Em uma semana, comissão do Senado aprova dois projetos sobre exploração em terras indígenas
Por: Ana Cláudia Leocádio
24 de agosto de 2025
BRASÍLIA (DF) -Em uma semana, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado aprovou dois Projetos de Lei que preveem a exploração econômica em Terras Indígenas (TIs), incluindo a extração mineral, até por meio de garimpo, além da exploração de petróleo e gás natural, matéria que atualmente depende de regulamentação pelo Congresso. Um dos projetos foi remetido diretamente ao Plenário, com pedido de urgência para votação, que ainda não foi deliberado.
A primeira proposta foi aprovada no dia 13 deste mês. Trata-se do Projeto de Lei (PL) 6.050/2023, de autoria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as Organizações Não Governamentais (ONGs) em 2023 e que teve como presidente o senador Plínio Valério (PSDB-AM) e, como relator, o senador Marcio Bittar (União-AC).
Foi de Bittar o parecer favorável à matéria na CDH, na semana passada. Entre os pontos previstos no texto estão as condições, os direitos e as obrigações dos envolvidos nas atividades em Terras Indígenas, como a consulta prévia aos povos locais e o licenciamento ambiental. A proposta também prevê o pagamento aos indígenas pela participação nos resultados, além de indenizações e medidas de compensação pelos impactos ambientais causados.

Para o relator, além de representar um “marco regulatório”, a exigência de consultas prévias aos indígenas, prevista no texto, deve garantir o protagonismo das comunidades afetadas e assegurar que a regulamentação não irá fragilizar os direitos dos povos originários, pois os respaldará na decisão sobre seu próprio futuro. No entanto, a exigência de consulta prévia, livre e informada é uma obrigação prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que já foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro.
Conforme informações da Agência Senado, a Constituição Federal permite o aproveitamento dos recursos hídricos, a pesquisa e a lavra de minerais em Terras Indígenas, com a participação das comunidades nos lucros, desde que haja autorização do Congresso Nacional. No entanto, a ausência de regulamentação tem impedido a exploração legal dos recursos naturais em áreas indígenas.
O projeto aprovado, além de regulamentar a Constituição e retirar a proibição de garimpo em Terras Indígenas, revoga, ainda, a exclusividade dada aos indígenas para explorarem as riquezas de suas terras, segundo prevê o Estatuto dos Povos Indígenas. Caso seja aprovado e vire lei, o texto permitirá que os indígenas firmem parcerias com empresas públicas ou privadas ou com cooperativas de garimpeiros para a exploração econômica de seus territórios.
O assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maurício Terena, se manifestou de imediato em relação à aprovação do texto. Segundo ele, “a complexidade e o impacto do tema exigem um debate profundo, transparente e com participação efetiva dos povos indígenas, antes de qualquer decisão no Plenário”.

“O texto acirra divisões: apoiadores defendem ganhos econômicos, mas nós indígenas alertamos para ameaças graves à integridade territorial, usufruto exclusivo, além de incentivar atividades altamente poluidoras em gases de CO2”, argumentou o jurista.
Segunda proposta aprovada
Na última quarta-feira, 20, a CDH aprovou o PL 1.331/2022, de autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), que aguardava há algumas sessões para ser apreciado. O texto regulamenta a pesquisa e o garimpo em Terras Indígenas, além de autorizar a pesquisa e a garimpagem por terceiros, desde que haja consentimento das comunidades afetadas.
A relatora da matéria foi a presidente da CDH, senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que também defendeu que o tema seja abordado pela comissão especial criada pelo Senado para discutir o assunto. No dia 22 de abril, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, (União-AP), anunciou a criação de um Grupo de Trabalho (GT) para elaboração do Projeto de Lei destinado a regulamentar a atividade de mineração em Terras Indígenas, que até hoje não foi instalado.

A ideia de Damares é aprovar os dois projetos e depois encaminhá-los para o GT, porque existem outros projetos de mesmo teor tramitando nas comissões. “Mais cedo ou mais tarde o Congresso terá que deliberar sobre o assunto. Se pudermos fazer isso nesta legislatura, que é madura e capaz de dialogar entre governo e oposição, teremos uma contribuição importante para o País”, argumentou Damares.
O projeto do senador Mecias proíbe a mineração industrial, a exploração em Terras Indígenas de povos isolados, a garimpagem em áreas de habitação permanente e em todos os espaços necessários à manutenção das tradições do grupo. A matéria prevê, ainda, que os indígenas receberão de 2% a 4% do faturamento bruto da comercialização do minério garimpado, além de compensação a estados, municípios e ao DF, onde as terras estiverem localizadas.
Mecias de Jesus defendeu a proposta. “O cenário atual de ausência de lei é que alimenta a exploração criminosa. O projeto garante salvaguardas constitucionais e assegura benefícios diretos às comunidades indígenas”, afirmou. Ao contrário do PL 6.050/2023, que foi encaminhado para votação em Plenário, a proposta de Mecias seguiu para a Comissão de Meio Ambiente (CMA) e deverá ser analisada, também, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Dentre as duas principais mudanças introduzidas por Damares, está a exclusão da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para viabilizar o ingresso de terceiros nas Terras Indígenas para a realização da consulta prévia, livre e informada. Outra alteração foi a retirada da menção a “Terras Indígenas homologadas ou em processo de demarcação”, para abranger todas as Terras Indígenas.
Voto contrário
Nos dois projetos, o líder do PT no Senado, senador Rogério Carvalho (SE), apresentou voto em separado contra a matéria, refutando os argumentos dos autores. Ausente na reunião, o voto foi lido pelo senador Paulo Paim (PT-RS). Conforme Carvalho, o projeto da CPI das ONGs tramita na Casa e tem maior abrangência e rigor técnico, sem necessidade de se apreciar outra proposta sobre o tema.
Carvalho também refutou o argumento de que a pesquisa e a lavra garimpeira em Terras Indígenas não irão causar prejuízo à integridade cultural, social e econômica das comunidades afetadas. Paim lembrou, ainda, da violência que atinge esses territórios, que muitas vezes expulsa os indígenas e empurra as mulheres para a prostituição.
“Qualquer extração mineral, mesmo que seja realizada em Terras Indígenas, tem evidente impacto sobre as comunidades próximas, o que expõe o vazio da declaração. Ademais, o garimpo, como tem sido ilegalmente praticado há décadas em Terras Indígenas, envenena os próprios garimpeiros, os indígenas, a terra e os rios com mercúrio, a tal ponto que a contaminação da terra Ianomâmi chega a Boa Vista, a centenas de quilômetros rio abaixo, colocando em risco a saúde da sua população”, argumentou.