Em RR, líder indígena Davi Kopenawa denuncia desvio de verba destinada a saúde do povo Yanomami
09 de setembro de 2022

Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium
BOA VISTA – Uma audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal de Roraima (MPF) com a participação de lideranças indígenas Yanomami foi realizada para ouvir as demandas dos povos tradicionais sobre a situação do atendimento de saúde na terra. A região sofre com a falta de medicamentos e com a falta de profissionais para atender os doentes. O encontro foi realizado na última terça-feira, 6, no auditório do órgão ministerial.
Além do MPF, técnicos do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (Dsei-YY) – órgão ligado ao Ministério da Saúde – participaram da audiência para tomar conhecimento das denúncias. Uma das principais denúncias apresentada pelo líder Davi Kopenawa foi em relação a verba destinada a saúde indígena. O povo Yanomami fica situado na maior terra indígena do Brasil.
“O Dsei Yanomami recebe mais dinheiro do que todos os outros distritos no Brasil. Para onde está indo esse dinheiro?”, relatou o líder Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, entidade que representa os indígenas.
O vice-presidente da Associação Hutukara Yanomami, Dário Kopenawa, entregou nas mãos do procurador da República Alisson Marugal e aos técnicos da Sesai e do Dsei-Y, ambos órgãos federais ligados à pasta da Saúde, representado pelo coordenador da Sesai, Ramsés Almeida da Silva, duas cartas com denúncias sobre a precariedade do atendimento de saúde no território indígena.

Recomendação
Em novembro do ano passado, o Ministério Público recomendou ao Ministério da Saúde que os órgãos reestruturem o atendimento à saúde aos povos da Terra Indígena Yanomami. Apesar de ter recebido mais de R$ 190 milhões para assistência à saúde nos últimos dois anos, o território indígena, localizado nos Estados do Amazonas e Roraima, registrou piora acelerada dos indicadores de saúde.
A recomendação exigia que a Sesai e o Dsei Yanomami apresentem, em 90 dias, um plano de reestruturação da assistência básica de saúde. Os gestores deverão redimensionar o quadro de profissionais de saúde, desenvolver planos de ação para malária, subnutrição e mortalidade infantil, contratar empresa de transporte aéreo com horas de voo suficientes para atender todo o território e criar um subdistrito para atender as comunidades do Amazonas, mediante consulta aos Yanomami.
Mas durante a audiência pública, o procurador Alisson Marugal considerou que os resultados apresentados são bastante tímidos.
“A desnutrição continua atingindo metade das crianças Yanomami e a malária persiste em níveis altíssimos, destacando que a crise sanitária tem se agravado com o fechamento de postos saúde em áreas de garimpo e com a falta de medicamentos básicos para tratamento de doenças”, afirmou o procurador.
Uma investigação que corre em segredo de justiça está em curso pelo MPF e apura as causas da falta de medicamento para tratamento de verminoses depois que o órgão tomou conhecimento de que 10 mil crianças deixaram de ser tratadas no primeiro semestre de 2022. Por ser sigiloso, o procurador não deu mais detalhes sobre o procedimento. O órgão também aguarda o resultado de auditoria solicitada ao Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus) para verificar se os recursos destinados aos indígenas estão sendo legal e corretamente aplicados.
Alisson Marugal ainda lembrou que o MPF vem fiscalizando a aplicação de todos os recursos federais repassados à saúde indígena, inclusive aqueles recebidos pelo estado de Roraima e citou a Ação Civil Pública ajuizada este ano para garantir a aplicação desses recursos na melhoria do atendimento a indígenas no Hospital Geral de Roraima (HGR), outra demanda apresentada pelas lideranças.
Respostas
O coordenador da Sesai, Ramsés Almeida da Silva, informou que ambos os órgãos federais ligados à pasta da Saúde, vão responder por meio de ofício as ações tomadas para conter o avanço de mortes por verminose e malária na TI.
Ele informou ainda sobre processos seletivos abertos para aumentar o atendimento médico nas comunidades. Segundo o coordenador, as equipes hoje já contam com um número de profissionais que atendem às determinações do Governo Federal, mas enfrentam dificuldades por causa de afastamentos e outros problemas.
Garimpo Ilegal
Um dos maiores problemas enfrentados pelo povo Yanomami é a invasão do garimpo ilegal em suas terras, o que acaba deixando comunidades indígenas doentes por conta da gestão de alimentos contaminados pelo mercúrio utilizado para extração do ouro do fundo do rio. Relatório divulgado pela Hutukara Associação Yanomami mostrou que o garimpo ilegal tem criado um cenário de terror e medo nas mais de 350 comunidades existentes no território, que sofrem com fome, exaustão, doenças e violência, incluindo abuso sexual de mulheres e crianças em troca de comida.
Só na Terra Indígena Yanomami, a Polícia Federal afirma que possam existir mais de 20 mil garimpeiros trabalhando, ilegalmente, na extração de ouro. Em 2021, a destruição provocada pelos invasores cresceu 46% em relação a 2020, um incremento de 1.038 hectares, atingindo um total acumulado de mais de 3 mil campos de futebol devastados, a maior taxa anual desde a demarcação da área, em 1992.