Em ano de pandemia, entrada de novas empresas na Bolsa de Valores é a maior em 13 anos

Com juros baixos e mais investidores, número e volume de IPOs bate recorde (O Globo/ Reprodução

Com informações do O Globo

SÃO PAULO – Com a chegada da Rede D’Or à Bolsa de Valores, o ano de 2020 vai se consolidando como o melhor em IPOs (abertura de capital de empresas) desde 2007. Tanto em número de operações, quanto em volume financeiro. 

A operação da rede carioca de complexos hospitalares, que vem crescendo nos últimos anos por meio de aquisições em várias regiões do país, pode captar R$ 12,6 bilhões,  volume mais alto do ano e também o maior desde que o banco Santander, em 2009, captou R$ 13,2 bilhões.

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E o que mais chama a atenção dos especialistas é que esse bom desempenho acontece num ano marcado pela pandemia, em que o país deve amargar uma recessão de pelo menos 4,5%, segundo estimativa do boletim Focus.

Os especialistas apontam a queda dos juros como principal fator da migração de recursos para o pregão, provocando também um movimento de empresas interessadas em abrir seu capital.

Com a taxa básica de juros do Banco Central, a Selic, em 2%, os investimentos em renda fixa perdem atratividade e mais gente se arrisca na Bolsa para ganhar mais.

“O ano está surpreendendo em termos de IPOs. Embora haja muitas baixas, empresas que desistiram da operação esperando por melhores condições do mercado, o saldo é positivo. E é um movimento sustentado por investidores locais, com 70% das compras, enquanto 30% ficam com os estrangeiros”, diz Rodrigo Guedes, líder de Oferta de Mercados e Ações da KPMG.

Em 2007, foram 64 operações de IPOs, que movimentaram R$ 55,6 bilhões. Este ano, até agora, são 24 operações desse tipo, com captação de R$ 30,2 bilhões, segundo levantamento da KPMG.

Considerando também as operações de follow on (em que empresas já listadas na Bolsa oferecem mais papéis), em 2007 o volume chegou a R$ 70,1 bilhões. Este ano, já são R$ 99 bilhões.

Novos perfis na Bolsa

Há novidade também no perfil das empresas que estão indo buscar sócios na Bolsa. Em geral, as empresas listadas no pregão devem ser o espelho do Produto Interno Bruto (PIB) do país. No Brasil, isso nunca aconteceu.

A Bolsa já concentrou empresas de telecomunicações, siderurgia, mineração e do setor financeiro. Agora, começa a caminhar para representar melhor a economia.

Dos 24 IPOs feitos este ano, 33% foram de empresas de varejo, incluindo e-commerce; 25% delas do setor imobiliário; 17% de infraestrutura; 4% de tecnologia; 8% do setor financeiro e 13% de outros setores.

“Há crescimento do varejo, a chegada da rede D’Or agrega mais um player de saúde, que são poucos atualmente, empresas de infraestrutura começam a aparecer, companhias que são prestadoras de serviços a empresas de óleo e gás, e até fintechs. Ainda faltam mais representantes do agronegócio, mas já começa uma correção no pregão para refletir melhor o que é o PIB brasileiro”, diz Guedes, da KPMG.

Alexandre Pierantoni, diretor da consultoria financeira Duff & Phelps no Brasil, observa que setores tradicionais, como financeiro, utilities  (que incluem companhias de água, gás, transporte, distribuição, energia) e incorporadoras ainda dominam a Bolsa.

Só o valor de mercado das empresas do setor financeiro é de US$ 120 bilhões (dólares mesmo) na B3, o maior entre todos os segmentos. Mas ele também avalia que o pregão brasileiro começa a ganhar diversidade.

Marcas conhecidas atraem

Empresas de ramos bem diferentes como a Petz, de varejo animal, e o brechó on-line Enjoei já abriram capital este ano na B3. Isso pode ser explicado da seguinte forma, diz o especialista: o movimento de investidores pessoas físicas em direção ao pregão torna essas empresas atrativas porque são conhecidas desse público.

“O investidor pessoa física sabe o que é a Petz, o Enjoei, a rede D’Or. Isso traz a possibilidade de abrir capital. Claro que há seletividade do mercado, principalmente do investidor mais qualificado. Mas vejo que, com a chegada dos investidores pessoas físicas, essa diversidade vai crescer”, diz Pierantoni.

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Pierantoni lembra, entretanto, que para chegar à Bolsa não basta apenas ser “conhecido dos investidores”. A companhia precisa ter uma boa história de negócios para contar ao mercado e estar antenada com a demanda ESG (sigla que define os três eixos da sustentabilidade – o Meio Ambiente, o Social e a Governança).

Ofertas ficaram pelo caminho

Para Flávio Machado, sócio-líder de IPO da consultoria EY, o ano poderia ter sido melhor em termos de IPOs se não fosse a pandemia de Covid-19.

Ele lembra que apesar do excelente movimento de empresas para a Bolsa, pelo menos 16 companhias desistiram de abrir capital, algumas pelas condições de mercado. Entre elas, estão Havan, BR Partners, Caixa Seguridade, Compass e You Inc., por exemplo.

Mas companhias de setores que mostraram resiliência na pandemia, como tecnologia, alimentos, logística, alimentos, saúde e medicamentos foram à Bolsa porque havia liquidez.

“Além das desistências, há uma fila de pelo menos 36 empresas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com pedido de autorização. Acredito que, este ano, mais três ou quatro operações devem acontecer. E elas ficarão represadas para 2021. Se a vacina contra a Covid-19 chegar, o Brasil fizer o dever de casa na questão fiscal e no avanço de reformas, haverá mais empresas indo para a Bolsa. Nosso mercado de capitais ainda está distante do americano, mas tem enorme potencial”, diz Machado.

O Brasil tem pouco mais de 360 empresas listadas na B3. Na Bolsa da Austrália, por exemplo, são mais de 2 mil empresas.

Mudança estrutural

Machado e Pierantoni observam que as empresas que vão a mercado estão de olho na enorme quantidade de recursos que estão migrando das aplicações mais conservadoras, entre elas a popular caderneta de poupança, para investimentos considerados mais arrojados.

Os dois especialistas apontam esse movimento como resultado de uma mudança estrutural no país, quando a taxa de juros caiu a um dígito. Atualmente, a Selic está em 2%, o que significa rendimento negativo para quem aplica em renda fixa ou poupança, considerando que a inflação deve rondar os 3% este ano.

A queda de juros foi determinante para esse movimento de pessoas físicas, familly offices (administradores de fortunas) em direção à Bolsa. Cria fluxo e estimula as aberturas de capitais – explica Pierantoni, da Duff & Phelps no Brasil.

O cenário de juro baixo no Brasil se repete em outros países do mundo. Por isso, lá fora o movimento de IPOs também é crescente, mesmo durante a pandemia.

Só no terceiro trimestre deste ano, o número global de IPOs chegou a 477 com as empresas levantando US$ 116,7 bilhões. No segundo trimestre, haviam sido 186 ofertas, que movimentaram US$ 42,3 bilhões, segundo levantamento da consultoria Dealogic, compilados pela Bloomberg.

Enquanto os juros estiverem tão baixos, os especialistas avaliam que será preciso investir em atividades da economia real para obter melhor rentabilidade.

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