Eclipse no Brasil: indígenas veem fenômeno como algo tradicionalmente negativo, explica astrônomo

Para maioria das etnias indígenas, segundo astrônomo, eclipses são sinais de maus-presságios (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Um eclipse solar, como o que poderá ser visto parcialmente nas regiões abaixo do Norte e Nordeste brasileiro, nesta segunda-feira, 14, entre o meio dia e às 15h (horário de Brasília), é um fenômeno astronômico que representa nada mais que a passagem de um corpo celeste entre o planeta Terra e o Sol. Em geral, na cultura indígena, o escurecimento total ou parcial do Sol é interpretado como algo tradicionalmente negativo, segundo o astrofísico português Nélio Sasaki.

Sasaki é diretor do Planetário Digital de Manaus e do Planetário Digital de Parintins, além de coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Astronomia (Nepa) da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), com especialidade em Astronomia Indígena. No Amazonas, o pesquisador vem desenvolvendo um projeto socioeducacional desde 2012, com o objetivo de levar conhecimento científico sobre a astronomia para crianças e indígenas da região Norte do País.

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Integram o Nepa estudantes de vários cursos de licenciatura da UEA, uma parte da equipe é formada por alunos indígenas. Aliás, Astronomia Indígena é uma das linhas de pesquisa do Núcleo, que tem ao todo 16 linhas de pesquisa – todas relacionadas com Astronomia.

Em entrevista exclusiva à REVISTA CENARIUM, ele explicou que um eclipse solar pode ter vários significados para as diferentes etnias existentes no Brasil. Segundo ele, os indígenas veem o fenômeno de forma diferenciada. “São várias histórias que dependem de etnia para etnia. Cada uma tem uma maneira de ver o fenômeno, mas, no geral, todas elas têm algo em comum: para a cultura indígena, essa visão do eclipse é negativa”, explicou.

Astrofísico Nélio Sasaki é especialista em Astronomia Indígena (Divulgação)

Sasaki chama a atenção para a maneira pela qual alguns textos relatam o uso dos conhecimentos astronômicos pelos portugueses e o comportamento dos povos originários. Segundo ele, muitas versões sustentam a ideia de que os indígenas desconheciam o fenômeno do eclipse. “Essa narrativa é um tanto irreal, haja vista que os indígenas tinham o hábito de observarem o céu. Os Maias, por exemplo, sabiam fazer calendários. Outro exemplo, o povo Parintintim, o qual mantêm um ligação próxima do Tupi-Guarani, é sabido que os povos Tupi-guarani tinham calendários. Portanto, certamente os indígenas Parintintins sabiam sobre a realização de eclipses”, afirmou o pesquisador.

O outro lado

Umas das situações que citam o desconhecimento de indígenas quanto ao eclipse, é o episódio narrado no livro Coleção de viagens e descobertas feitas pelos espanhóis por mar desde os finais do século 15, publicado em 1825 por Martín Fernández de Navarrete, no qual ele conta as memórias de um dos colaboradores do navegador Cristóvão Colombo, Diego Méndez de Segura, que juntos faziam uma expedição à Jamaica quando encalharam em uma ilha da região em 1494.

Enquanto Méndez buscava por ajuda para resgatar os tripulantes, Colombo precisava fazer algo para sobreviver. Com isso, começou a trocar pertences por comida com os nativos, mas ao longo que o tempo passava, a relação entre eles foi se deteriorando e o navegador precisou usar a astronomia para enganar os indígenas. Ele elaborou um plano para assustar os aborígines com um eclipse que ocorreria em 29 de fevereiro de 1504, o dia extra daquele ano bissexto. A história, que é conhecida como “O eclipse que salvou a vida de Cristóvão Colombo em viagem à América”, é contada em reportagem elaborada pela BBC News Brasil.

Hábitos e olhares

Para o astrofísico Nélio Sasaki, a narrativa apresentada é questionável. Segundo ele, certamente os indígenas tinham conhecimento do eclipse. “O que temos que levar em consideração é se os indígenas da América Central e Sul tinham o hábito de fazerem calendários – esse seria um ponto a ser considerado”, salientou.

O especialista enfatizou que, atualmente, os indígenas brasileiros estão aos poucos migrando para a zona urbana e, consequentemente, muito se perde na aquisição de conhecimentos que são passados de geração a geração.

“Aqui no Brasil, na Região Norte, são poucos os que têm essa tradição, e aqueles que têm esse costume são os que seguiram a mesma metodologia dos Maias [civilização que habitou a região da Mesoamérica, atual México, Guatemala, Belize, etc.] em meados de 250 antes de Cristo e 900 depois de Cristo”, disse.

Sol e Lua

Segundo o pesquisador, os indígenas veem o Sol e a Lua com diferentes olhares. Sasaki disse, ainda, que algumas culturas acreditam na existência de um conflito entre o Sol e o Lua (isso mesmo, no masculino) que são vistos como irmãos. “O (deus) Lua é a irmão mais novo do (deus) Sol e, uma das interpretações para os indígenas, é que esses dois irmãos ficavam brigando. E com isso, algumas tribos indígenas começavam a ‘bater as panelas’ para tentar apartar a briga”, explicou.

O fundo moral da estória, segundo o pesquisador: “Nunca irmãos devem brigar um com o outro! Outra versão é do Sol (como figura masculina) e a Lua (como figura feminina), neste caso, novamente tem-se uma briga entre o homem e a mulher (que pela sua sabedoria ) vence toda a supremacia do “astro-rei”. Mais uma vez, os povos indígenas começavam a bater as panelas, tambores, etc. Moral da estória: É inaceitável para os povos indígenas o homem brigar com a mulher, ou vice-versa. Quando há briga, é porque algo está errado na ‘natureza’, por isso, os indígenas (principalmente das Américas) associam os eclipses a maus presságios. Por outro lado, se a ‘natureza está em equilíbrio, então, não há motivo para haver desavenças'”, elencou Sasaki.

O astrofísico disse, também, que outras culturas acreditam na existência do Sol e da Lua como um casal que também vivem em briga e que, caso esse conflito não seja encerrado, os indígenas acreditam na chegada de um terceiro elemento que seja capaz de destruir os astros, podendo ser o fim do mundo.

Nélio Sasaki relatou ainda que em vários livros encontra-se que o indígena é rotulado como o índio guerreiro, que briga, que conquista, justificando tal comportamento porque ele caça e pesca. No entanto, segundo pesquisador, a filosofia indígena é completamente o oposto do que é descrito em alguns livros.

“Os povos indígenas somente querem viver em harmonia com a natureza viver em paz com tudo que está a cercá-lo (animais, planetas, estrelas, Sol,etc.). A partir do momento que é negado aos povos indígenas o direito deles (indígenas) viverem nas terras deles; a partir do momento que o indígena se vê obrigado a migrar para a zona urbana; obrigado a aprender outro idioma (que não o dele); obrigado a contar outras histórias que não as suas,etc, essas e outras atitudes fizeram que os povos indígenas se tornassem povos guerreiros. Uma vez que os povos indígenas não foram ouvidos, Eles não tiveram outra opção a não ser lutar (pelos direitos deles)”, finalizou o astrofísico.

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