Educadores rebatem vereador de Manaus que defendeu ‘suco com bolacha’ na merenda escolar

O vereador de Manaus Professor Samuel (Composição de Weslley Santos/CENARIUM)
Carol Veras – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – Educadores que atuam em escolas públicas em Manaus reagiram, nesta quinta-feira, 23, à fala do vereador da Câmara Municipal de Manaus (CMM) Professor Samuel (PSD), que afirmou ser a favor da manutenção do “suco com bolacha” como merenda escolar. Para os profissionais, a declaração representa o desconhecimento do parlamentar sobre a realidade dos estudantes da rede municipal.

A afirmação polêmica ocorreu durante sessão plenária de quarta-feira, 22, após o vereador Elissandro Bessa (PSB) expor denúncias a respeito da qualidade das refeições ofertadas pelo sistema da rede de ensino da Secretaria Municipal de Educação (Semed). Segundo ele, o município distribui biscoitos e suco de caju como lanche. “O valor que vem para as merendas é vultuoso”, disse Bessa.

Em resposta, Professor Samuel defendeu o sistema de distribuição de merenda do município. “É lógico que a merenda escolar de mais de 500 escolas nunca vai ser uma distribuição perfeita”, alegou. “Merenda é merenda, não é almoço. Eu não posso querer encher de proteínas, porque senão, [o aluno] chega em casa, às vezes, e nem almoça […] Aí serve-se uma bolacha e um suco e é condenado“, rebateu o vereador do PSD.

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Vereador Prof. Samuel (Reprodução/CMM)

A reportagem entrou em contato com a assessoria do vereador Professor Samuel e da Prefeitura de Manaus para buscar um posicionamento acerca das declarações. Até a publicação desta matéria, ambos não deram retorno.

Críticas

À CENARIUM, profissionais e estudantes da rede pública de ensino criticaram o vereador. O acadêmico de História na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Jhonatan Nicolas, que participa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid) e trabalha com alunos da rede pública em diversas instituições, discorda da declaração do parlamentar.

“Essa fala só mostra o total desconhecimento da realidade dos alunos da educação básica, no Brasil e no Amazonas, que um discurso desse é baseado em uma experiência individual e reducionista, que atrasa a implementação de políticas públicas de base efetiva no enfrentamento das diversas dificuldades presente no cotidiano escola”, ressalta Nicolas.

O acadêmico continua: “Dependendo do local onde a instituição está inserida, nós conseguimos observar que as condições dos alunos são diversificadas, mas ainda assim, precarizadas. A gente consegue perceber nos alunos em maior vulnerabilidade que vezes eles repetem, se preocupam com o desperdício, o que pode ser um indicativo de que aquela alimentação é muito valiosa pra eles”, completa.

Jhonatan Nicolas na Escola Ceti Sérgio Pessoa, atuando como residente pedagógico em História (Reprodução/Arquivo Pessoal)

O estudante de Pedagogia da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) Daniel Monteiro participa do programa de acompanhamento nas escolas da rede municipal. Ele afirma que a maioria dos alunos os quais trabalha vive de forma precária.

“O caso mais notável, para mim, foi na escola municipal São Luiz, localizada na Colônia Antônio Aleixo [Zona Leste]. Grande parte das crianças vive num contexto social bem precário”, comenta. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 530 mil domicílios no Amazonas, do total de 1.244 existentes, apresentaram insegurança alimentar em 2023.

Vulnerabilidade social

Uma pesquisa realizada no Rio de Janeiro, intitulada “Conta Pra Gente Estudante – Grande Rio”, revelou que a maioria dos estudantes da rede pública na região metropolitana depende da merenda escolar como única ou principal refeição diária. Especificamente, 56% dessas crianças contam com os alimentos fornecidos pela escola.

Já no Amazonas, em uma publicação da Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (ADS), o órgão afirma que, “para famílias mais pobres, a merenda escolar tem peso importante e, muitas vezes, é a única refeição do dia. A assistente social Luciana Camargo*, servidora Semed, detalha o perfil das famílias que procuram essas instituições de ensino.

“A grande maioria são de famílias em vulnerabilidade social. Famílias que moram em imóveis alugados ou cedidos por familiares. Trabalham na informalidade. Renda familiar em torno de dois salários mínimos e a maioria é beneficiaria de programas sociais“, afirma.

Almoço nas escolas brasileiras (Reprodução/Prefeitura de Goiânia)
Legislação

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no art. 4º, “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária“.

A alimentação escolar é um direito assegurado pela Lei 11.947/2009, conhecida como a lei do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Esse direito também se fundamenta no artigo 6º da Constituição Federal, que estabelece a alimentação e a educação como direitos fundamentais.

Além disso, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346/2006) afirma no Art. 2º: “A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população”.

(*) Nome fictício gerado para proteger a identidade da servidora
Leia também: Profissionais da educação pressionam governo e ameaçam greve em Mato Grosso
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona
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