MANAUS – Nessa quarta-feira, 28, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), por meio de suas redes sociais, compartilhou uma nota sobre a retificação feita pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em 9 de agosto de 2024, referente à portaria nº 6854 de 5 de dezembro de 2023. Essa portaria proíbe, por tempo indeterminado, o tráfego de veículos de carga com capacidade de peso bruto total combinado (PBTC) acima de 23 toneladas.
Veículos como caminhões trucados, reboques, semirreboques, rodotrem, bitrem e hexatrem estão proibidos de trafegar na área do Careiro, do Km 1 até o entroncamento com a BR-230, em direção a Humaitá, no Km 679,3. Essa medida foi tomada com o intuito de garantir um tráfego seguro, especialmente no que se refere ao transporte de passageiros e cargas, para atender às comunidades e cidades lindeiras da região.
É importante destacar que recomendações de restrições de carga já haviam sido feitas anteriormente pelo Dnit. O órgão já havia alertado que veículos pesados destruiriam o pavimento de trechos pavimentados e degradariam a estrutura da estrada, incluindo pontes. O solo da região é do tipo areno-argiloso, o que causa instabilidade no piso asfáltico, especialmente durante o período de chuvas, quando o lençol freático aflora. Devido a essas condições do terreno e à falta de viabilidade econômica, a rodovia, que foi inaugurada em 1976, deteriorou-se, tornando-se intrafegável de 1988 até 2015, quando foi iniciada a concessão de nova licença de manutenção durante o governo da presidenta Dilma Rousseff (PT).
A decisão do Dnit de fechar a rodovia para veículos de grande porte está alinhada com as recomendações e preocupações destacadas em estudos científicos. A queda de duas pontes na rodovia BR-319, ocorrida em 2022 devido ao tráfego de veículos de carga com peso bruto elevado, foi um evento previsto por especialistas no periódico científico Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems. O artigo intitulado “Enterrando a água e a biodiversidade através da construção de estradas no Brasil“, em tradução livre) alertou o Dnit sobre a incompatibilidade das obras planejadas para a recuperação da rodovia com as características geográficas da região. Esse estudo foi apresentado à liderança do órgão em 2021, durante audiências públicas realizadas em Manaus, que discutiram o Trecho do Meio da BR-319.
A queda das pontes ocorreu durante a seca, quando o tráfego na BR-319 aumentou significativamente. No entanto, imagens revelam que, durante o período chuvoso, a força da água, redirecionada pelo aterramento de Áreas de Proteção Permanente (APPs) nas cabeceiras das pontes, causou erosão ao redor das colunas de sustentação, levando ao colapso das estruturas. Segundo os autores do artigo esse tipo de problema não decorre do comportamento natural dos rios, mas sim do aterramento inadequado das APPs. O estudo destaca ainda que a prática comum de terraplenagem na Amazônia, especialmente em projetos como a revitalização da BR-319, está em desacordo com as melhores práticas ambientais e pode levar a sérios impactos estruturais e ecológicos.
Adicionalmente, durante o período da seca, o tráfego de veículos grandes aumenta na região, principalmente para o transporte de madeira retirada ilegalmente da floresta. Um estudo publicado no periódico Environmental Conservation, editado pela Universidade de Cambridge, destacou que a rodovia BR-319 concentra áreas de extração ilegal de madeira, o que tem contribuído para a degradação da floresta. O estudo também apontou para a conivência do governo estadual com essa prática ilegal, mencionando que fiscais do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM) chegaram a conceder licenças de manejo florestal para grileiros que não possuíam a titularidade da terra. De acordo com outro estudo publicado na Land Use Policy, esse tipo de crime ambiental é particularmente prevalente no trecho do meio da rodovia e ao sul do estado do Amazonas. Essa região também apresenta os maiores índices de queimadas, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A fumaça que paira sobre Manaus nos últimos dias tem sido trazida principalmente dessa área, devido a uma inversão no fluxo dos ventos provocada por uma frente fria no sudeste do Brasil.
Nesse contexto, a suspensão do tráfego de veículos grandes na rodovia é uma decisão acertada tanto do ponto de vista técnico quanto pelos impactos positivos na redução do desmatamento e, consequentemente, das queimadas que têm afetado diversos municípios da região, incluindo Manaus.
(*) Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde em sua tese avaliou as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas.
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