EDITORIAL – O exército invisibilizado e a cosmofobia


Por: Paula Litaiff

11 de dezembro de 2024
(Composição de Weslley Santos/CENARIUM | Fotos de Ana Jaguatirica/CENARIUM e Marcelo Camargo/Agência Brasil)
(Composição de Weslley Santos/CENARIUM | Fotos de Ana Jaguatirica/CENARIUM e Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Eles representam menos de 2% da população brasileira, mas são responsáveis por 70% do contingente que luta para defender as florestas em um ano marcado por recordes de incêndios em áreas verdes e pelos impactos mais severos da crise climática no Brasil. Com uma população de 216 milhões de habitantes, são os indígenas (0,83%) e os quilombolas (0,65%) os enviados pelo Estado para proteger os biomas da devastação promovida pela selvageria capitalista.

O cenário brasileiro de guerra ambiental no século XXI remete ao período colonial, quando pretos e indígenas escravizados eram colocados na linha de frente das batalhas sob a justificativa de defesa do território, com base em um entendimento eurocêntrico de “menor valia” dessas vidas. Hoje, a justificativa do Estado para expor indígenas e quilombolas aos conflitos ambientais está na tese de que eles são “conhecedores” das florestas. Contudo, a realidade é outra.

O líder político do povo Yanomami, Davi Kopenawa, destacou em um artigo publicado em 2023 que a destruição das florestas é um rastro do “homem branco”, preocupado em produzir mercadorias para vender, comprar e manter um ciclo vicioso, no qual os biomas são vistos como sistemas de consumo “autorenováveis”.

“Vocês pensam: ‘A floresta cresceu sozinha, sem motivo. Nós somos os donos das mercadorias e vamos continuar fabricando muitas mais!’ Eles cavam seu chão, cortam suas árvores e as queimam por toda parte. Depois disso, todos vocês falam do que chamam de mudança climática. O que vocês nomearam assim não vem do nosso rastro. Toda essa destruição não é nossa marca; é a pegada dos brancos, o rastro de vocês na Terra”, afirma Kopenawa.

O pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos, o Nêgo Bispo (1959–2023), trouxe uma visão contundente sobre o Brasil atual ao formular a teoria da “cosmofobia”, definida como a aversão aos ecossistemas. Ele defendia que os eurocristãos têm pavor da terra e, por isso, preferem viver em prédios, afastando-se cada vez mais do solo que sustenta a vida.

Nêgo Bispo argumentava que, ao ocuparem um pedaço de terra, os cosmofóbicos destroem a natureza até serem obrigados a “se mudar para outro lugar”. No entanto, a verdade é que não há “outro lugar” — e tampouco há mais tempo para delegar o risco de morte, na preservação das florestas, àqueles que já pagaram com a própria vida no passado.

O assunto foi tema de capa e especial jornalístico da nova edição da REVISTA CENARIUM. Acesse aqui para ler o conteúdo completo.

Capa da edição 53 da Revista Cenarium – “Na Linha de Frente” (Fotos por Joédson Alves/Agência Brasil e Ana Jaguatirica/CENARIUM | Design por Hugo Moura/CENARIUM)

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