EDITORIAL – A sordidez de Jair Bolsonaro com Arthur Virgílio, Manaus e sua história

Arthur Virgílio Filho, pai de Arthur Neto: falta de respeito à memória e ao legado do senador que combateu a Ditadura Militar causou indignação (Senado/Secom)

Paula Litaiff – Da Revista Cenarium

A repulsa às declarações do Presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), contra o prefeito de Manaus (AM), Arthur Virgílio Neto (PSDB), e o pai dele, o senador Arthur Virgílio Filho, morto há 32 anos, não pode ser um ato isolado de correligionários políticos, deve ser um dever civil de indignação com o que há de mais vil e sórdido.  

Peça central no inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga interferência de Bolsonaro na Polícia Federal (PF), áudios vazados de uma reunião do presidente com ministros, tendo como pauta a pandemia do Coronavírus, no dia 22 de abril deste ano, mostram Bolsonaro ofendendo o prefeito e o pai dele.

PUBLICIDADE

“Aquele ‘vagabundo’ do prefeito de Manaus, que está abrindo cova coletiva para enterrar gente e aumentar o índice da Covid. Vocês sabem filho de quem ele é, né?”, teria dito o presidente na reunião, rindo após fazer a pergunta retórica. 

Além de ratificar sua predileção por sistemas torturadores, as declarações do presidente da República indicam seu total desconhecimento com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para os enterros das vítimas da Covid-19, infecção causada pelo Coronavírus. Apesar de doloroso para familiares, a OMS orienta a abertura de covas coletivas para reduzir a transmissão da doença.

Honra atingida

A falha de Bolsonaro não é só na técnica e no caráter. Ao ofender o representante político de um município, o presidente fere a honra de seus moradores e mancha a história de uma cidade que lhe deu mais de 65% dos votos, mas, sabemos, nunca foi prioridade do presidente e, agora, sofre com o abandono. Somente dois meses depois do início da pandemia, o governo federal acenou com um “auxílio” de profissionais para ajudar no atendimento dos hospitais.

O ato do prefeito de Manaus em buscar ajuda internacional, diante da imobilidade e incapacidade administrativa do presidente em meio à crise na Saúde causada pela pandemia foi o que motivou a ira de Bolsonaro na reunião com o seu staff em abril.

Ademais, a imperícia é a “marca” na vida pública de Bolsonaro, que durante 27 anos no Câmara Federal, conseguiu aprovar dois projetos de lei e uma emenda. Um legado indecoroso, se comparado aos registros deixados por Arthur Neto e a pai dele, em 30 anos de vida pública.

Contudo, a sordidez de Bolsonaro vai além da incapacidade política e administrativa. Como é de seu estilo, sua degeneração moral tem o costume de alcançar a família daqueles que ele escolhe para desafeto.

A vítima este mês foi Arthur Virgílio Filho (1921-1987), pai de Arthur Neto, senador cassado na Ditadura Militar do Brasil por lutar pelo direito de manter no poder somente aqueles que tivessem passado pelo voto popular. Entre outras conquistas sociais, Virgílio foi, também, o parlamentar que apresentou o projeto de lei para fundar a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), antes Universidade Livre de Manáos – primeira instituição de Ensino Superior do País. 

Dignidade e legado

“Depois de muito recuar, chegou a hora de este Congresso se impor. Chegou a hora de este Congresso ser digno da representação que ele encarna, de dizer a esta nação que, se ele cedeu, que, se ele recuou, não cederá nem recuará mais. Que nos fechem hoje, mas com o povo que nos assiste ao nosso lado; e não nos fechem amanhã, ingloriamente, com o aplauso do povo brasileiro, como aconteceu em 1937″.

A declaração de Arthur Virgílio, em 1965, ocorria no dia seguinte à decretação do Ato Institucional nº 2 (AI-2), quando a ditadura se afastou ainda mais da democracia ao extinguir os partidos políticos e permitir apenas duas legendas (Arena e MDB, governo e oposição).  Também acabava naquele momento a eleição direta para presidente, e o discurso que se tornou célebre resume bem a atuação política de Arthur Virgílio.

O discurso de apologia à tortura e ofensivo ao pai do prefeito de Manaus e ao próprio Arthur Neto não pode ser mais um a cair na banalidade, como ocorreu em 29 de julho de 2019, com a declaração de Bolsonaro contra o pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desaparecido, após ser preso por militares na Ditadura.

Representante inglório

A fala desmedida do presidente não pode se tornar mais uma, no arquivo de aberrações ecoadas pelo Palácio do Planalto, como o ataque à alta comissária de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, em 4 de setembro de 2019. Bolsonaro exaltou a Ditadura de Augusto Pinochet,  sistema que matou o pai de Michelle, Alberto Bachelet, um dos principais combatentes pela democracia no país. 

Em menos de um ano, o presidente brasileiro ofendeu publicamente pelo menos três pessoas que penhoram a vida para defender a soberania popular. Mas Bolsonaro não sabe o que é lutar pela Democracia. Sabe, sim, usufruir-se dela e dos incautos, que se deixam usar por ele.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.