‘Quem tem mandato popular manda mais do que quem tem dinheiro’, diz presidente do TCE

Mario de Mello diz que os órgãos de controle não podem inviabilizar a atividade administrativa (TCE-AM/Divulgação)

Paula Litaiff – Da Revista Cenarium

MANAUS – Considerado o agente público do Amazonas que mais durou na função de chefe da Representação do Estado, em Brasília, por 26 anos, o presidente do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), conselheiro Mário de Mello, 60 anos, revela em entrevista à REVISTA CENARIUM como eram os bastidores na capital brasileira e sem receios admite que o poder político vale mais que o econômico no centro político do País.

Um fato pouco comentado na sua biografia, Mario de Mello atuou na política partidária em sua juventude, sendo militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), no fim da década de 1970, onde disse ter aprendido sobre a luta por direitos.

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Nordestino de Alagoas (AL), Mello é casado com a juíza amazonense Elza Vitória de Mello, tem oito filhos, e há mais de 30 anos trabalha na gestão pública do Estado. Ele foi escolhido em 2015 para compor a Corte de Contas e quatro anos depois, em 2019, foi eleito presidente da instituição. Explicou que a sua habilidade nas relações sociais nunca interferiu na magistratura. “Gratidão não se paga com toga”, declarou, ao ser questionado sobre cobranças políticas.

Confira entrevista completa:

CENARIUM – Antes de o senhor se tornar um técnico da gestão pública, o senhor foi um agente político/partidário?

MÁRIO DE MELLO – Sim. Comecei a minha vida política muito cedo, aos 16 ou 17 anos, quando militei em movimento estudantil lá em Maceió (AL), foi uma breve passagem, mas um importante aprendizado.

CENARIUM – Chegou a se filiar a partidos políticos, defender ideologias partidárias?

MÁRIO DE MELLO – Inicialmente, eu tinha um foco no movimento estudantil, mesmo sem uma definição partidária. O grande “guarda-
chuva” do movimento estudantil naquela época (1978 e 1979) era o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), depois o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), voltando novamente à mesma sigla. Depois do MDB, foi PCB, o chamado ‘Partidão’ que passou a abrigar o movimento estudantil e naturalmente acabei envolvido com as duas legendas em função da influência política que havia entre os estudantes.

CENARIUM – Então, o senhor tinha uma inclinação esquerdista bem tradicional? Chegou a se candidatar?

MÁRIO DE MELLO – (Risos) Sim, nessa linha. Fui candidato a vereador em Maceió pelo PMDB, fui eleito. Foi aquela grande explosão que o partido fez no Brasil inteiro. Eram 21 vagas e o PMDB fez 13 vagas. Foi quando eu comecei a militar verdadeiramente com mandato popular. Fui membro da Comissão de Turismo da Câmara Municipal em 1982 e 1983. Tive o mandato de vereador que naquela época era de seis anos e a eleição era em 1988.

CENARIUM – Lembra o cenário político e social na época em que teve um mandato eletivo?

MÁRIO DE MELLO – Em 1988/1989 se iniciava a campanha de presidente do Brasil. Eu com primo do então governador de Alagoas, que era o Fernando Collor (meu pai era irmão do pai dele), fui participar da campanha para presidente em São Paulo; fui ser o coordenador da campanha à Presidência da República no oeste paulista. No segundo turno, foi uma coisa mais abrangente, foi em todo o Brasil. Após essa experiência, eu vi uma necessidade de ser candidato a deputado federal e fui pelo estado de Roraima.

CENARIUM – Como surgiu a aproximação com a região Norte do País, sendo o senhor do Nordeste e tendo trabalhado em São Paulo?

MÁRIO DE MELLO – Veja bem, estamos falando das eleições de 1990. Surgiu a oportunidade de ser candidato a deputado federal pelo Norte, porque dois territórios, que eram o Amapá e Roraima, estavam sendo transformados em Estados e eu me identifiquei com essa luta inicial da região por mais autonomia. Dentro do movimento Brasil Novo, busquei a vaga na Câmara Federal, mas não alcancei a legenda partidária. Fiquei na coligação que elegeu o (Fernando) Collor, com os partidos PRN e PTR. No fim da eleição, fui convidado pelo governador eleito de Roraima, Ottomar Pinto, para ser secretário de Estado de Ação Social em Roraima, onde iniciei meu trabalho na gestão pública da região Norte a partir da década de 1990.

CENARIUM – Na condição de secretário de Ação Social, conseguiu implementar políticas públicas que um dia lutou, quando jovem, no Movimento Estudantil?

MÁRIO DE MELLO – Em Roraima, havia um foco muito grande daquele contexto dos garimpeiros. Era o Romeu Tuma, o chefe da Polícia Federal (PF), da época. E começou a bombardear as pistas dos garimpeiros porque era uma linha política que se tinha naquela época, para acabar com aquela situação. Imagina, o governador (Ottomar Pinto) era quem dava apoio a toda essa estrutura (garimpo) e o presidente da República, na época (Fernando Collor, primo de Mário de Mello) era contra essa estrutura, o que era uma incongruência. Assim, comecei a avaliar uma proposta em outro Estado.

CENARIUM – Foi nessa época que surgiu o convite do ex-governador do Amazonas Gilberto Mestrinho (1991-1994) e quando iniciou sua trajetória pública no Estado?

MÁRIO DE MELLO – O governador Gilberto Mestrinho me convidou para ser assessor dele em Brasília. E aí, deixei de ser secretário em Roraima, até porque era uma situação desconfortável que estava vivendo na minha função. Em 1991, fui para o Distrito Federal para ser assessor do Mestrinho, depois fui ser subsecretário do Mestrinho, depois secretário em Brasília. Daí fui ser secretário do Amazonino (Mendes, ex-governador do Amazonas – 1995 a 1998), continuei na segunda gestão de Amazonino (1999 a 2002), depois fui do Eduardo Braga, atual senador (2003 a 2010), passei por Omar (Aziz, ex-governador, atual senador – 2010 a 2014). Continuei com o professor (José) Melo (2015-2017). Nesse período, fui indicado pela vaga da Assembleia Legislativa do Estado (ALE-AM) e escolhido para o TCE. Após 26 anos prestando serviço ao Amazonas em Brasília, fui nomeado para conselheiro do Tribunal de Contas em 2015 e, no ano passado, fui eleito para a missão na presidência.

CENARIUM – Pelo tempo que o senhor passou em Brasília, 26 anos, sabe dizer quem tem mais poder? Quem tem dinheiro ou quem tem mandato eletivo?

MÁRIO DE MELLO – Eu vou ser sincero com você. Existem dois tipos de poder no histórico da humanidade. Existe o poder político e o poder econômico. Isso aí definiu a história da humanidade inteira. E em Brasília, não podia ser de forma diferente. São poderes completamente distintos, mas indiscutivelmente o poder político (mandato eletivo) é um poder muito mais consistente, mais forte. É um poder que faz acontecer e faz você ser respeitado. A história de Brasília, que é um grande laboratório do Brasil inteiro, é o tambor que faz ecoar no País inteiro e eu convivi com aquilo ali durante 26 anos. Foi uma grande escola, é uma grande escola. E eu posso lhe afirmar que, com plena categoria, que o poder político ele é muito mais forte que o poder econômico. Principalmente, em Brasília, quem tem mandato popular manda mais do que quem tem dinheiro.

CENARIUM – Apesar de a classe política e os técnicos da gestão pública resistirem a esse termo, o lobby, desde que dentro da lei, era uma de suas principais funções como representante do Amazonas em Brasília. Qual foi o lobby mais difícil que o senhor teve que fazer pelo Estado?

MÁRIO DE MELLO – Em 26 anos em Brasília, representando o governo do Amazonas, eu fazia o chamado lobby institucional. A minha função era essa, era ter um bom relacionamento. Tive muita importância, tive muitos bons relacionamentos, era muito respeitado. E, modéstia à parte, cumpri com muita competência a minha função. E ser representante do governo na capital federal, é a arte – eu tenho uma frase muito interessante – é a arte de administrar a vaidade, porque você está com quem define, com quem faz. E é uma arte muito difícil, mas eu consegui me relacionar muito bem em Brasília durante 26 anos e eu acho que ajudei muito o estado, principalmente, a manter seu desenvolvimento econômico.

CENARIUM – Então, a principal dificuldade nas relações institucionais era manter os incentivos da Zona Franca de Manaus?

MÁRIO DE MELLO – Exatamente. De conscientização, de mostrar, de fazer as pessoas entenderem o que é esse modelo. Tive uma importância muito próxima dentro da área do Judiciário. Assim, também, como junto ao governo federal, junto às embaixadas. Eu tinha uma participação muito grande na área internacional do Estado do Amazonas, principalmente, no relacionando diplomático em Brasília. Era uma coisa que me encantava.

CENARIUM – Como o senhor avalia os parlamentares e empresários de outros estados que criam barreiras contra a manutenção e desenvolvimento do Polo Industrial de Manaus (PIM)?

MÁRIO DE MELLO – É assustador, isso é assustador. A imagem que se cria, é uma pedrinha de dominó que vai se multiplicando. A cada momento, você tem que falar o que é a Zona Franca. As pessoas pensam que aqui é um grande buraco negro. (Eles) não têm ideia do que isso representa para o Estado do Amazonas e, principalmente, para o Brasil. A preservação da nossa floresta devemos, um dos fatores primordiais, à nossa Zona Franca.

CENARIUM – O Judiciário de Brasília parece, também, ter suas restrições ao modelo econômico do PIM, tanto que foi necessária uma intensa atuação da bancada do Amazonas para convencê-los da importância da Zona Franca de Manaus, no último julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), no processo do Polo de Concentrados em 2019…

MÁRIO DE MELLO – É incrível, mas hoje, o Supremo já tem uma outra visão, já tem uma conscientização da importância disso. Então, eu acho que no principal tribunal, na mais alta Corte, que é o Supremo Tribunal Federal, já há um entendimento consolidado com relação à Zona Franca. Cada vez é uma história diferente, cada vez que elege um novo presidente é uma guerra. Mas com todo respeito à São Paulo, mas São Paulo sempre foi uma “pessoa” que nunca encarou a Zona Franca como uma coisa positiva. Parece até ciúmes, não consigo entender…

CENARIUM – Falando em STF, o senhor tem parentesco com um dos membros da Corte.

MÁRIO DE MELLO – Sim, sou primo-irmão do ministro Marco Aurélio de Mello. Somos muito próximos. Meu pai é irmão do pai dele. Temos uma relação muito próxima, de muita admiração. Criamos nossa história ao longo de muitos anos, e ele é uma pessoa que eu tento me espelhar, porque ele é um grande cidadão. Uma das coisas que eu mais admiro do Marco Aurélio, além dele ser um bom juiz, é que o processo para ele não tem capa, e verdadeiramente não tem capa. Ele não é passional, ele consegue ser um juiz que julga verdadeiramente com o conteúdo do processo.

CENARIUM – A relação com o ministro Marco Aurélio pode ter ajudado na sua escolha para compor a Corte do Tribunal de Contas, em 2015, ou não teve nenhuma influência?

MÁRIO DE MELLO – O Marco Aurélio me ajudou muito. Ele sempre foi uma pessoa que teve muito carinho pelo Estado do Amazonas, sabe da minha história do estado.

CENARIUM – Ele foi um dos “cabos eleitorais” na corrida para ser conselheiro do TCE?

MÁRIO DE MELLO – Isso não, ele não foi um cabo eleitoral! Ele sempre foi uma pessoa que torceu para que esse reconhecimento acontecesse. Depois de 26 anos, a Assembleia Legislativa do Estado indicou meu nome, porque sabia da minha bagagem, conheci os problemas do lado de lá, eu sempre vou dizer que a minha vida inteira eu fui “prego”; hoje, eu sou “martelo”. Então, eu consigo ter a visão dos dois lados e poderia ajudar o Estado, agora, sim, como “martelo”, no bom sentido, porque a minha visão é pedagógica, não é punitiva.

CENARIUM – Essa é uma pergunta que sempre se faz aos membros de órgãos fiscalizadores. Como conselheiro do TCE-AM, o senhor acumulou mais inimigos ou amigos?

MÁRIO DE MELLO – A minha linha é pedagógica: endurecer sem perder a ternura (pensamento do principal líder da Revolução Cubana, Ernesto Guevara – 1928-1967). Eu, indiscutivelmente, sempre fui o conciliador. Mas, gratidão não se paga com a toga, nem prescreve. Gratidão sim, pagar com a toga jamais. Então, você tem algumas inimizades, você contraria alguns interesses, é bem natural. Mas, continuo tendo grandes amigos, que me respeitam e entendem a função que eu exerço hoje e não ousam vir aqui pedir coisas que eu não possa atender.

CENARIUM – O senhor já foi muito procurado para acelerar ou “retardar” julgamento de processos?

MÁRIO DE MELLO – Muitas pessoas vêm aqui para fazer acompanhamento de algum tipo de processo e a gente tem a obrigação de dar informações. Afinal, essa Casa de Contas é uma Casa transparente, mas nunca me pediram nenhuma ilegalidade.

CENARIUM – Como conselheiro e, agora, presidente de um Tribunal de Contas já recebeu alguma proposta de suborno?

MÁRIO DE MELLO – Não, nunca, nunca abri esse espaço. Isso, jamais alguém esteve aqui para me oferecer. Nunca tiveram essa ousadia. Se tivessem, daria voz de prisão!

CENARIUM – Como lida com amigos que lhe pedem favores?

MÁRIO DE MELLO – Posso ou não posso! A minha metodologia é essa. O que estiver dentro da Lei, eu estou pronto a orientar, estou pronto a auxiliar, mas está fora disso, aí já fica uma coisa complicada. Tem uma situação muito interessante. Têm muitos prefeitos decentes, têm muitos prefeitos de bem, têm muitos prefeitos que têm capacidade, têm muitos prefeitos que não entendem o que é serviço público, que mistura “público com privado”, têm muitos prefeitos com capacidade técnica. E eu sempre tenho um pensamento, que inclusive foi feito por Ruy Barbosa, que diz o seguinte: “O chicote muda de mão, hoje, o chicote está na sua mão, você é um gestor, cuide deste chicote porque ele vai mudar de mão para o seu eleitor.”

CENARIUM – Falando de gestores públicos bons e ruins, o senhor já viu alguém, de fato, ser impedido de disputar uma eleição ou reeleição por conta da Lei da Ficha Lima?

MÁRIO DE MELLO – Já vi muitos. Políticos muito conhecidos, confesso que não.

CENARIUM – A Lei da Ficha Limpa pegou no Brasil ou ela é seletiva?

MÁRIO DE MELLO – Tivemos um grande passo. Eu acredito que vá
melhorar.

CENARIUM – Quando assumiu a presidência do Tribunal de Contas do Amazonas, o senhor falou em melhorar a tramitação dos processos. Como pretende fazer isso?

MÁRIO DE MELLO – Dentro de toda a legalidade, a nossa ideia é quebrar algumas etapas, essas diligências que chega a ser uma coisa absurda, que faz o processo ficar travado. Isso tudo nós estamos trabalhando para acabar com isso. Com todo respeito ao Ministério Público de Contas, é feito três ou quatro diligências em um assunto que já está muito claro. Aquilo ali atrasa um ano. Então, hoje, o foco nosso é isso para que a gente tenha mais agilidade.

CENARIUM – Nos primeiros meses na presidência do Tribunal de Contas, o que foi mais desafiador? Existe muita pressão política sobre a função?

Presidente do TCE, Mário de Mello

MÁRIO DE MELLO – Você tem uma alegria muito grande quando é
escolhido pelos colegas para presidir o Tribunal, mas depois você tem
flashes de alegria (risos). Só que pressão política não há, mas existe a
demanda da Casa, mesmo, para fazer todo o processo administrativo
fluir. Eu só tenho a dizer uma coisa: desafio eu sei que é muito grande.
Coragem eu tenho, e como tenho falado: tenho coragem de mamar em
onça. E estou com a certeza da minha responsabilidade. Sempre na
minha vida encontrei desafios e desafio é bom porque você se fortalece.

CENARIUM – A população tem ajudado o TCE-AM nas denúncias de ilegalidades nas gestões públicas do Estado?

MÁRIO DE MELLO – A verdade é que, hoje, o Brasil é outro. Eu digo pela nossa Ouvidoria do Tribunal de Contas. A demanda aumentou assustadoramente. O cidadão faz denúncia até no papel de pão. O tribunal transformou isso em processo e dá retorno ao cidadão. Hoje, se identificando ou não, ele (o povo) está completamente mais denunciativo. O cidadão está querendo denunciar, está preocupado. Nós temos o telefone e o WhatsApp, não precisa se identificar. É uma demanda grande, no interior também. Recebemos muitas denúncias nesse sentido. E todas são apuradas.

CENARIUM – Como o senhor avalia a gestão do governo federal?

MÁRIO DE MELLO – Acho que está iniciando, tem muito chão pela
frente, mas acabou a lua de mel com o povo brasileiro…

CENARIUM – O senhor foi da esquerda, votou na esquerda na última eleição para presidente do Brasil?

MÁRIO DE MELLO – (Risos) Eu não votei na esquerda. Votei naquele sentimento, indiscutivelmente, de querer mudar o País…

CENARIUM – Então, o senhor é decepcionado com a esquerda brasileira?

MÁRIO DE MELLO – Eu acredito na alternância de poder. Não posso ter mais ideologia política.

Mário de Melo recebeu abriu seu gabinete em entrevista à CENARIUM

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