Em Porto Alegre, vereadores aprovam proibição de linguagem neutra em sala de aula

Secretaria de Educação diz concordar com projeto, que ainda depende da análise do prefeito (Reprodução)

Com informações da Folhapress

PORTO ALEGRE – Por 20 votos a 11, os vereadores de Porto Alegre aprovaram um projeto de lei que proíbe o uso de linguagem neutra nas escolas municipais e na administração municipal. A tramitação do projeto de lei no Legislativo ignorou parecer prévio da Procuradoria da Câmara Municipal que o considerou inconstitucional.

O texto é contestado, ainda, por um linguista citado, nominalmente, em sua justificativa e, agora, será submetido ao prefeito Sebastião Melo (MDB). Se sancionado, deverá ser regulamentado. A prefeitura já afirmou que “concorda com a aprovação”.

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A Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre emitiu nota em que declara que “concorda com a aprovação do projeto de lei que veta uso da linguagem neutra no município” e ressalta “a importância de seguir as normativas definidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que norteia os currículos dos sistemas e redes de ensino do País”.

O texto aprovado é de autoria de Fernanda Barth (PSC), vereadora que presidia a Comissão de Educação, Cultura, Esporte e Juventude quando o projeto foi proposto, em conjunto com outros seis vereadores. Segundo ela, a iniciativa se deu após “várias reclamações e pedidos de ajuda feitos por pais de alunos” a ela e demais vereadores.

“Sabemos que a língua é algo dinâmico e o projeto não tem a pretensão de impedir isto, mas entendemos que, na sala de aula, os professores devem primar pelo uso correto da língua portuguesa, como já previsto em lei”, diz Fernanda.

A vereadora argumenta, ainda, que a linguagem neutra “é um dialeto” e pode trazer dificuldade de compreensão para crianças “autistas, disléxicas ou com algum outro problema de aprendizado”.

O projeto

Proposto em agosto de 2021, o projeto deu andamento a uma polêmica trazida ao Legislativo, após a mãe de um aluno do sexto ano do ensino fundamental, de uma escola municipal, reclamar de três materiais didáticos da disciplina de história e geografia. Neles, enunciados se referiam aos estudantes como “alunes” e “queridxs alunxs”.

Em novembro de 2021, o projeto recebeu parecer prévio de inconstitucionalidade pela Procuradoria-Geral da Câmara. O documento cita quatro processos em que o Judiciário observou ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo.

Porém, a Procuradoria não observou problemas na competência do município em abordar o assunto.

Embora ressalte que compete ao governo federal “legislar, privativamente, sobre as diretrizes e bases da educação nacional”, a Procuradoria entendeu que o município poderia agir de forma complementar, desde que respeitadas “as diretrizes e bases nacionais”.

Apesar do parecer, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal, por cinco votos a dois.

“Na minha opinião, perdemos dois dias de trabalho debatendo um projeto inconstitucional, enquanto temos escolas municipais com goteiras sobre as cabeças dos alunos e outras fazendo paralisações por falta de professor”, diz o vereador Jonas Reis (PT).

“Sobre o tema do projeto em si, deveríamos respeitar a diversidade e a pluralidade e o desejo de nomeação das pessoas, em vez de proibir isso”, acrescenta ele.

O projeto também é contestado por um dos autores citados em sua justificativa, o professor de linguística da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Luiz Carlos Schwindt.

Autor em 2015 de um texto sobre “distinção entre gênero social e gramatical na língua portuguesa”, referenciado no projeto, Schwindt diz que os vereadores interpretam seu texto de forma “totalmente equivocada”.

“A questão de gênero na língua não é uma questão fechada. Não só de gênero neutro, mas de um uso inclusivo de gênero. Marcar profissões no feminino, como ‘presidenta’, é um exemplo disso. Pessoas não binárias em busca de uma designação mais condizente com o seu gênero, como seria o caso de ‘alunes’, se trata de um uso por demanda social”, diz Schwindt.

O professor vê na nova lei um “argumento de liberdade para o cerceamento da liberdade”:

“A mudança na língua não é uma coisa automática. Daqui a cem anos pode virar uma norma, estar no dicionário, mas a língua está mudando constantemente. Proibir que uma escola discuta isso não facilita o aprendizado da norma culta, apenas impede os alunos de terem em mente questões de gênero e de debaterem os diversos usos que uma língua pode ter”.

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