que a mobilização provocou bloqueios em rodovias como a BR-222, a Transamazônica e vias em Santarém. “Nós não iremos desistir. Vamos resistir pelos direitos dos povos indígenas”, concluiu.

A CENARIUM solicitou nota do Governo do Pará para saber quais medidas serão tomadas para resolver a situação junto aos indígenas e professores. Não houve resposta até a publicação deste texto.

Leia mais: Entenda por que indígenas ocuparam Secretaria de Educação do Pará
Editado por Adrisa De Góes

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