Em Rondônia, ONG preserva maior berçário de tartarugas de água doce do mundo há mais de 20 anos
14 de dezembro de 2022
A região do Vale do Guaporé é o maior berçário dessas espécies em todo o mundo (Caique Brilhante/Reprodução)
Iury Lima – Da Revista Cenarium
VILHENA (RO) – Um projeto realizado em Rondônia há mais de 20 anos vem garantindo a preservação das maiores tartarugas de água doce encontradas na América do Sul. Com a iniciativa, mais de 12 milhões de filhotes encontraram as águas do grande Rio Guaporé, pela primeira vez, no último domingo, 11.
A soltura acontece, anualmente, nas cidades banhadas pelo rio. Em 2022, foi em São Francisco do Guaporé, na região de fronteira com a Bolívia, a 600 quilômetros de Porto Velho. É o Projeto Quelônios do Guaporé, idealizado pela Associação Comunitária Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale).
Projeto que realiza monitoramento de ninhos e soltura de filhotes de tartaruga acontece há mais de 20 anos em Rondônia (Ecovale/Reprodução)
As tartarugas foram entregues à natureza, agora em dezembro, mas o trabalho começou bem antes, desde a desova das fêmeas adultas, que neste ano ocorreu em outubro. Dessa vez, os voluntários cuidaram de 120 mil ninhos de Tracajás e Tartarugas da Amazônia.
Vice-presidente da Ecovale, Zeca Lula lembra do porque é tão importante preservar não só os animais, mas também o habitat deles: a região do Vale do Guaporé é o maior berçário dessas espécies em todo o mundo.
Ele ressalta, ainda, que o ser humano é o principal predador na região. “A caça da tartaruga, do tracajá, do peixe, e até do ovo da gaivota, é imensa no Vale do Guaporé. Neste ano, o Ibama conseguiu fazer duas apreensões de pessoas com animais, mas algumas conseguiram se safar e não foram pegas”, afirmou Zeca Lula, em entrevista à REVISTA CENARIUM.
“Uma dúzia de ovos de tracajá, na cidade, custa em torno de R$ 30. Um tracajá, é em torno de R$ 80 e uma tartaruga, cerca de R$ 300. Então, é muito interessante para o infrator vir capturar esses animais. E nem sempre o Ibama, a Polícia Ambiental ou a Sedam conseguem capturá-los”, lamentou o ambientalista.
O ambientalista, fundador e vice-presidente da Associação Comunitária Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale) (Caique Brilhante/Reprodução)
Das praias para as águas
De acordo com a Ecovale, apenas um de cada mil filhotes sobrevive nos rios. A espécie de manejo, realizada pelos voluntários da associação, aumenta a chance de sobrevivência das tartarugas em até 15%.
Por isso, eles monitoram e fiscalizam os ninhos até o nascimento dos quelônios. Quando os ovos eclodem, geralmente, 60 dias depois da desova, feita nas faixas de areia branca expostas nas margens do rio, a Ecovale transfere os filhotes para tanques onde ficam até perderem o odor característico que atrai predadores naturais. Finalizado esse processo, os bebês-tartaruga ganham liberdade.
Neste ano, centenas de pessoas se reuniram na praia Belo Oriente, na região de São Francisco do Guaporé, para prestigiar o show da natureza.
Em 2022, soltura de tartarugas do Vale do Guaporé aconteceu em uma praia da região do município de São Francisco do Guaporé (Caique Brilhante/Reprodução)
Para manter a continuidade, a ação tem apoio do Programa Quelônios da Amazônia, dirigido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam-RO) e a Polícia Militar Ambiental (PMA) também auxiliam.
Preservação ambiental e cultural
Hoje, a Ecovale tem seis colaboradores fixos, mas não faltam voluntários, especialmente, na época de reprodução das tarturgas e soltura dos filhotes, como explica o fundador e vice-presidente Zeca Lula. São pessoas da sociedade civil, empresas, acadêmicos de universidades de Rondônia e de fora do Estado, além de organizações internacionais.
Centenas de pessoas se reuniram para prestigiar o show da natureza (Caique brilhante/Reprodução)
Os resultados desse sacerdócio voluntário em favor da vida e do meio ambiente vêm saltando ano após ano. Em 2019, foram 4 milhões de filhotes soltos. Em 2021, a conta aumentou para 10 milhões, até chegar aos 12 milhões deste ano.
“A tartaruga estava na lista vermelha, extremamente ameaçada de extinção e, graças ao nosso trabalho, não só o nosso, mas de outras pessoas, como acontece no Pará e no Amazonas, fizeram com que ela saísse da lista de extinção para a lista de animais vulneráveis”, explica o vice-presidente da Ecovale.
Zeca Lula diz que antes da existência da associação, não só as tartarugas, mas outras espécies de animais, como as gaivotas e os camaleões do Vale do Guaporé estavam desaparecendo. A associação nasceu em julho de 1999 e não parou mais os trabalhos.
“De lá para cá, a gente vem realizando um trabalho de recuperação das tartarugas e fazemos um trabalho socioambiental, também, com as comunidades ribeirinhas, quilombolas, além de um asilo na cidade de Cacoal, que nós ajudamos também”, concluiu Zeca Lula.
Consideradas as maiores tartarugas de água doce da América Latina, as tartarugas do Guaporé podem chegar a 1 metro de comprimento e passear até 75 quilos.
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