Em movimento de resistência pelo meio ambiente, indígenas ‘abordam’ balsas no Rio Tapajós

A abordagem alerta para a contaminação dos rios com resíduos no transporte de cargas. (João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

João Paulo Guimarães – Da Revista Cenarium

SANTARÉM – Amanheceu no Rio Tapajós e estamos a seis horas de Santarém e Alter do Chão. O Sol ilumina as águas azuis do rio que reflete o céu e começa no Mato Grosso, banha quase todo o Pará e vai desaguar no Rio Amazonas. São mais de 1.900 quilômetros de comprimento, uma anaconda.

Mas o Tapajós está morrendo. Suas águas contaminadas de metilmercúrio, barro, mercúrio, cianeto, sabões, detergentes, graxas e combustíveis já chegaram a Santarém. O Tapajós pede ajuda aos encantados, espíritos da floresta e das águas. As etnias Tupinambá, Arapiuns, Kumaruara e Borari atendem. 

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(João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

O grito surara

Somos acordados de nossas redes com o som das maracas na beira da praia. As lideranças gritam “Surara” e o chamado é respondido pelos Surara (guerreiros). Eles se organizam em suas lanchas e bajaras (canoas de madeira com motor). “Surara” eles gritam. São altos e empolgantes os gritos dos guerreiros pintados de jenipapo, urucum e vestindo seus cocares.

A abordagem às balsas que cruzam os rios Tapajós e Arapiuns com madeira ilegal e soja, despejando óleo e resíduos no transporte dessas cargas, vai começar. Tudo na preparação que parece uma festa, mas a aparência de celebração é para minimizar a gravidade da ação de abordagem dessas balsas que carregam tesouros dos rios e florestas ancestrais.

(João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

O início da resistência

Há três anos os Tupinambá do Baixo Tapajós deram início a uma manifestação que está se tornando cada vez mais forte e uma tradição. A abordagen de balsas carregando soja, pedras, seixo, cimento e madeira. A ação que este ano contou com 4 barcos com os povos ancestrais, duas lanchas e duas bajaras, conseguiu abordar várias  dessas balsas, inclusive uma balsa com toras de madeira.

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Uma das balsas pertence à empresa americana do Estado de Iowa, Cargill de Santarém que transporta soja. A balsa é abordada pelas embarcações e o Cacique Braz Tupinambá avisa pelo rádio que a manifestação é pacífica e pede para que a Balsa Tucunaré pare para que os indígenas possam expressar seus desejos de respeito pelos povos e pelo rio, mas o comandante da balsa ignora desrespeitando o Cacique e acelera fugindo.

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A ação se torna perigosa e seu Braz Tupinambá pede que recuem. “A gente não pode botar em risco nem a vida deles e nem a nossa, mesmo que a nossa vida já esteja em risco”, diz ele. A soja enriquece, contamina, expulsa e adoece.

(João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

A balsa transporta soja, uma das cargas mais valiosas do agronegócio. Valiosa para os fazendeiros, mas perigosa e venenosa para os povos que dependem dos rios, de sua água, da pesca e da caça. A soja é produzida de uma forma que afasta os nativos de suas comunidades abrindo espaço para o plantio.

(João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

Quando é feito o plantio, são despejados agrotóxicos no terreno por pulverização. O agrotóxico fixa no solo e quando a chuva cai, o veneno vai parar nos rios, lagos e igarapés contaminando peixes e toda cadeia alimentar. Quando os nativos consomem o peixe, a contaminação é direta.

Consequências do Agro

  • Compactação e impermeabilização dos solos pelo uso intensivo de máquinas agrícolas
  • Erosão
  • Contaminação por agrotóxicos nas águas, alimentos e animais
  • Impactos detrimentais da retirada da vegetação nativa de áreas contínuas extensas
  • Assoreamento de rios e reservatórios
  • Aparecimento de novas pragas ou aumento de pragas já conhecidas
  • Risco à sobrevivência de espécies vegetais e animais
  • Perda de habitat natural devido à expansão agrícola
  • Queimadas
(João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

Nova abordagem

Os indígenas não desistem e partem para uma nova abordagem. Agora o alvo é a Balsa Acapu da CNA de Manaus transportando petróleo. Cacique Braz, respeitosamente, avisa pelo rádio que haverá uma intervenção pacífica na balsa manauara.

O Comandante assente com respeito. Rodeado por embarcações com as etnias entoando canções ancestrais, os Cari (brancos) permitem que os indígenas possam subir e finalmente soltar seus clamores por igualdade e respeito pela nação Tupinambá e por todos os indígenas como uma só nação, sucesso.

(João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

A primeira abordagem traz mais força e faz com que os Suraras avancem mais uma vez no Rio Tapajós agora contra uma balsa de cimento. O rio fica mais agressivo à medida que nos aproximamos da balsa e a bajara (canoa de madeira com motor) pode virar a qualquer momento. É a briga de Davi contra Golias.

A bajara começa a fazer água dentro e bate várias vezes contra a balsa de metal. Uma das tripulantes, Raquel Kumaruara, já sofreu um naufrágio e precisou lutar pela vida por cinco horas na água esperando o socorro chegar.

(João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

Ela sabe do perigo que é estar tão perto assim da balsa. Se a bajara quebrar, todos serão sugados para debaixo da balsa e pronto. Acabou. Não há volta daí. É importante entender que essas balsas são na verdade três e até seis balsas atracadas, juntas uma à outra, sendo empurradas pelo rio. A velocidade média chega a 40 km/h ou mais.

Finalmente, depois de muita luta contra a marola do rio, os indígenas conseguem mais uma vez subir. Nossos pés, molhados,
se misturam com cimento criando uma lama escorregadia. Mais perigo.

(João Paulo Guimarães/Revista Cenarium)

Faixas de resistência são estendidas mais uma vez. “mulheres indígenas. nosso corpo. nosso território. nosso espírito. “Pelo rádio ouvimos a voz do Cacique Braz que avisa que a missão foi cumprida. Vamos retornar às bajaras. A batalha ainda não terminou para os indígenas. Ao voltar para o rio, enquanto expulsamos a água da bajara
apenas com uma cuia, vemos no horizonte um dragão chegando. E ele se alimenta de madeira.

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