Em Manaus, arqueólogos discutem formação da Amazônia
Por: Letícia Misna
22 de outubro de 2024
MANAUS (AM) – Dezenas de arqueólogos do Brasil e de fora do País se reuniram no Museu da Amazônia (Musa) para o Primeiro Encontro do Projeto Amazônia Revelada em Manaus. O evento teve como objetivo discutir e mostrar para a comunidade acadêmica e à sociedade os resultados preliminares de pesquisas que revelam a história de composição da região e dos povos amazônicos.
Com diversas atividades, exposições, ciclos de palestras e conversas, o evento iniciou na sexta-feira, 18, e terminou nesta segunda-feira, 21. Além dos pesquisadores, participaram também os integrantes de comunidades tradicionais da Amazônia, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos.
À CENARIUM, o coordenador do Amazônia Revelada, arqueólogo Eduardo Neves, falou sobre o uso da tecnologia LiDAR, que vem do inglês Light Detection and Ranging, (ou “Detecção e alcance de luz” em tradução livre). A ferramenta foi usada em pesquisas arqueológicas na região amazônica e com os povos que aqui habitam, especialmente no Sul do Amazonas, no Acre, em Rondônia, e em áreas do Pará como Tapajós, Terra do Meio e a Ilha do Marajó.

“[O LiDAR] é uma espécie de radar que permite que a gente veja sítios arqueológicos localizados em áreas que são hoje cobertas por florestas. E esses sítios que a gente tem mapeado estão em territórios tradicionais, de povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas. E o que a gente tá fazendo aqui agora é apresentar para os moradores desses territórios os resultados preliminares do nosso projeto, discutir os impactos desses achados, em termos da proteção desses territórios que estão muito ameaçados”, explicou o professor da Universidade de São Paulo (USP), Eduardo Neves.

Eduardo, que trabalhou em Manaus por mais de 20 anos fazendo mapeamento e escavação em sítios arqueológicos, ressaltou que o encontro também busca pensar novas estratégias para ampliar o projeto de pesquisa na região amazônica. “Ampliar a nossa capacidade de fazer essas parcerias com as populações locais usando a arqueologia como uma ferramenta pra gente conhecer melhor o passado aqui do Brasil e da Amazônia”, afirmou.

História, não pré-história
O pesquisador também defendeu a arqueologia como uma das ferramentas principais para conhecer e entender a Amazônia. “Ela traz essa dimensão da profundidade da presença indígena aqui. Ela destrói aquela ideia de que havia uma ‘pré-história’ aqui, na verdade, a gente tem uma grande história profunda indígena que tem milhares de anos de duração”, disse.
Segundo ele, atualmente o mundo está interessado em saber mais sobre a arqueologia amazônica, uma vez que a região é um dos lugares mais atrativos para esse tipo de pesquisa. Para o pesquisador, a história dos povos originários pode ser entendida a partir da arqueologia.
“Há 30 anos se achava que nunca tinha nada para ser estudado aqui, pouca gente vivendo no passado, poucos vestígios que merecessem ser estudados, e o que a gente tem mostrado é que essa ideia tá totalmente errada, na verdade, que tem muita coisa por toda a parte e que tem um registro muito bonito da história dos povos indígenas que pode ser entendida a partir da arqueologia”, contou.
Políticas patrimonial e indigenista
O encontro também foi palco para o lançamento do livro “Política Patrimonial e Política Indigenista: A proteção jurídica aos lugares sagrados e sepultamentos indígenas”, escrito pelos pesquisadores Bruna Rocha, professora de Arqueologia na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), e Rodrigo Oliveira, doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UNB).
“O livro surge muito de uma demanda de diversos povos no Estado do Pará, pra proteção de lugares sagrados, cemitérios, e outros lugares significativos. Então, sem dúvida nenhuma, a demarcação da terra desses povos é a principal forma de proteção desses espaços, dessas paisagens. No entanto, existem lugares sagrados e cemitérios que estão fora de áreas demarcadas, de áreas reivindicadas, e que é importante se pensar instrumentos jurídicos pra que a gente possa proteger essas paisagens, sobretudo considerando que a gente tem um histórico de destruição”, explicou Rodrigo.
Bruna destacou que esses lugares sagrados são invisibilizados pelo Estado, e que a maioria dos patrimônios tombados pelo governo federal são de herança europeia. “Igrejas, construções arquitetônicas, que normalmente estão em centros urbanos”.

“Mas esses lugares [indígenas] merecem o mesmo tipo de atenção, reconhecimento e cuidado. Não é o que a gente tem visto (…). Pra existir uma democracia plena, esse tipo de violação precisa parar e a gente espera que o livro tenha um papel nesse sentido”, disse.
A obra está disponível gratuitamente, online, e pode ser baixada clicando aqui.

Novas exposições
Em meio ao evento, o Musa vai ganhar duas novas exposições em suas instalações. A primeira, de longa duração, chama-se “Arqueologia na Floresta” e vai levar o público a uma viagem no tempo, mostrando vestígios de indígenas que viveram na Amazônia há pelo menos 12 mil anos. Entre os destaques estarão:
- Oito vitrines com artefatos indígenas antigos, como instrumentos de pedra lascada e polida.
- Cerâmicas decoradas de diversas tradições culturais.
- Peças históricas como azulejos e garrafas de grés.
Já a segunda mostra, de curta duração, é a “Amazônia Revelada”, que vai deixar exposto, com o auxílio de 20 painéis explicativos, os resultados das pesquisas feitas pelo projeto, que é financiado pela National Geographic Society.

O Museu da Amazônia está localizado na Avenida Margarita, bairro Cidade de Deus, Zona Leste de Manaus. O funcionamento ocorre diariamente, de 8h30 às 17h, com entrada permitida até as 16h. Às quartas-feiras, o local fica fechado para manutenção.
Crianças de até 5 anos, membros de comunidades tradicionais amazônicas, pessoas com deficiência e grupos de instituições públicas (mediante agendamento) têm direito a gratuidade.
Os ingressos gerais custam R$ 40, com desconto de 50% (mediante comprovação) para moradores de Manaus, idosos brasileiros acima de 60 anos, estudantes, professores e acompanhantes de pessoas com deficiência. Aos sábados e domingos, manauaras pagam apenas R$ 10 – sendo obrigatória a apresentação de documento de identidade ou comprovante de residência.
Assista à reportagem: