Economistas divergem sobre tarifaço de Trump: ‘incerteza’ e ‘política ridicularizada’


Por: Lucas Thiago

19 de agosto de 2025
Economistas divergem sobre tarifaço de Trump: ‘incerteza’ e ‘política ridicularizada’
Os economistas Inaldo Seixas e Orígenes Martins (Fotos: Arquivo e Erik Oliveira/CENARIUM; Ricardo Stuckert/PR e Daniel Torok/Casa Branca | Composição: Lucas Oliveira/CENARIUM)

MANAUS (AM) – A tarifa de 50% sobre produtos importados do Brasil, anunciadas pelo governo de Donald Trump em 9 de julho de 2025, entrou em vigor em 6 de agosto, com a exceção de quase 700 itens. A ofensiva da administração republicana se deu por “perseguição, intimidação e processo politicamente motivado pelo Governo do Brasil contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)”. Economistas consultados pela CENARIUM veem as ações do governo norte-americano com “incerteza” e que o País não tem “capacidade de bater de frente com os EUA”.

Foram entrevistados os especialistas Inaldo Seixas, membro do Conselho Regional de Economia (Corecon-Am) do Amazonas, e o também economista Orígenes Martins. Eles comentaram o caso após as tarifas entrarem em vigor sem qualquer negociação fechada, apesar da retirada de centenas de itens da lista de produtos tarifados. O Brasil tem buscado instituição internacionais para solucionar a crise.

Seixas apontou que o governo brasileiro “acertou” na decisão de acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o tarifaço imposto por Trump sobre produtos exportados do Brasil. Para ele, a medida evitou uma “retaliação” imediata, mesmo com a aprovação do Projeto de Lei (PL) de reciprocidade comercial, que permite ao governo brasileiro retaliar medidas comerciais que prejudiquem os produtos do País no mercado internacional. O economista destaca, ainda, que a decisão da OMC deve ser favorável ao Brasil.

O economista Inaldo Seixas concedeu entrevista à CENARIUM (Arquivo/CENARIUM)

“É uma estratégia acertada do governo brasileiro, porque evita de você fazer uma retaliação, [porque] nós já temos uma lei aprovada, que o presidente poderia adotar uma retaliação aos Estados Unidos também. Foi a melhor opção do governo acionar a Organização Mundial do Comércio. Além do Brasil, o tarifaço do Trump obrigou diversos outros países a recorrer para OMC. Nosso País vai esperar a decisão da organização, que certamente será favorável ao Brasil”, disse Inaldo, informando que a OMC vai convocar os dois países para abrir um painel de negociação.

Por outro lado, o economista analisa com “incerteza” os impactos da aplicação do tarifaço, mas ressalta que, politicamente, a instabilidade irá durar até 2028, quando Trump encerra o segundo mandato, ou se o Partido Republicano perderem maioria do Congresso dos EUA nas eleições do próximo ano. O especialista foi mais abrangente ao afirmar que as incertezas vão além do campo comercial, passando por conflitos internos como a “perseguição às universidades, perseguição aos imigrantes e uma séries de decisões de cunho autoritário“.

“O momento agora é um momento de incerteza, pelas atitudes tomadas pelo presidente Trump. Essa incerteza dificulta em fazer uma análise de longo prazo. Mas acredito, no âmbito político que essas atitudes impostas pelo presidente Trump, só pode ser minimizada quando ele sair do poder, ao final de seu mandato. Não é somente as ações de comércio que estão impactando, existe ações internas nos Estados Unidos, como perseguição as universidades, perseguição aos imigrantes e uma séries de decisões de cunho autoritário. Tudo isso pode impactar a imagem dele, como já está impactando e possa ser que com isso em 2026 ele perca a maioria no Congresso Americano”, disse Seixas.

‘Sem capacidade de bater de frente’

À CENARIUM, o economista Orígenes Martins foi taxativo ao afirmar que o Brasil não pode “bater de frente” com os EUA, já que o país é a maior potência mundial e tem a moeda como referência econômica. O especialista apontou, também, que a política externa brasileira foi “ridicularizada” e destacou que outros países são alvos de “taxação devido ao endividamento criado, principalmente com o crescimento econômico da China”.

Orígenes Martins comenta possibilidade de perda de mercado para países africanos (Erick Oliveira/CENARIUM)

Nós não temos a capacidade de bater com os Estados Unidos, que é o nosso maior comprador, sendo a maior potência mundial, não podemos bater de frente. A política externa brasileira sempre foi considerada uma das melhores do mundo, hoje está sendo ridicularizada. Os Estados Unidos estão aplicando a taxação sobre os países devido ao endividamento criado, principalmente com o crescimento econômico da China”, pontuou.

Martins abordou, ainda, os itens que são “adorados” pelos americanos, como o suco de laranja e o café. O suco da fruta consta na lista de alimentos que ficaram de fora da taxação. Para o especialista, no entanto, caso o Brasil aumentasse o preço dos produtos em retaliação à decisão de Donald Trump, os EUA poderiam passar a negociar com países africanos “oferecendo uma proposta para eles financiar a produção de laranja“. Orígenes citou o termo “jogada política” dos EUA.

“O café e a laranja são dois produtos brasileiros que são simplesmente adorados dos EUA. Quem já esteve nos EUA, sabe, onde você vai, tem o suco de laranja e as famílias, tem no café da manhã, o suco de laranja. O Brasil vai perder, o Brasil vai sofrer com as safras e apodrecendo, e o suco de laranja vai aumentar lá no bolso americano. Se o país aumentar o preço do produto em retaliação a tarifa, o Trump pode chegar com países africanos que querem aumentar a produção, oferecendo uma proposta para eles financiar a produção de laranja, durante 10 anos somente para os EUA. Então, nós temos aí uma jogada política, que é a imposição da tarifa, disse o economista.

Os EUA, no entanto, deixaram a laranja de fora da lista de produtos que foram taxados, segundo o comunicado emitido pela administração de Trump.

Anúncio do tarifaço

Em 9 de julho de 2025, o presidente Donald Trump anunciou tarifa adicional de 40% sobre os produtos brasileiros. O anúncio ocorreu por meio de uma carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). No documento, Trump justificou a medida citando o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.

O presidente dos EUA afirmou, ainda, que a “forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro, um líder altamente respeitado em todo o mundo durante seu mandato, inclusive pelos Estados Unidos, é uma vergonha internacional. Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma Caça às Bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!”, escreveu Trump.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Daniel Torok/Casa Branca)

O anúncio da sobretaxa ocorreu em meio a troca de críticas entre Trump e Lula por conta da cúpula dos Brics, um grupo de países que se encontrou, neste ano, no Rio de Janeiro. Na carta enviada ao presidente brasileiro, o norte-americano diz, ainda, que o País pratica relação comercial injusta com os EUA.

A declaração foi feita apesar dos dados do fluxo comercial entre Brasil e Estados Unidos indicarem um volume de aproximadamente US$ 80 bilhões por ano, com um superávit de US$ 200 milhões para os Estados Unidos na balança comercial.

“Se por qualquer razão o senhor decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos. Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses déficits comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos”, disse Trump.

Impacto do tarifaço

A tarifa de 50% anunciada pelo governo dos Estados Unidos começou a valer, mas deixou de fora cerca de 700 produtos brasileiros. Entre os itens isentos estão combustíveis, minérios, fertilizantes, aeronaves civis, motores, peças e componentes. A medida também não alcança produtos como polpa de madeira, celulose, metais preciosos, energia e derivados, além de fertilizantes. Outros produtos incluídos na lista de isenção são castanha-do-brasil, suco e polpa de laranja, mica bruta, madeira tropical serrada ou lascada, fios de sisal e de outras fibras do gênero Agave.

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), cerca de 55,4% das exportações brasileiras para os Estados Unidos continuam sujeitas ao teto tarifário. Entre os itens afetados estão café, carne bovina, equipamentos de engenharia civil, açúcares e madeira. Esses produtos compõem parte significativa da pauta exportadora nacional.

Fachada do Mdic em Brasília (Reprodução/Mdic)

A tarifa adicional de 40% se soma aos 10% já vigentes desde abril, elevando a taxa total a 50% para 35,9% das exportações brasileiras aos Estados Unidos. O setor exportador tenta incluir mais itens na lista de isenções. Os Estados Unidos são o terceiro maior destino do agronegócio brasileiro, e a estimativa de perdas com a medida chega a US$ 5,8 bilhões.

Reação do Brasil

O governo brasileiro reagiu à ação de Trump e apresentou, no início do mês, um pedido formal de consulta à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os Estados Unidos. A solicitação questiona a legalidade do aumento tarifário imposto pelos norte-americanos, argumentando que a medida busca compensações por meio de tarifas em vez de seguir os procedimentos previstos em acordos como o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994 e o Entendimento sobre Solução de Controvérsias.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Entre os pontos apresentados pelo Brasil estão a aplicação de tarifas acima dos limites pactuados, o descumprimento do princípio da nação mais favorecida e o não seguimento das normas de solução de controvérsias. O governo também aponta que o comércio brasileiro estaria sendo tratado de forma menos favorável em comparação a outros parceiros comerciais.

O pedido oficial também questiona a justificativa apresentada pelos Estados Unidos, que alegam razões de segurança nacional e mencionam processos jurídicos internos do Brasil, como ações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e decisões do Supremo Tribunal Federal envolvendo empresas de tecnologia. A OMC confirmou o recebimento da solicitação de consulta na segunda-feira, dia 11, e comunicou os demais membros sobre o caso.

Leia mais: Tarifaço dos EUA sobre exportações brasileiras entra em vigor
Editado por Jadson Lima

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