Em seis pontos, entenda as contradições de Pazuello no depoimento à CPI da Covid

Nesta quinta, o depoimento de Pazuello foi retomado, após ter sido suspenso no dia anterior para que fosse realizada sessão do Senado com votação de projetos (Pablo Jacob/Agência O Globo)

Com informações do O Globo

RIO – Antes de passar mal e precisar encerrar o depoimento que prestava nesta quarta-feira à CPI da Covid, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello caiu em contradição pelo menos seis vezes diante dos senadores que o sabatinavam sobre as ações do governo federal no combate à pandemia. A comissão apura se a administração do presidente Jair Bolsonaro, a quem o general tentou blindar, agiu com omissão ou negligência nas políticas públicas contra o novo coronavírus. Os questionamentos ao general serão retomados na quinta-feira.

O GLOBO listou e explicou abaixo os momentos em que as falas de Pazuello contrariam fatos e acontecimentos ligados à aquisição de vacinas, o colapso no abastecimento de oxigênio hospitalar no Amazonas, a distribuição de medicamentos ineficazes, entre outros pontos.

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Pareceres questionáveis

Ao ser questionado pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), Pazuello justificou que a demora para a compra de vacinas contra a Covid-19 em negociações com a Pfizer esteve relacionada a recomendações contrárias do Tribunal de Contas da União (TCU), além da Advocacia-Geral da União (AGU) e Controladoria-Geral da União (CGU) — o motivo seria contratual, já que a empresa não se responsabilizaria por reações adversas causadas pelo imunizante. No entanto, não houve direcionamento expresso desses órgãos de controle na contramão da negociação.

— Mandamos para os órgãos de controle, a resposta foi: “Não assessoramos positivamente. Não deve ser assinado”. A CGU, a AGU, todos os órgãos de controle, TCU. “Não deve ser assinado”. E nós assinamos, mesmo com as orientações contrárias. Determinei que fosse assinado, porque, se nós não assinássemos, a Pfizer não entraria com o registro na Anvisa — disse Pazuello.

Diante da informação, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, chegou a pedir para que Pazuello dissertasse sobre o caso do TCU, que seria uma novidade para os membros da CPI. Calheiros, no entanto, afirmou posteriormente ter sido alertado pelo próprio tribunal que, ao senador, indicou que “nunca deu parecer contrário à compra de vacinas”. Pazuello reconheceu o erro e se desculpou, declarando ter confundido os nomes dos órgãos.

— Eu reformulo aqui que eu me enganei, era CGU e AGU, eu peço desculpas. Eu confundi CGU com o TCU, eu peço desculpas — afirmou o ex-ministro.

Além da inexistência de parecer do TCU, revelada por Calheiros, foi destacado pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM) que o tom dos pareceres da CGU e da AGU não era determinantemente contrário à compra dos imunizantes da Pfizer, conforme Pazuello tentou demonstrar.

— A Advocacia-Geral da União, no inciso IV, diz: “Parecer no sentido de entender não haver óbices jurídicos intransponíveis à assinatura dos contratos de aquisição de doses de vacinas” — verbalizou Braga, completando posteriormente com leitura de trecho da CGU: — “Entende-se que as assinaturas dos contratos se demonstram viáveis, especialmente se as medidas mitigatórias e preventivas recomendadas forem aplicadas, com vistas a diminuir o impacto”.

Preço das doses

À CPI, Pazuello também justificou a demora nas tratativas com a Pfizer o preço (cerca de R$ 56 à época) e a quantidade de doses oferecidas pela empresa — “A Pfizer trouxe US$10 a dose, e nós estávamos negociando a US$3,75. Era três vezes mais caro”, explicou.

No entanto, conforme mostrou a coluna de Malu Gaspar na semana passada, a gestão do ex-ministro deixou de sentar para dialogar com a companhia americana ao mesmo tempo em que demonstra a intenção, consumada em fevereiro, de comprar com a indiana Bharat Biotech, produtora da vacina Covaxin, comercializada a R$ 80 por dose — R$ 24 a mais do que a Pfizer oferecia àquela altura.

Como agravante, os dois imunizantes estavam em estágios diferentes de aprovação. A Pfizer, cujo primeiro contato só foi fechado em março, já estava na última fase de testes da vacina, finalizada com 95% de eficácia, enquanto a Bharat ainda não havia avançado para a terceira fase de testes clínicos.

Atribuição do cargo

Ainda sob questionamentos de Calheiros, Pazuello foi instado a se manifestar sobre a própria falta de protagonismo na condução das conversas com a Pfizer. O senador questionou por qual razão o ex-ministro “não tomou o comando e o protagonismo dessa negociação”. A resposta negava que a chefia da pasta teria a atribuição de realizar as rodadas de conversas com a farmacêutica.

— Pela simples razão de que eu sou o dirigente máximo, eu sou o decisor, eu não posso negociar com a empresa. Quem negocia com a empresa é o nível administrativo, não o ministro. Se o ministro… Jamais deve receber uma empresa, o senhor deveria saber disso — disse Pazuello a Calheiros.

A agenda de Pazuello enquanto ministro, no entanto, contraria a declaração. Ainda segundo a coluna de Malu Gaspar, dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que o militar incluiu em seus compromissos, em 2020 e este ano, encontros com representantes da Pfizer, da Jansen e da Paulista Medicamentos, importadora paulista associada à Bharat Biotech.

Ordens de Bolsonaro

Pazuello afirmou também que nunca recebeu ordens de Bolsonaro para fazer algo diferente da conduta adotada em sua gestão. A declaração, no entanto, contradiz um vídeo gravado pelo próprio ex-ministro em outubro de 2020, após ter sido desautorizado pelo presidente em relação à compra da vacina Coronavac. Na ocasião, ao lado do presidente, Pazuello afirmou que “um manda, outro obedece”. Nesta quarta, alegou que a frase representa um “jargão militar, apenas uma posição de internet e mais nada”, sem efeitos práticos.

Em outubro do ano passado, após a gestão de Pazuello anunciar a intenção de comprar 46 milhões de doses do imunizante do Instituto Butantan e da empresa Sinovac, Bolsonaro colocou o acerto em xeque ao responder a um seguidor no Facebook, contrário à origem chinesa da vacina: “Não será comprada”, escreveu o presidente, que na mesma ocasião desdenhou publicamente do produto (“Parece que nenhum país quer”, disse) e afirmou ter mandado cancelar o combinado em relação à Coronavac.

Aos senadores, Pazuello não admitiu o ocorrido:

— Em momento nenhum o presidente me deu ordem para fazer diferente do que eu já estava fazendo — disse durante o depoimento à CPI.

Crise do oxigênio

O ex-ministro também se contradisse em relação à crise da falta de oxigênio hospitalar no Amazonas, deflagrada no início deste ano. Pazuello disse ter tomado ciência que os estoques do insumo estavam se esgotando na noite do dia 10 de janeiro, quando visitava Manaus. No entanto, o senador Humberto Costa (PT-CE), corrigiu o general:

— Nós já temos o acesso a um inquérito do Ministério Público que trata de Manaus, e a informação que lá existe é que o Ministério da Saúde foi informado da iminência de falta de oxigênio no dia 8 de janeiro, por um representante da empresa (White Martins, fornecedora de oxigênio hospitalar) chamado Petrônio. Esse ofício, inclusive, está lá — sustentou o parlamentar.

Pazuello, no entanto, nega que sua pasta soubesse do caso com dois dias de antecedência à data que informou aos senadores. Ele também disse ter conversado com o secretário de Saúde do estado, Marcellus Câmpelo, no dia 7 de janeiro, sem tratar do tema. Um ofício do órgão administrado por Câmpelo, no entanto, afirma que ele teria comunicado o então ministro sobre o caso durante uma ligação telefônica naquele dia.

Outro ofício, enviado pela AGU ao Supremo Tribunal Federal (STF) em janeiro, afirma que o ministério tinha ciência do “iminente colapso” dez dias antes do ocorrido, que deixou pelo menos 50 mortos no estado, de acordo com dados do Ministério Público publicados pela Revista Época.

O tema foi tratado em meio a questionamentos sobre a demora na resposta à crise de abastecimento e a possibilidade de uma ação antecipada do governo para evitar a piora da situação. Houve ainda confusão em torno da duração do colapso: o ex-ministro informou que sua gestão havia solucionado o problema entre 10 a 13 de janeiro, mas Eduardo Braga relembrou que, na verdade, o Amazonas esteve nesse mesmo colapso por cerca de vinte dias, até o restabelecimento do estoque do insumo.

Remédios ineficazes

Aderida por Bolsonaro e aliados como uma “tábua de salvação” diante da pandemia, a distribuição de cloroquina e hidroxicloroquina para estados e municípios, mesmo sem eficácia contra a Covid-19, também esteve no centro do depoimento — e das contradições — de Pazuello à CPI.

Ao ser sabatinado, o militar fez parecer que não havia sido um entusiasta do uso dessas substâncias e atribuiu a recomendação delas à classe médica, em consonância com aplicações em outros países para tratar a Covid — na contramão do exterior, no entanto, o Brasil seguiu apostando nelas mesmo após a Organização Mundial da Saúde (OMS) descartá-las como protocolo contra a doença. O então ministro chegou a propagandear-las em uma entrevista concedida em Manaus, às vésperas da crise do oxigênio, em janeiro:

— Não existe outra saída: nós não estamos mais discutindo se esse profissional ou aquele concorda. Os conselhos federais e regionais já se posicionaram, os conselhos são a favor do tratamento precoce — afirmou Pazuello na ocasião, em referência à ideia de aplicar a cloroquina e derivados em pacientes com Covid.

Ainda ao comentar o envio de cloroquina e hidroxicloroquina a entes federativos, o ex-ministro afirmou que o ministério só fez repasses das substâncias diante demanda dos estados e municípios. No domingo, O GLOBO mostrou, no entanto, que a pasta manteve as entregas dos medicamentos mesmo em cidades localizadas em estados que vinham efetuando a devolução de comprimidos.

Além da mudança de tom sobre os remédios junto à CPI, houve dissonância sobre o aplicativo TrateCov, por meio do qual a Saúde recomendou o uso de cloroquina de maneira indiscriminada à população. A Calheiros, Pazuello disse que a plataforma nunca entrou em operação. Segundo ele, foi feito um protótipo que teria sido copiado “por alguém” e disponibilizado na internet. A ferramenta, no entanto, foi lançada oficialmente pelo ministério e ficou disponível para download até ser retirada do ar em meio à repercussão negativa.

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