EDITORIAL – Punição para vítimas, por Márcia Guimarães


09 de julho de 2024
O Atlas da Violência 2024 apontou que meninas de até 14 anos sofrem proporcionalmente mais violência sexual do que mulheres adulta (Composição: Weslley Santos/Midjourney)
O Atlas da Violência 2024 apontou que meninas de até 14 anos sofrem proporcionalmente mais violência sexual do que mulheres adulta (Composição: Weslley Santos/Midjourney)

Se os homens parassem de estuprar, ninguém precisaria debater aborto em caso de estupro”. Li essa frase no parlatório da internet e a trago para o debate sobre o Projeto de Lei (PL) n.º 1904/2024, o “PL do Aborto”, que propõe prisão por homicídio às mulheres vítimas de estupro que interromperem a gestação decorrente da violência após a 22ª semana.

As mulheres que precisam recorrer ao aborto legal porque sofreram violência não escolheram serem violentadas, nem escolheram a morosidade dos sistemas Judiciário e de Saúde, o que as obriga a procedimento emocionalmente mais doloroso após 22 semanas de gestação. Por que culpabilizá-las, revitimizá-las e condená-las a punições piores que as aplicadas aos seus algozes? É a discussão que trazemos em nossa matéria de capa, onde emprestamos o título “Crime e Castigo” e pedimos licença ao autor Fiódor Dostoiévski para usá-lo de forma diferente do original, desta vez em referência ao crime e ao castigo que o PL cogita imputar às mulheres.

Grande parte da violência sexual no País é cometida contra crianças e adolescentes, principalmente do sexo feminino. O Atlas da Violência 2024 apontou que meninas de até 14 anos sofrem proporcionalmente mais violência sexual do que mulheres adultas. Na faixa de 0 a 9 anos, do total de casos, 30,4% têm cunho sexual e, na faixa etária de 10 a 14 anos, o percentual é de 49,6%.

Outro dado recente é o resultado de pesquisa apontando que a linhagem genética materna brasileira vem majoritariamente de negras e indígenas, e que a paterna vem de europeus. O levantamento feito pelo laboratório Genera indica uma origem do País associada ao estupro. Nos primeiros séculos do Brasil, mulheres negras e indígenas eram escravizadas e, historicamente, sabe-se que muitas eram estupradas por seus senhores.

Os dados da violência sexual e da linhagem genética talvez nos expliquem o porquê de certas defesas ao PL n.º 1904/2024.

De uma forma social e afetiva, o homem também aborta, quando abandona a mulher grávida ou foge da paternidade. Não engravida e é pouco julgado pelo aborto afetivo. Mas, de forma sistemática e estrutural, crê ter direito de deliberar sobre o corpo da mulher.

Sob um sistema patriarcal e misógino, se os homens engravidassem, seria bem fácil fazer aborto. Talvez fosse possível no drive-thru. Mas, como não engravidam, há os que prefiram condenar as mulheres, mesmo quando são vítimas. Assim, em vez de focar no cerne do problema e buscar a redução dos casos de estupros no País, estamos discutindo mais uma punição às mulheres violentadas. E o que poderíamos esperar de uma nação parida à base de estupro?

O assunto foi tema de capa e especial jornalístico da nova edição da REVISTA CENARIUM do mês de junho de 2024. Acesse aqui para ler o conteúdo completo.

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