EDITORIAL – ‘O que os olhos não veem…’
Por: Márcia Guimarães
03 de setembro de 2025
‘O que os olhos não veem’… o poder estatal não sente. Esta adaptação do famoso ditado popular casa com o tema central da reportagem de capa desta edição: higienização social. O termo refere-se a práticas voltadas a afastar, silenciar ou eliminar os “indesejáveis”, sob o pretexto de promover “ordem” urbana, “limpeza” ou “progresso”. Não raro, os alvos são pessoas em situação de rua, usuários de drogas, pretos e pobres. É “varrer para debaixo do tapete” as desigualdades, afinal, se não está à vista, não existe.
Em Manaus, ações da prefeitura justificadas como reordenamento urbano chamam a atenção de especialistas e opinião pública pela agressividade, considerada desproporcional contra vendedores informais desarmados, muitos deles imigrantes, mulheres e idosos, e por serem apontadas como tentativa de higienização social. As ações se concentram no Centro, região turística e onde o município realiza o Festival Passo a Paço Sou Manaus, em setembro.
No início de agosto, os alvos foram depósitos onde os ambulantes guardavam mercadorias. Vídeos e fotos registraram guardas municipais empunhando cassetetes, spray de pimenta e espingardas. Em meio à apreensão das mercadorias, Maria France Gracia, uma única mulher, cercada por ao menos quatro homens da Guarda Municipal, sendo contida à força. Uma imagem emblemática de truculência e higienização social, como apontaram sociólogos e internautas. De um lado o Estado opressor, na figura dos guardas. De outro, o elemento social “indesejável”, a mulher preta, pobre e imigrante.
Práticas de higienização social não são exclusivas de Manaus e, ao longo da história, foram usadas em diversas cidades do Brasil, como na reforma urbana do Rio de Janeiro, no início do século XX, com a expulsão de pobres para os morros, ou na Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016), com a remoção de favelas próximas a áreas turísticas. Mais recentemente, em Belém, houve remoção de população de rua nos preparativos para a COP-30, e, em São Paulo, o deslocamento de dependentes químicos da “cracolândia”.
Na obra “O Espaço do Cidadão”, o geógrafo e intelectual Milton Santos, que pensou a integração da população negra na sociedade brasileira, nos diz: “A cidade é o lugar onde o cidadão deveria se realizar. Mas para muitos, ela é o lugar da exclusão e da negação”. O que os olhos não veem…
O assunto foi tema de capa e especial jornalístico da nova edição da REVISTA CENARIUM. Acesse aqui para ler o conteúdo completo.
