Eleições do Conselho Federal de Medicina são uma oportunidade para abandonar o negacionismo e as ideologias


06 de agosto de 2024
Eleições do Conselho Federal de Medicina são uma oportunidade para abandonar o negacionismo e as ideologias
Fachada do Conselho Federal de Medicina (Divulgação CFM)
Por Lucas Ferrante – Especial para Cenarium*

Durante a pandemia de Covid-19, vimos exemplos claros de negacionismo e ideologia, principalmente por parte de médicos e até mesmo do Conselho Federal de Medicina (CFM). Medicamentos sem eficácia, cuja utilização aumentava o risco de óbito, como o chamado “kit Covid” ou “tratamento precoce”, foram amplamente defendidos por muitos médicos que parecem não ler um artigo científico há anos, se é que já leram algum na vida. Esses “tratamentos” também foram apoiados pelo próprio CFM. Como demonstrado por inúmeros periódicos científicos médicos, medicamentos como a hidroxicloroquina e a ivermectina não apenas não funcionam para o tratamento da Covid-19, mas também agravam o quadro dos pacientes, aumentando o risco de óbito e de sequelas.

E quanto à escolha do médico em como tratar o paciente? A única escolha plausível é que médicos prescrevam tratamentos que tenham comprovação científica e que o tratamento seja baseado em evidências, afinal, pacientes não são cobaias. Aos pacientes com acesso à informação, sempre existe a opção de abandonar os negacionistas e procurar um médico que realmente saiba o que faz. Existem muitos médicos competentes, isso precisa ficar claro! Contudo, pacientes com baixo acesso à informação ficam à mercê dos maus profissionais, e é justamente por isso que o Conselho Federal de Medicina teria um papel crucial em orientar tratamentos e protocolos com eficácia comprovada, especialmente em situações como a pandemia de Covid-19.

O Ministério da Saúde cobrou o CFM a tomar medidas efetivas contra médicos que promovem a desinformação sobre vacinas. Essa cobrança reflete a necessidade de o CFM assumir um papel mais ativo na garantia de práticas médicas baseadas em evidências, especialmente em tempos de crise sanitária, como a pandemia de Covid-19. Ao combater o discurso antivacina, o CFM pode contribuir significativamente para a proteção da saúde pública e a confiança nas campanhas de imunização.

Não obstante a sociedade ter de conviver com o negacionismo científico do atual CFM, que defende medicamentos sem eficácia na maior crise de saúde pública do século, o conselho também tem adotado posicionamentos ideológicos. Em março deste ano, o Supremo Tribunal Federal precisou anular uma resolução do CFM que dificultava o aborto em casos de gestação decorrente de estupro, um direito garantido por lei. Nos dias 6 e 7 de agosto, há uma oportunidade para o CFM abandonar o negacionismo científico e seu posicionamento ideológico, já que cada estado irá eleger uma chapa para a gestão conjunta do conselho federal.

Às vésperas da eleição, o CFM atual implementou restrições a entrevistas de candidatos e ameaçou cancelar chapas que desrespeitassem “símbolos nacionais” ou a própria instituição. Este cenário tem gerado descontentamento entre os críticos da gestão atual, considerada próxima ao ex-presidente Jair Bolsonaro, cujas políticas de saúde pública transformaram o Brasil em um dos epicentros globais da Covid-19, como demonstrado em artigo científico publicado pelo Journal of Public Health Policy. Aliados de Bolsonaro estão apoiando as chapas da situação. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) condenou essas medidas em um comunicado, classificando-as como uma forma de “cerceamento da liberdade de expressão” dos candidatos. O alinhamento ideológico chega a tamanha bizarrice que uma chapa de São Paulo tem utilizado o dono da loja Havan, Luciano Hang, e o deputado Nicolas Ferreira, ambos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, como “garotos-propaganda.”

Neste contexto, é importante que os médicos e a população em geral conheçam as chapas pró-ciência, que se propõem a favor de uma medicina baseada em evidências, que não viole direitos humanos básicos e que esteja alinhada à defesa do SUS, das vacinas e de tratamentos humanizados com eficácia comprovada. Muitos médicos e médicas com histórico de atuação clínica e científica exemplar estão concorrendo ao CFM, sendo estas chapas:

BA – Chapa 1 – Por amor à medicina

DF – Chapa 2 – Ciência, Ética e Dignidade

ES – Chapa 3 – Com ciência e ética

MG – Chapa 2 – Minas Muda CFM

MS – Chapa 3 – CFM com ConsCiência e Ética

PE – Chapa 3 – Chapa Movimento e Ética

PR – Chapa 4 – RenovAção

RJ – Chapa 3 – Pró-médico

RS – Chapa 3 – CFM que queremos

SC – Chapa 3 – Ciência, Democracia e Ética

SP – Chapa 3 – ConsCiência

A necessidade de um CFM que adote uma abordagem baseada em evidências científicas é fundamental para o avanço da prática médica no Brasil. Em um momento em que o negacionismo ameaça a integridade científica e a saúde pública, é crucial que o CFM se comprometa com a promoção de práticas médicas que sejam respaldadas por dados científicos robustos e atualizados. Isso inclui a rejeição de desinformação e teorias infundadas, priorizando a saúde e o bem-estar da população. Um CFM que valorize a ciência e a medicina baseada em evidências pode desempenhar um papel vital na garantia de cuidados de saúde eficazes e na formação contínua de profissionais médicos, além de influenciar positivamente as políticas de saúde pública.

* Lucas Ferrante é biólogo, mestre e doutor em Biologia. Publicou sobre a Covid-19 nos dois maiores periódicos científicos do mundo, as revistas Science e Nature. Coordenou o estudo sobre o primeiro caso de reinfecção por coronavírus na região Amazônica e o estudo que deu o alerta de segunda onda de Covid-19 para a Amazônia com seis meses de antecedência. Suas pesquisas embasaram a lei de acesso à internet gratuita para professores durante a pandemia, recomendações de deputados ao Ministério da Saúde para ampliar a vacinação em Manaus para conter uma terceira onda de Covid-19, e o lockdown em Curitiba, que evitou o colapso do sistema de saúde e mais de 1.500 mortes. Em 2024, ganhou o prêmio de melhor publicação científica no Journal of Public Health Policy pelo estudo que apontou como o Brasil se tornou um dos epicentros globais da Covid-19. Além disso, atua como revisor de vários periódicos científicos médicos, como Cadernos de Saúde Pública, The Lancet, The Lancet Infectious Diseases, The Lancet Planetary Health, The Lancet Regional Health Americas.

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