Em Rondônia, manifestantes hostilizam jornalistas e impedem cobertura com intimidações e ameaças

Só nesta semana, foram pelo menos três episódios contra duas equipes, a da TV Allamanda, afiliada do SBT, e da Rede Amazônica, da TV Globo (Thiago Alencar/CENARIUM)
Iury Lima – Da revista Cenarium

VILHENA (RO) –  Profissionais da imprensa da capital Porto Velho e do interior de Rondônia estão sendo impedidos de realizar o trabalho de cobertura das manifestações de caminhoneiros e eleitores da extrema-direita inconformados com a derrota de Jair Messias Bolsonaro (PL) no 2° turno. Aos gritos de “petista“, “lixo” e outras ofensas, as equipes de reportagem encaram ameaças de linchamento público e são obrigadas a sair dos trechos bloqueados em rodovias federais do Estado, com hostilidade e até agressões.

Só nesta semana, foram pelo menos três episódios contra duas equipes, a da TV Allamanda, afiliada do SBT, na cidade de Cacoal, a quase 500 quilômetros de Porto Velho, e da Rede Amazônica, da TV Globo, na capital.

PRF diz que bloqueio em Vilhena (RO) é o último da lista a ser desfeito em Rondônia (Maison Bertoncello/CENARIUM)

Ataques à imprensa

A Coordenadora de Jornalismo da TV Allamanda de Cacoal, Leir Freitas, contou à CENARIUM como se sentiu na manhã desta sexta-feira, 4, ao reportar, ao vivo, a dispersão da BR-364, realizada pela polícia, na cidade. 

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Por lá, o movimento começou a perder força depois que a rodovia foi liberada. Mesmo assim, manifestantes permaneciam nas proximidades da estrada, enquanto o trânsito seguia normalmente. Eles ficaram insatisfeitos com a reportagem da jornalista que falava sobre como acontecia a liberação da via. Segundo Freitas, os opositores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) queriam que ela convocasse o povo para ir às ruas ao invés de reportar os fatos.

_”Eu defendo a imprensa imparcial. Jamais vou incitar a nada”, disse Leir Freitas. “A imprensa está trabalhando. Eles não têm que saber em quem a gente vota ou deixa de votar (…) Nós temos liberdade de acesso à informação, nós temos o direito de ir e vir. Nós estamos num País democrático. Na luta pelos direitos, não podemos ferir o direito do outro”, acrescentou.

Manifestantes expulsam equipe de reportagem da TV Allamanda aos gritos, em Cacoal (RO) (Leir Freitas/Reprodução)

No vídeo acima, feito por manifestantes que hostilizaram a jornalista e o cinegrafista Higor Vergilato, apoiadores de Bolsonaro expulsam a equipe de reportagem do local, aos gritos. “Fora, fora, fora!”, bradaram, aplaudindo a retirada dos profissionais da imprensa, em seguida.

“Me chamaram de comunista e eles nem sabem o que é isso“, lamentou Freitas.

Não é novidade

A reportagem da emissora afiliada ao SBT vem recebendo ataques gratuitos desde o início desta semana. Freitas disse à CENARIUM que só passou a ir para as pautas de rua depois que outro repórter da casa, Aroldo Tavares, foi hostilizado ao cobrir as manifestações.

Em um dos episódios, um empresário ficou revoltado ao ver o jornalista. O homem se diz patrocinador de um dos programas locais da emissora e que, por isso, não queria um “repórter petista” no local. Ele ameaçou retirar o contrato de mídia com a mesma, segundo Aroldo.

“Eu sou patrocinador desse programa e me mandam um repórter petista, aqui, para cobrir essas coisas [sic]. Que falta de respeito comigo“, grita o empresário em um grupo que cercava o repórter. 

“Vai acabar sendo linchado, aqui, ó [sic]”, diz um outro homem, no início do vídeo, que mostra a intimidação.

Jornalista de Cacoal (RO), Aroldo Tavares, sofre intimidação de eleitores da extrema-direita durante manifestações (Leir Freitas/Reprodução)

Tavares revela à reportagem que foi duas vezes, naquela segunda-feira, último dia 31, ao ponto de concentração dos manifestantes. Na primeira, logo pela manhã, ele e o cinegrafista fizeram imagens e procuraram por algum líder do movimento que pudesse dar entrevista e explicar os objetivos da paralisação, mas ninguém quis tomar à frente.

Ele retornou à BR-364 por volta do meio-dia, ainda em busca de uma entrevista para uma entrada ao vivo. Um conhecido indicou uma outra pessoa e, enquanto Aroldo combinava a participação em vídeo, foi intimidado por um tenente aposentado da Polícia Militar (PM).

“Ele gritou assim: “O que você está fazendo aqui? Eu sei que você é PT!“, detalhou Aroldo Tavares. “E ele começou a instigar o povo, que foi circulando e fazendo aquela roda, como se fossem me linchar. E todo mundo filmando com o celular“, continuou. 

O jornalista diz que apesar das intimidações, respondeu que estava apenas fazendo seu trabalho. E o policial aposentado respondeu que ninguém dali queria um “repórter petista”, ali. Foi nesse momento que o empresário, que aparece no vídeo, dono de uma rede de postos de combustíveis em Cacoal, chegou e comprou a briga, explica Aroldo.

Depois de muita discussão, os homens obrigaram o repórter a deixar a manifestação, também aos gritos. “Eu escutei assim: ‘Por que a gente não lincha ele agora? Vamos linchar ele!’. Então, parei, olhei para trás, e eles disfarçaram. A pessoa que falou isso disfarçou. Mas quem disse que era para linchar não foram os dois que me abordaram, foi uma dessas pessoas que me seguiram nesse percurso de cem metros até o carro“, contou. 

Tavares diz que se sentiu julgado, coagido e constrangido.“Nunca passei por isso na minha vida. Se eu continuasse ali, eu iria apanhar deles. Eles estavam enfurecidos, bem raivosos mesmo, e eu optei por ir embora“, declarou.

Ele afirmou que registrou Boletim de Ocorrência (B.O) e espera um resultado. “E quando foi hoje, aconteceu com a Leir. Sendo mulher e profissional. Ela estava cobrindo a manifestação e foi hostilizada. Por pouco não foi agredida. Foi vaiada e enxotada de lá, como eu fui enxotado“, lamentou.

“Eles querem impor o que a gente vai falar. Eles têm medo, na verdade, de que você fale alguma coisa que vai gerar a ideia de que eles estão diminuindo o volume nas pistas. Eles querem que a gente esteja do lado deles, apoiando a movimentação, independentemente da força policial que esteja lá“, repudiou. 

Repúdio

Em nota, a TV Allamanda – SBT disse que tem pautado suas equipes com imparcialidade, “dando voz e espaço para todos os lados, como funciona uma democracia”. Repudiou as agressões aos jornalistas constrangidos durante o exercício do trabalho e finalizou afirmando que, da mesma forma, cobra respeito aos seus profissionais “que estão amparados, legalmente, pela própria Constituição para o exercício da profissão“.

Em nota, a TV Allamanda – SBT repudia ataques a jornalistas do grupo de funcionários (Tv Allamanda/Reprodução)

Porto Velho

Também houve um ataque a jornalistas da capital Porto Velho, nesta sexta-feira. O repórter André Felipe e o cinegrafista Ruan Gabriel, da Rede Amazônica, afiliada da TV Globo, foram perseguidos por eleitores de Bolsonaro enquanto cobriam um bloqueio na Estrada do Belmont, Zona Norte da cidade.

Eles correram em direção ao carro da reportagem, onde se abrigaram de um grupo formado por, aproximadamente, dez homens. Um deles chutou uma das portas do veículo repetidas vezes. A Rede Amazônia informou que os jornalistas não tiveram ferimentos, mas que uma câmera utilizada pela equipe foi danificada. O carro passou por perícia e o caso foi registrado na Polícia Civil (PC) de Rondônia.

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) disse que não vai comentar o caso porque a estrada onde acontecia a manifestação não é de atribuição dos agentes.

O que diz o Sinjor

A diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Rondônia (Sinjor) chamou de “atos insanos” os ataques praticados contra profissionais da imprensa e cobrou “posicionamento rígido” das autoridades. “Se não fosse a agilidade dos repórteres, uma tragédia poderia ter acontecido“, publicou em nota. 

“A imprensa é livre. A própria Constituição Federal assegura. Não podemos viver sob a tutela dos ‘soldados da insanidade’ que, em nome de uma suposta liberdade, intimida, agride e aterroriza jornalistas“, finalizou.

Interdições

A Polícia Rodoviária Federal reconhece o bloqueio da BR-364, em Vilhena, a 706 quilômetros de Porto Velho, como o único local interditado em todo o Estado, nesta sexta-feira, 4. 

Em esclarecimento à REVISTA CENARIUM, a polícia diz que uma equipe de policiamento de choque já passou por Pimenta Bueno, cidade vizinha, e segue rumo a Vilhena para liberar a estrada.

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