Em defesa do clima, Fórum das Águas do Amazonas se opõe à BR-319, à destruição de APPs e à exploração de petróleo


Por: Lucas Ferrante**

28 de outubro de 2024
Em defesa do clima, Fórum das Águas do Amazonas se opõe à BR-319, à destruição de APPs e à exploração de petróleo
Trecho da BR-319, no Amazonas (Ana Pastana/Cenarium)

MANAUS – O Fórum das Águas do Amazonas, uma aliança entre organizações, movimentos sociais, pesquisadores e cidadãos, surge como uma força de defesa dos recursos hídricos e do meio ambiente no Amazonas. Com o objetivo de influenciar políticas públicas e alertar a sociedade, o Fórum tem se posicionado contra grandes empreendimentos que ameaçam a floresta e o clima, como a construção de rodovias, a exploração de petróleo e a destruição de Áreas de Preservação Permanente (APPs). Em um momento crítico para o futuro da Amazônia, o grupo articula discussões e mobiliza ações para proteger os ecossistemas amazônicos e os modos de vida das populações tradicionais e indígenas que dependem diretamente dessas áreas para sua sobrevivência e cultura.

Neste mês de outubro, o Fórum das Águas do Amazonas divulgou uma carta aberta dirigida aos tomadores de decisão, pedindo a reversão de grandes projetos na região amazônica, como a rodovia BR-319, para mitigar a crise climática e preservar os ciclos hidrológicos essenciais da Amazônia e da América do Sul.

Veja a carta na íntegra:

Carta do Fórum das Águas do Amazonas à Sociedade e Tomadores de Decisão

A Amazônia e o Pantanal, biomas essenciais à vida do planeta, estão à beira do colapso. As regiões sofrem impactos devastadores sobre a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos e as populações humanas, especialmente entre os grupos sociais mais vulneráveis. Dados recentes do MapBiomas revelam uma retração alarmante na superfície de água desses biomas. A Amazônia, que concentra mais da metade da água superficial do Brasil, perdeu 3,3 milhões de hectares de superfície de água em 2023, em comparação ao ano anterior. O Pantanal, por sua vez, enfrenta uma das piores secas da história, com uma redução de 61% da sua superfície de água em relação à média histórica, resultando em apenas 2,6% de seu território coberto por água.

A perda dramática de água está diretamente ligada a políticas e agendas antiambientais que produzem desmatamento e queimada em larga escala e intensificam o avanço das mudanças climáticas. Neste momento, milhares estão em busca de socorro médico para respirar melhor, reduzir tosse, irritação na garganta e nos olhos ou se automedicam, pessoas com comorbidades têm risco de morte aumentado. Outras milhares de famílias estão isoladas sem acesso água e a alimentos (a não ser aquilo que chega por alguma ação de apoio); peixes e botos morrem por falta de água e de oxigênio; o cotidiano de comunidades ribeirinhas e dos povos indígenas está profundamente alterado, provoca adoecimento e transtorno mental; escolas fechadas, ciclo de ensino completamente desajustado; e territórios invadidos por grileiros, madeireiros, narcotraficantes.

Diante desse cenário, lideranças políticas e empresariais defendem a pavimentação da rodovia federal BR-319 ligando Porto Velho-RO no “famigerado arco do desmatamento” até Manaus-AM na Amazônia central, poderia resolver o problema do isolamento dessas comunidades, especialmente em períodos de seca. No entanto, os dados mostram o contrário. Os municípios mais afetados pela seca não são acessados pela rodovia, enquanto os municípios ligados pela BR-319 apresentam os maiores índices de degradação florestal, desmatamento e queimadas, agravando ainda mais a crise climática. A pavimentação dessa rodovia, citada em revistas científicas renomadas como Science, Nature e The Lancet, é identificada como um fator que impulsiona o desmatamento e degradação florestal e conduz a Amazônia além do ponto de não retorno de desmatamento tolerado.

A crise atual não se restringe a um único ecossistema. Estudos apontam que a pavimentação da rodovia BR-319 e o desmonte das políticas de proteção às Áreas de Preservação Permanentes (APPs) comprometem o funcionamento dos serviços ecossistêmicos conhecidos como “rios voadores” – correntes de ar que transportam a umidade da Amazônia para outras regiões do Brasil e da América do Sul. Sem essa umidade, regiões do sul e sudeste do Brasil enfrentarão secas ainda mais severas, com o colapso dos sistemas agrícolas que dependem dessas chuvas. A recente mobilidade de fumaça produzida nos incêndios da região norte para o sudeste e sul bem demonstram essa realidade. O abastecimento de água nas áreas mais populosas do Brasil, como o sistema Cantareira, também estaria seriamente comprometido com estas medidas, ameaçando o abastecimento humano diretamente.

É fato, e muito bem documentado, que este empreendimento compromete a agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com os quais o Brasil está comprometido, como erradicação da pobreza, fome zero e agricultura sustentável, saúde e bem-estar, educação de qualidade, pública e gratuita, acesso à água potável e saneamento, trabalho digno e crescimento econômico e energia acessível e limpa.

De forma vil e perigosa e em meio a maior crise hídrica do Brasil, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, aprovou o Projeto de Lei (PL) 2168/2021que classifica obras de irrigação e dessedentação animal como de utilidade pública, permitindo sua realização em Áreas de Preservação Permanentes (APPs). Essa medida prejudicaria a vegetação nativa e cursos d’água protegidos, essenciais para manutenção dos recursos hídricos, serviços ecossistêmicos e biodiversidade. Destruir essas áreas em prol do agronegócio, durante a pior seca já registrada, é um grave erro, e hoje os incêndios intencionais já se espalham nestes remanescentes de floresta.

A rodovia BR-319 é lança que abre caminho para o desmatamento na Amazônia, que, por meio da evapotranspiração e dos rios voadores, mantém os ciclos hidrológicos do Brasil, assim como o coração bombeia o sangue para todo o corpo. Hoje, esse sistema vital está perfurado, espalhando fumaça por outras regiões do país. Já a destruição das APPs seria como uma leucemia que ataca o sistema circulatório das águas, eliminando as fontes de produção, que são as nascentes preservadas pelas APPs. É crucial que os governantes reavaliem a maneira como têm tratado essas questões urgentes. Estes empreendimentos asfixiam a população pela fumaça das queimadas, além de asfixiar o modo de vida das populações mais vulneráveis, pela expansão da grilagem e pistolagem em áreas de uso tradicional.

Os grandes projetos amazônicos têm priorizado a expansão do mercado capitalista e a produção de commodities para exportação, gerando elevados custos ambientais, sociais e culturais. O Estado tem investido na exploração de recursos naturais, promovendo atividades como mineração, exploração de petróleo e gás, pecuária, agronegócio e produção hidrelétrica, que causam impactos severos às comunidades tradicionais e ao clima, agravando secas prolongadas, elevação de temperaturas, poluição e escassez de água. Para mitigar esses efeitos, é essencial criar economias solidárias e de baixo impacto ambiental, alinhadas aos ciclos da natureza. As políticas atuais representam um ataque direto à segurança hídrica, alimentar e climática do Brasil.

É urgente fechar a BR-319, revogar o PL 2168/2021, reestatizar os serviços de água e esgoto de Manaus, e combater políticas antiambientais que ameaçam ecossistemas e a soberania nacional, colocando milhões de vidas em risco.

Fórum das Águas do Amazonas 

Instituições que compõe o Fórum das Águas do Amazonas:

  1. Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana – (ARATRAMA)
  2. Articulação de Mulheres do Amazonas – (AMA)
  3. Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé – (ATB)
  4. Associação do Conj. Habitacional Flamanal
  5. CEBs regional Norte 1
  6. Coletivo de Mulheres da Educação
  7. Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu – (CBHTA)
  8. Conselho de Leigos e Leigas da Arquidiocese de Manaus
  9. Equipe Itinerante
  10. Escola Municipal Francisca Nunes
  11. Fórum Permanente das Mulheres de Manaus
  12. Instituto Amazônico de Cidadania
  13. Instituto Sumaúma
  14. Levante Popular da Juventude
  15. Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia
  16. Movimento Cultufuturista da Amazônia
  17. Movimento de Mulheres Negras da Floresta – Dandara
  18. Movimento Nacional de Luta pela Moradia – (MNLM)
  19. Movimento Salve o Mindu da Universidade do Estado do Amazonas – (UEA)
  20. Movimento Socioambiental SOS Encontro das Águas
  21. Parque Municipal Nascente do Mindu
  22. Pastoral da Criança da Arquidiocese de Manaus
  23. Rede um grito pela vida
  24. Remada Ambiental
  25. Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – (SARES)
  26. Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas
  27. Todos Pelo o Gigante
  28. União Nacional por Moradia Popular – (UNMP)
(*) Lucas Ferrante possui formação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Mestrado e Doutorado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), onde em sua tese avaliou as mudanças contemporâneas da Amazônia, dinâmicas epidemiológicas, impactos sobre os povos indígenas e mudanças climáticas e seus efeitos sobre a biodiversidade e pessoas.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.

O que você achou deste conteúdo?

VOLTAR PARA O TOPO
Visão Geral de Privacidade

Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.