Em Rondônia, lei diminuiu Unidades de Conservação da Amazônia em quase 220 mil hectares

Reserva Extrativista Jaci-Paraná, ardendo em fogo, em Porto Velho (Christian Braga/Greenpeace/Reprodução)
Iury Lima – Da revista Cenarium

VILHENA (RO) – Duas Unidades de Conservação (UCs) da Amazônia estão agora ameaçadas por conta de um decreto do Governo de Rondônia que decidiu diminuir 219 mil hectares dos territórios da Reserva extrativista Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim. Em entrevista nessa sexta-feira, 21, especialistas avaliam a decisão e o impacto dele à biodiversidade e à existência dos povos indígenas que habitam as reservas.

As duas áreas de conservação estão entre as mais devastadas do país. O parque estadual, que percorre os municípios de Guajará-Mirim e Nova Mamoré, ocupa a 9ª posição desta categoria em todo o Brasil. Com a redução, restaram apenas 166 mil hectares. Já a reserva extrativista, entre Porto Velho, Nova Mamoré e Buritis, perdeu 88% de seu território, limitando-se a apenas 22 mil hectares de corredor de matas ciliares em torno dos rios Jaci e Rio branco, sendo a 2ª que mais sofre na Amazônia Legal.

Reserva Extrativista Jaci-Paraná, reduzida a 22 mil hectares. (Reprodução)

A Lei Complementar nº 1.089/2021 entrou em edição extra do Diário Oficial do Estado (DOE) de Rondônia, na noite de quinta-feira, 20, último prazo que o governador Coronel Marcos Rocha (sem partido) tinha para sancioná-la. Esta é a maior redução de UCs – espaços territoriais delimitados, com recursos ambientais característicos que os tornam únicos e protegidos pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), já aprovada por algum Estado da federação.

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Impactos

Ambientalistas, juristas e entidades de defesa do meio ambiente consideram que o governo não protegeu a natureza ao aprovar a redução sem nenhum estudo ou consulta às comunidades, órgãos e população indígena. “Praticamente impossível calcular os impactos da lei sancionada para a biodiversidade e os direitos humanos dos povos indígenas”, explica o conselheiro da Associação de Defesa Etnoambiental (Kanindé), Edjales Benicio. 

“Chego a até dizer que o Estado Brasileiro corre o risco de cometer etnocídio ou genocídio. No caso do Parque estadual de Guajará Mirim e da Resex de Jaci-Paraná, elas, junto com as terras indígenas, formam um grande corredor etnoambiental que protege as terras indígenas e protege os próprios indígenas em situação de isolamento voluntário. Isso apenas visa beneficiar grileiros, ou seja, beneficiar quem comete crime ambiental em áreas públicas na Amazônia brasileira”, explica Benicio.

Flagrante de invasão à Terra Indígena Karipuna, em 2019. (Chico Batata/Greenpeace/Reprodução)

No início do maio, o povo Karipuna – que vive em situação de iminente genocídio e que totaliza hoje, uma população de apenas 60 pessoas, entrou na Justiça Federal contra a União, o Estado de Rondônia e a Fundação Nacional do Índio (Funai) para garantir proteção do território contra madeireiros e grileiros.

A Associação Kanindé também ingressou com uma representação destinada ao Ministério Público Federal (MPF). A entidade busca a identificação e a responsabilização dos infratores, além de apontar a inconstitucionalidade da lei sancionada pelo governador. “Esse retrocesso também abrirá precedentes para mais invasões do nosso território, que há muito tempo, nós, Karipuna, estávamos protegendo”, desabafa o líder indígena Adriano Karipuna. 

“A lei complementar  é flagrantemente inconstitucional, uma vez que existem regras para a criação e para a extinção das Unidades de Conservação. Essas regras não foram observadas. Isso compromete o atributo de criação dessas unidades, bem como afeta, direta e gravemente, as populações indígenas que habitam aquela região”, afirma o advogado da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Ramires Andrade.

Agora chamada de reserva, a Fazenda Pau D’Óleo, após ter sido tomada pelo pasto, está abandonada. Lá, funcionava a criação de gado de búfalo. “O Instituto da Compensação Ambiental só é aplicado quando se tem impacto de atividades econômicas na natureza, podendo ser reversíveis ou irreversíveis. Não é o caso. Até porque as regiões são totalmente distintas e com funções ambientais também distintas. Não tem fundamentação, tanto do ponto de vista legal quanto do ponto de vista técnico para justificar a redução de Unidades de Conservação em lugar nenhum do Brasil e do mundo”, finaliza o Tecnólogo em Gestão Ambiental, Edjales Benicio. 

Unidades de Conservação

Na tentativa de compensar a medida, o Governo de Rondônia comunicou a aprovação de outras cinco Unidades de Conservação:

– Parque Estadual Ilha das Flores (em Alta Floresta D’Oeste – 89.789 hectares);

– Parque Estadual Abaitará (em Pimenta Bueno – 152,0003 hectares);

– Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bom Jardim (em Porto Velho – 1.678,4981 hectares);

– Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro (em São Francisco do Guaporé – 18.020,31 hectares); e

– Reserva de Fauna Pau D’óleo (em São Francisco do Guaporé – 10.463,8200 hectares).

Sem recuperação

Em nota, o Governo do Estado de Rondônia afirmou que muitas Unidades de Conservação já estavam muito afetadas e apesar de várias tentativas, não era mais possível recuperá-la. “Elas já vinham sendo habitadas e utilizadas como áreas produtivas. E o que o governo fez, foi reconhecer essas populações tradicionais ou não, que vivem nessas regiões há mais de 20 anos”, completa a publicação.

Reportagem

A reportagem da REVISTA CENARIUM, em parceria com a TV Cultura, deu destaque para a notícia que chocou ambientalistas, entidades e lideranças indígenas.

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