Empresa aérea tem contratos milionários com a Funai, mas também presta serviço a garimpos

A Funai contratou por R$ 500 mil os serviços da Piquiatuba, em julho do ano passado (Divulgação)
Com informações do Infoglobo

PARÁ – Fundada por um empresário acusado de ser dono de garimpos, no Pará, a Piquiatuba Táxi Aéreo assinou contratos com o governo federal que, somados, chegam a R$ 16,1 milhões. Um deles foi firmado com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para levar agentes do órgão e insumos como medicamentos a territórios indígenas. Ao mesmo tempo, segundo o Ministério Público Federal, aviões da empresa também são usados para transportar garimpeiros e alimentos a áreas de exploração ilegais encravadas na Floresta Amazônica.

Foto mostra pista de pouso próxima à área de garimpo do Limão, que fica dentro de uma reserva biológica no Pará (Foto: Reprodução/MPF)

A Funai contratou por R$ 500 mil os serviços da Piquiatuba, em julho do ano passado. O acordo prevê o uso de até 100 horas de voo, em dois aviões, um com nove lugares e outro com cinco, para atender as demandas de transporte aéreo da Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Cuminapanema, no norte do Pará. O órgão é responsável por fiscalizar a mesma área onde fica o garimpo do Limão, cujo ouro, segundo o Ministério Público Federal do Pará, foi explorado, ilegalmente, pelo fundador da Piquiatuba, o empresário Armando Amâncio da Silva. Uma investigação apontou que aeronaves da empresa realizaram, ao menos, 182 voos, entre 2015 e 2018, à região.

Amâncio morreu em 2020, em decorrência de um câncer, dias depois de uma operação da Polícia Federal ter apreendido 44 quilos de ouro em um cofre, na sua casa, em Santarém (PA). O material foi avaliado em quase R$ 15 milhões.

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De acordo com a PF, as barras de ouro seriam provenientes de garimpos ilegais abertos na Reserva Biológica Maicuru, no Pará, de onde, segundo as investigações, Amâncio extraiu a fortuna que o alçou como empreendedor do ramo da aviação. Depois da morte do empresário, seus filhos herdaram o comando da Piquiatuba.

Procurado, o advogado Paulo Emílio Catta Preta, que defende os donos da empresa, nega que a Piquiatuba preste serviços de apoio logístico a garimpeiros e afirma que as aeronaves são utilizadas, exclusivamente, para o transporte de pacientes e de servidores da Funai.

Durante uma investigação aberta pela Funai, em conjunto com o Exército, indígenas disseram ter reconhecido um avião da empresa de táxi aéreo como sendo o mesmo usado por garimpeiros que exploram as regiões dos rios Mucajaí e Couto Magalhães, que atravessam o Território Yanomami, em Roraima. Segundo relatório do caso, ao qual o GLOBO teve acesso, em agosto de 2019, um avião da Piquiatuba aterrissou na aldeia Sikamabiú, enquanto militares interrogavam mulheres da comunidade.

“Pousou, hoje, por volta de 10h, um avião do tipo PT contratado da SESAI, para trazer e levar pessoal e material. Nos foi informado que esta empresa de transporte aéreo é nova (foi contratada recentemente) e a comunidade indígena de Sikamabiú afirma que esta mesma empresa faz transporte logístico para os garimpos da região. A aeronave foi identificada com o prefixo: PR-BAP, de cores branca e azul. O nome da empresa é ‘Piquiatuba'”, descrevem os servidores num trecho do relatório.

Questionado pelo GLOBO, o Ministério da Justiça, pasta à qual a Funai está vinculada, afirmou que antes da contratação da Piquiatuba Taxi Aéreo “foram consultadas todas as certidões públicas vinculadas à empresa” e que as buscas não incluíram pesquisa sobre os sócios, “o que inviabiliza a informação a respeito da investigação dos empresários”. “Não compete ao órgão a realização de investigações criminais de empresários supostamente vinculados às empresas contratadas pela Administração Pública”, diz a nota.

Com uma frota de 17 aeronaves e lucro de R$ 1,2 milhão, a Piquiatuba firmou, também, seis contratos com a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai) — cinco dos quais, por meio de dispensa de licitação justificada pela pandemia de Covid-19. Entre março de 2019 e fevereiro deste ano, o órgão do governo federal utilizou aviões da empresa para transportar insumos, servidores, pacientes e “cargas perigosas” a comunidades indígenas de Roraima, Amazonas e Amapá.

O maior dos contratos, assinado em agosto de 2019, vigorou por seis meses e previu o pagamento de R$ 8,6 milhões, à empresa, para atender o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y), em Roraima. No trajeto para as aldeias, há vários garimpos, principalmente, ao longo do Rio Mucajaí.

Procurado, o Ministério da Saúde informou que, no momento da assinatura do contrato, a Piquiatuba “cumpria todos os requisitos legais”. “Para garantir a assistência prestada aos povos indígenas, em decorrência da urgência da contratação e relevância da ação, a empresa apresentava todos os ditames legais”, afirma.

Aeronave PR-BAP da Piquiatuba; empresa nega uso da aeronave por garimpeiros — Foto: Divulgação/Piquiatuba Táxi Aéreo
Aeronave PR-BAP da Piquiatuba; empresa nega uso da aeronave por garimpeiros (Foto: Divulgação/Piquiatuba Táxi Aéreo)

Perdido na selva

Ex-funcionário da Piquiatuba, o piloto Antônio de Sena passou 36 dias na selva amazônica após um acidente aéreo no início do ano passado. Na época, em depoimento à PF, ele admitiu ter feito um pouso forçado ao tentar transportar 600 litros de óleo diesel para um garimpo localizado em uma área do Pará.

Depois do episódio, ele escreveu um livro sobre a experiência na floresta e traduziu a publicação para o francês. Com 44,5 mil seguidores, no Instagram, e autor de palestras, hoje, ele nega relações com o garimpo.

“Trabalhei na Piquiatuba por quatro anos, até 2016. Conheço os filhos do Seu Armando [Amâncio da Silva], conheci o Seu Armando, mas nunca soube de coisas ilícitas que ele tenha feito. Nunca voei para nenhuma área deles de garimpo, que eles tinham, não sei se ainda têm. Nunca vi nada que fosse relacionado à atividade garimpeira”.

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