Empreendedorismo de mulheres de comunidades do Pará contribui para justiça climática

Mulheres promovem empreendedorismo sustentável no Pará (Composição de Paulo Dutra/CENARIUM)
Raisa de Araújo – Da Revista Cenarium

BELÉM (PA) – É quase verão no Pará, no Norte do Brasil. Nesse período, que começa em junho, os dias quase sempre começam com um sol forte e brilhante e prometem esquentar o suficiente até chegar no ápice de “quentura”. Cada ano que passa, os comentários de quem vive aqui é o mesmo: “O verão será pior este ano”, “Esse ano está mais quente”. O Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), concluiu, entre os cenários estudados, que há mais de 50% de chance de a temperatura global atingir ou ultrapassar 1,5°C até 2040 e já é possível sentir isso.

Para frear este aquecimento, o IPCC sugere que a transição energética seja urgente e que o mundo pare de usar combustíveis fósseis, a principal causa da crise climática, ampliando fontes de energia renovável. Por outro lado, embora a redução rápida das emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) originadas pela queima de combustíveis fósseis seja essencial no combate à crise climática, descarbonizar todos os sistemas e construir resiliência não será suficiente para atingir as metas climáticas. É preciso ir além, removendo carbono e aumentando o financiamento climático, tanto para a mitigação quanto para a adaptação.

Mapa-múndi indica altas temperaturas na Terra em julho de 2023 (NCEP/Climate Change Institute/University of Maine)

Em um evento promovido pelo Ministério das Mulheres, em 2023, em Brasília, a secretária nacional Carmem Foro fez o seguinte comentário: “A solução dos problemas climáticos será feita pelas mãos das mulheres”. Isso porque, apesar dos desafios, as mulheres são agentes de mudança, capazes de contribuir para a justiça climática. As experiências dessas mulheres e, especialmente, o conhecimento local das comunidades em que vivem, são valiosas para políticas eficazes de adaptação. Elas lideram iniciativas de conservação ambiental e promoção de energias renováveis.

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E é assim, em meio ao verão amazônico, que essa viagem pelo interior do Pará começa. A reportagem conversou com mulheres dos municípios de Abaetetuba, Parauapebas e Irituia, cada um em uma região diferente do Estado, contando as histórias de que vive de atividades econômicas sustentáveis e como essas histórias se entrelaçam e dão novas perspectivas para a justiça climática.

Maria Paixão – Liceu com Elas

Em Abaetetuba, distante 73 quilômetros de Belém, capital do Pará, vive a empreendedora Maria Paixão. Filha de ribeirinhos de Curuçá e Bragança, ela mora no município há 33 anos, onde construiu família e trilhou uma carreira de empreendedorismo importante na comunidade, se dedicando há mais de 50 anos ao ofício de confecção de joias.

Em 2021, em meio à pandemia do coronavírus, Maria e o esposo inauguraram o Liceu de Artes e Ofícios Mestre José Raimundo, um instituto, sem fins lucrativos, que capacita alunos de escolas públicas, por meio da atividade de ourivesaria, com fibras, sementes, madeira e outros materiais oriundos da floresta e dos rios, em parceria com instituições públicas e privadas, de forma inovadora, com qualidade e desenvolvimento humano.

Maria Paixão (sorrindo) integra o “Liceu com Elas” (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Com o sucesso do instituto, Maria foi além e viu uma oportunidade de se aproximar de mulheres que viviam em comunidades marginalizadas, por meio da capacitação, empoderamento econômico e a autoestima das participantes. Foi assim, que dentro do instituto Maria Paixão fundou o projeto “Liceu com Elas”, levando o conhecimento de ourives para dentro das comunidades e incentivando o reaproveitamento de materiais naturais na criação de joias.

Ela explica que, durante o trabalho desenvolvido no liceu, identificam-se mulheres que necessitam de mais tempo e atenção e, aquelas que se destacam, são convidadas a aprimorar seus conhecimentos na sede do Instituto Liceu, para que possam levar esse aprendizado de volta às suas comunidades. O Instituto também auxilia na escoação da mão de obra dessas mulheres, conectando-as com artesãos que precisam de suporte. O objetivo é a formação de mão de obra e geração de renda, para que essas mulheres se tornem protagonistas de suas próprias histórias, alcançando independência e autoestima, desenvolvendo habilidades que possam estar atreladas à natureza que vivem.

Mulheres em atividades do “Liceu com Elas” (Reprodução/Liceu com Elas)

“Nosso foco no liceu é voltado principalmente para as mulheres. Ao entrar nas comunidades, apresentamos o que a natureza ao redor delas tem a oferecer, incentivando o reaproveitamento de materiais naturais na criação de joias. A alegria e o brilho nos olhos dessas mulheres ao verem suas obras-primas não têm preço. Muitas dizem que nunca imaginaram ser capazes de criar algo tão belo”, afirma Maria.

A empreendedora é mais do que uma empresária ou uma líder comunitária, ela é uma força de mudança, dedicando sua vida a melhorar as condições de vida de mulheres vulnerabilizadas e a promover a igualdade e a dignidade por meio da arte e da capacitação profissional.

Aurenice Oliveira – Mulheres de Barro

Distante cerca de 650 quilômetros de Belém, em Parauapebas, um município ao sudeste do Pará, vive Aurenice Oliveira, figura central no projeto das Mulheres de Barro, o qual desempenha atividades de coordenação e gestão financeira do projeto que dura mais de dez anos na cidade.

O projeto Mulheres de Barro nasceu em 2003, da iniciativa de um grupo de mulheres artesãs que buscavam uma fonte de renda para sustentar suas famílias. Neste ano, o grupo, que fazia parte da fundação da cooperativa, viajou a Belém para participar de uma feira de artesanato, que acabou definida por elas como “um fracasso” em termos de vendas. À época, o maior obstáculo foi a falta de uma identidade que as caracterizasse como artesãs de Parauapebas.

O momento de virada no projeto ocorreu quando as participantes começaram a utilizar as informações históricas dos achados arqueológicos para criar a identidade única de suas cerâmicas. Durante um curso financiado pela Vale, através da Lei de Incentivo à Cultura, que foi de 2005 a 2011, elas estudaram artefatos cerâmicos encontrados na área de mineração. Esses artefatos, datados de cerca de seis mil anos atrás, continham grafismos representando animais como tatu, cobra e peixes.

Peças em cerâmica produzidas pelas Mulheres de Barro (Reprodução/Arquivo Pessoal)

A partir desses estudos, as artesãs aprenderam a aplicar esses desenhos ancestrais nas próprias criações de cerâmicas, criando uma identidade distinta e culturalmente rica para os produtos das Mulheres de Barro. Esse processo de educação patrimonial durou seis anos e foi fundamental para a formação do estilo e da marca do grupo, que agora reflete a herança cultural indígena da região. Com o dinheiro arrecadado, foi possível criar o Centro de Treinamento em Jovens (CNTJ) e formalizar a Cooperativa Mulheres de Barro em 2013.

O projeto não apenas proporcionou uma fonte de renda para as mulheres, mas também promoveu a preservação da cultura local, o empoderamento das mulheres e o desenvolvimento sustentável da comunidade. A principal matéria-prima para a produção, como argilas coloridas e minérios, é fornecida tanto pela natureza local quanto por doações da principal financiadora do projeto.

“A educação patrimonial é um processo cultural educativo que repassa para a comunidade toda a informação recolhida no sítio arqueológico. Tudo que é uma referência, os grafismos que representam o modo de vida de povos originários que habitaram essa região há cerca de seis mil anos atrás, nos é repassado. Então, durante a formação, elas aprenderam a fazer a utilização desses desenhos para dar identidade à cerâmica das Mulheres de Barro”, explicou, Aurenice.

Aurenice Oliveira integra o projeto Mulheres de Barro (Reprodução/Redes Sociais)

Por fim, Aurenice explicou que ao longo desses mais de dez anos de projeto, dificuldades foram enfrentadas e o curso chegou a ter apenas seis mulheres que resistiram, se formaram e, hoje, reverberam os aprendizados. E assim, através de uma oficina de construção de identidade, elas ressignificam os desafios e tornaram as mulheres em uma ciranda, a representatividade e a força das Mulheres de Barro.

Maria Fernanda – Cooperativa D’irituia

O último destino é a Cooperativa Agrícola D’Irituia, no municipio de Irituia, no nordeste paraense, a 160 quilômetros saindo de Belém. Depois de percorrer uma estrada de terra batida, é possível conhecer a história de Maria Fernanda e das mulheres que fazem parte da cooperativa, que foi responsável pela mudança de vida de dezenas de famílias da região.

A Cooperativa D’Irituia é a principal responsável pelo fornecimento de tucumã para uma empresa de cosméticos multinacional, a Natura, que em parceria com as comunidades, descobriu um potencial inovador na espécie típica do Pará, o ácido hialurônico presente no óleo da polpa do fruto e o poder de mitigação da perda da hidratação através do uso da manteiga do caroço.

Diferente da culinária dos amazonenses, no Pará o consumo do tucumã é baixo, porque a espécie encontrada na região é muito mais oleosa, e por sua árvore ter muitos espinhos. Por muito tempo, o tucumãnzeiro foi considerado uma praga do mato nesta região da Amazônia. Mas a procura do fruto para a produção de cosméticos mudou a realidade da Cooperativa d’Irituia, de diversos outros cooperados, além de ajudar a manter a floresta de pé, valorizando a biodiversidade.

Fruto do tucumã é matéria-prima em atitividade empreendedora (Reprodução/Redes Sociais)

A safra do tucumã, no Pará, ocorre entre março e abril. Neste período, em que especialmente o açaí, a principal atividade econômica da maioria das comunidades extrativistas, está em período de entressafra, produzir outro insumo com potencial grande de venda se torna uma fonte de renda extra para a cooperativa. Ou seja, a partir do momento em que os insumos da árvore passam a ter valor comercial para a comunidade, aquela árvore passa a ser mantida de pé para continuar gerando rendas.

O sistema de trabalho entre os cooperados foi organizado de forma justa e cada cooperado contribui da forma como acha melhor. Alguns cooperados apenas fornecem insumos, outros já entregam pré-beneficiados e todo o trabalho que sobra, o time de mulheres que comandam a cooperativa, atualmente, toma a frente. Durante a pandemia, elas se organizaram e passaram na casa dos cooperados para ensinar técnicas de secagem dos caroços e compartilhar outros conhecimentos importantes para a continuar a produção do material.

A partir da percepção do valor desta palmeira tão poderosa, as mulheres da comunidade tomaram a frente da cooperativa. Elas conduziram se dedicaram a compreender todos os processos, desde o pré beneficiamento dos insumos, até quanto cobrar por toneladas de tucumã e demais produtos que elas vendiam.

Leia mais: Restaurante Sumimi: gastronomia sustentável e empreendedorismo das mulheres Kambeba
Editado por Adrisa De Góes
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