‘EleiTrans’ debate política além do LGBTQIAPN+ nas eleições
Por: Ana Cláudia Leocádio
27 de janeiro de 2025
BRASÍLIA (DF) – Ir além das pautas do Movimento LGBTQIAPN+ (Sigla para Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Pôli, Não-binárias e mais), com abordagem aos problemas que afetam os cidadãos nas cidades em que atuam, foi uma das principais estratégias identificadas e a serem adotadas pelas parlamentares trans e travestis eleitas, que participaram do 1º Encontro EleiTrans, em Brasília, nesse sábado, 25.
O evento marcou a abertura da Semana da Visibilidade Trans, promovida pelo Projeto Pajubá – uma iniciativa de entidades representativas do movimento, como a Abong, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT).

Nas eleições municipais de 2024, foram eleitas 27 pessoas transsexuais para as Câmaras de Vereadores no Brasil, de um total de 927 candidaturas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2020, foram 30 eleitas. No total, são dez por cidades do Estado de São Paulo, quatro no Rio Grande do Sul, cinco em Minas Gerais, duas no Ceará e no Rio de Janeiro. Rio Grande do Norte, Maranhão, Mato Grosso e Paraná elegeram uma vereadora cada. Apenas um homem trans foi eleito, pela cidade de São Paulo.
No EleiTrans desse sábado, 15 parlamentares e uma co-vereadora, eleita por bancada coletiva, participaram dos debates e discussões, expondo suas experiências para chegar à vitória e os desafios atuais para desempenhar o trabalho legislativo.
Além de expandir o campo de visão para os problemas que afetam toda a sociedade, as parlamentares trans também apresentaram sugestões de como se articular nas estruturas dos próprios partidos, uma vez que muitas são eleitas por siglas cujo estatuto não está tão alinhado com as pautas LGBTQIAPN+. Ao mesmo tempo, há quem enfrente dificuldades para conseguir espaços e valorização nos chamados “partidos progressistas”, mais voltados para o campo da esquerda.

Conforme a fundadora e diretora da Antra, Keila Simpson, esse primeiro encontro faz parte da estratégia nacional, desde 2016, de proporcionar formação política para pessoas trans e travestis que têm o desejo de ocupar espaços no Legislativo em todos os níveis. Deixá-los preparados “para quando necessário, lançar mão desses saberes e disputar o pleito eleitoral”, num trabalho menos ideológico e identitário e mais pragmático de preparação formal e até intelectual dessas pessoas.
Simpson deu um exemplo de uma candidata que não se reelegeu e não sabia que, mesmo assim, era preciso fazer a prestação de contas, o que a inviabilizou para a próxima eleição. “A gente tem uma população, na qual uma parte ainda está muito distante dos estudos. A escola as expulsou, elas foram retiradas da escola e não conseguiram fazer uma formação educacional de base como a população cisgênero faz”, explica a ativista.

A dirigente enfatiza que o ideal seria chegar com esse trabalho de formação em todo o País, mas faltam recursos financeiros, que somente os partidos dispõem. Na Amazônia Legal, por exemplo, apenas Maranhão e Mato Grosso tiveram uma vereadora trans eleita, cada, em municípios do interior. Simpson ressaltou, ainda, a importância de estar preparada para identificar as necessidades do lugar onde cada uma foi eleita.
“Nós não somos pessoas trans que vamos labutar apenas com a pauta trans. A política não é isso. Política para nós é uma política ampla, é geral para todo mundo. É na cidade, com os cidadãos em cada cidade, com as localidades. Então, não vamos nos restringir porque nós já viemos do gueto e não queremos um gueto. Queremos formar pessoas que são responsáveis, que, quando assumirem politicamente os seus cargos, vão trabalhar para a cidade, para o Estado e para o País”, concluiu Simpson.
O gerente-executivo da Abong, Franklin Felix, destaca a importância de um encontro como o EleiTrans, que reúne vários sonhos e corpos de várias mulheres trans do Brasil, onde se percebe que “o tamanho e a importância do trabalho se revelam quando sonhos e desejos individuais acabam virando sonhos e desejos coletivos”.
“Um encontro como esse, que traz essas meninas, é para que elas possam vivenciar outras pautas, e perceberem a importância da interseccionalidade, não só das pautas LGBTQIA+, mas também, a partir de um olhar LGBT e trans, discutir saúde e outros direitos da população”, disse.
A presidenta da Antra, Bruna Benevides, destacou que são grandes os desafios do movimento LGBTQIAPN+ em um momento em que a extrema direita os escolheu como principais alvos de suas políticas e discursos, mas crê na capacidade das parlamentares, com pretensões de serem ainda maiores.
“É através da instrumentalização da transfobia que a extrema direita tem ganhado tanto espaço, cada vez mais. O Trump [presidente dos EUA], em seu discurso de posse, colocou ainda mais alvos nas nossas costas. Qual outro grupo foi nomeado como inimigo do mundo por um líder global como o Donald Trump? Então, esse é o tamanho do desafio que a gente tem”, avaliou.
Benevides ressalta que a força motora do movimento não são apenas os atos festivos, mas também a indignação para dizer que não vai continuar como está. “Honrando o legado da Kátia Tapety, que em 1992 foi a primeira travesti eleita para ocupar um lugar no parlamento, hoje nós temos outras que estão inspirando tantas outras, e estamos fazendo esse movimento, já pensando nas eleições”. O compromisso é aproveitar o legado herdado e trabalhar por mais conquistas para as gerações trans que virão.
No domingo, 26, o projeto Pajubá realizou a segunda “Marsha Trans”, em Brasília, em frente ao Congresso Nacional. A programação da Semana da Visibilidade Trans encerra-se nesta segunda.
Baixa representatividade trans na Amazônia
Dos nove Estados que formam a Amazônia Legal, apenas Mato Grosso e Maranhão tiveram vereadoras trans eleitas nas eleições municipais de 2024. Única a participar do EleiTrans, neste sábado em Brasília, Mônica de Assis (Solidariedade) foi a terceira mais votada, entre os nove eleitos para a Câmara de Vereadores de Turiaçu, município do Maranhão.
Mônica atribui a Deus sua eleição e ao apoio do prefeito da cidade, na coordenação do projeto social que distribui cestas básicas e peixe à população carente. “Eu era a coordenadora desse trabalho, então isso fez com que eu crescesse politicamente, eu cresci muito e também coloco Deus na minha vida”, ressaltou.
A vereadora diz que foi eleita sem o apoio da comunidade LGBT de sua cidade, mas que as discussões do evento a fizeram refletir e querer trabalhar por essa comunidade. Entre os projetos planejados estão a realização da primeira conferência municipal LGBTQIAPN+ e o auxílio para a retificação dos nomes sociais das pessoas da comunidade.
“Apesar de eles não me aceitarem, eu vou lá bater na porta deles, vou lá deixar a cesta básica, a sacola de peixe. Apesar de não terem me apoiado, agora eu sou vereadora de todos”, afirmou.
Franklin Felix, da Abong, avalia que o crescimento do conservadorismo possa ter contribuído para a não eleição de algumas candidaturas nos municípios da Amazônia, mas é importante que as representantes trans da região façam o levantamento das pautas prioritárias e levem essas questões a esses fóruns de discussão.
“A gente fala de Amazônia Legal, a gente sabe que a COP [30ª Conferência sobre Mudança do Clima] vai acontecer lá. Sabemos da importância de a gente olhar para os povos indígenas, os povos originários. Então, essas candidaturas não podem deixar de olhar para a questão climática, para a questão ambiental, nem deixar de considerar o que tem sido feito na região”, ressaltou o dirigente.
Candidata não eleita, em 2024, pelo município de Soure, na Ilha do Marajó, no Pará, Paola Avelarde é representante da cidade no Fórum Permanente da Sociedade Civil do Marajó, na Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Apesar de não ter sido eleita, Paola diz que saiu do pleito satisfeita. “Eu não precisei me submeter a coisas que eu não concordo, coisas que em momento algum eu iria praticar, fugir da minha índole, que é boa, e isso é o que eu quero apresentar”, disse, acrescentando que pretende continuar lutando e representando a comunidade LGBTQIAPN+.

Paola afirma que a maior dificuldade é a falta de apoio dos partidos, pois falta estrutura. “Porque a dificuldade é muito grande, não só para concorrer à eleição, mas por ser também uma mulher transexual, a dificuldade dobra para nós, dobra muito, mas eu acredito que isso possa mudar, nós estamos aí na luta para enfrentar e enfrentar tudo que for possível”, concluiu.
Como chegar ao parlamento
Quinta mais votada para a Câmara de Vereadores de São Paulo e a mulher trans mais votada do Brasil em 2024, Amanda Paschoal (Psol) orienta as pessoas LGBTQIAPN+, que queiram disputar cargos eletivos, a procurarem primeiro se organizar estruturalmente, articular-se não apenas dentro do movimento, mas internamente nos partidos, que é onde devem encontrar o suporte financeiro para suas campanhas.
Devem buscar, também, a capilaridade das novas pautas e se apropriar do que dizem respeito à cidade, ao município e ao Estado, dependendo de qual cargo eletivo vão se candidatar, para que consigam mostrar o compromisso e transmitir isso para a sociedade, com seriedade e capacidade de construção política para ocupar os cargos e conseguir fazer um trabalho bem feito, nas Casas Legislativas.
“Acho que é fundamental cuidar principalmente da saúde mental, porque o processo de campanha é muito difícil. (…) construir parcerias estratégicas com líderes das comunidades, com representantes já eleitos e também construir dentro do partido, para conseguir ter o apoio e suporte necessários para conseguir ter êxito”, aconselhou Paschoal, que foi assessora da deputada federal Érika Hilton (Psol) e obteve seu apoio na campanha de 2024.
No segundo mandato de deputado da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Fábio Félix (Psol) foi um dos palestrantes do EleiTrans, e é um exemplo de como trabalhar para além das pautas do movimento LGBT. Seu trabalho em Brasília abrange também a defesa dos policiais militares, vigilância sobre o orçamento público, entre outras ações.
“Nós, LGBTs, temos toda a capacidade de fazer qualquer discussão, capacidade política, intelectual, de fazer qualquer discussão sobre política pública, seja na saúde, na educação, no orçamento público, na mobilidade, no transporte, na segurança pública. A gente tem capacidade política, assim como todas as outras pessoas que estão no parlamento fazem as discussões, nós temos essa capacidade de desenvolver e apresentar para a sociedade projetos importantes de transformação da realidade”, afirmou o deputado distrital.
O deputado distrital disse que o passo importante para quem desejar ser candidata ou candidato pelo movimento é se organizar em coletivo, se organizar como comunidade.
“Vai ser esse o grande desafio, politicamente, porque não é fácil. A gente tem dificuldades nos partidos políticos, mas a mensagem é sempre de não desistir e de manter esse senso de comunidade, buscar a representatividade como espaço importante, porque a gente precisa chegar nessas instituições para conquistar os nossos direitos”, ressaltou Fábio Félix.
Construção de trajetória
Outra deputada estadual trans de destaque é Linda Brasil, que saiu do mandato de vereadora em Aracaju para um cargo na Assembleia Legislativa de Sergipe. Vinda da prostituição, a parlamentar construiu sua trajetória pelos desafios que enfrentou quando procurou estudar. Graduada em Letras Português-Francês, pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), atualmente é mestre em Educação. Ela conta que sofreu transfobia no ambiente universitário, quando um professor a desrespeitava por se negar a chamá-la pelo seu nome social.
As dificuldades da vida e toda a experiência de luta na garantia de seus direitos, contou, serviram de base para seu projeto político que já lhe levou a dois parlamentos e, por recusa do Psol, seu partido, ela não se candidatou à prefeita de Natal, nas eleições do ano passado.