Enchentes evidenciam fragilidade do Estado e tiram pessoas de casas para as ruas na Bahia

Moradores da cidade de Canavieiras sofrem com os impactos causados pelas enchentes no sul da Bahia. (João Paulo Guimarães/ Cenarium)

João Paulo Guimarães – Da Revista Cenarium

CANAVIEIRAS (BA) — Em Canavieiras, no Sul da Bahia, o rio Pardo ainda está cheio. O volume de água não baixou completamente e as famílias desabrigadas continuam morando em abrigos e até nas ruas da cidade que não foram atingidas pelas enchentes na área urbana, mas que sofrem com os impactos sociais e econômicos daquela que está sendo chamada de ‘a pior enchente do século na Bahia’.

Atravessamos o rio de uma ponta à outra e encontramos casas ainda alagadas e abandonadas. No percurso do rio, animais mortos e odor de decomposição são presentes em alguns pontos. Em algumas das casas encontramos pertences como machados, geladeiras amarradas, varas de pescar e colheres em cima de pias mostram que o abandono foi às pressas. Não houve tempo de levar ou guardar nada.

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Pescadores como seu João Ceara Alvez, de 58 anos, morador da Ilha Bela Vista, próximo à ponte do Cubico em Canavieras, nos relata que a impressão que ele tem é que o rio está morrendo. Não há pesca para a venda e nem pasto para o pouco gado em suas terras. No Natal e Ano Novo, seu João ficou doente em meio à inundação. “No Ano Novo, a gente não ganha um abraço dos amigos. Pois é, eu ganhei um abraço da doença”.

Ele e mais dois irmãos foram acometidos pelo surto de gripe que vem preocupando as autoridades sanitárias da Bahia. A gripe só piorou com as inundações fazendo com que a população rural e ribeirinha procurassem os centros das cidades atingidas atrás de ajuda, o que começou a causar mais aglomerações que de costume além das festas de fim de ano.

“A gente vive de pescaria. O gado que tem aqui é só pra gente tirar um leite mesmo para o nosso sustento. A gente não vende. É para nós mesmos. A horta que a gente tinha o rio levou. Tá vendo aquelas árvores ali caídas naquele campo? Era ali nossa horta. Agora, morreu tudo”.

A horta era outra parte da subsistência da família. Eles plantavam para economizar em itens como o pimentão, cebola, coentro, quiabo e tomates. O gado foi retirado quando eles perceberam que o volume da água estava um metro acima do normal. Mesmo adoentado, ele e os irmãos retiraram o gado de dia para que não precisassem trabalhar à noite. As galinhas também estão morrendo devido à grande quantidade de muriçocas.

Os mosquitos se alimentam das aves fazendo com que elas adoecem. Já morreram oito. Seu João começou a fazer fogo para que a fumaça afugentasse os insetos, mas a quantidade de muriçocas aumentou com a cheia e mesmo com fumaça, feita à noite, os animais não sobrevivem.

Seu João tinha um viveiro ao lado da casa onde criava peixes também para seu consumo, mas foi destruído com a força da água. Os peixes ainda não haviam despescado, como chamam quando o viveiro seca indicando que os animais já estão prontos para a alimentação. 

“Os peixes sumiram tudo. Pitu, camarão some tudo porque com essa água podre eles fogem pra outro lugar. Na primeira água que deu os ‘goiamon’ (caranguejo azul típico da região) sumiram todos. A gente, que vive de pesca assim, tem dias que faz R$ 50, dia que faz R$ 20 e fica satisfeito. Já era difícil, mas depois da cheia, só vai piorar. A esperança é esse rio secar para o mar alimentar e subir alguma coisa”, relatou.

Essa tem sido considerada “A pior enchente do século na Bahia”. (João Paulo Guimarães/ Cenarium)

Prejuízo

Antônio Carlos Leal dos Santos, de 67 anos, mora na região de Barreirinha há 20 anos. É casado com Geni Afonso Rosa, de 75 anos. Quando tudo aconteceu, Geni já estava na casa que eles têm na cidade de Canavieiras. Ela saiu de casa quando a inundação cobriu parte da cozinha que fica atrás de sua casa. A marca da água mostra que o volume chegou até a metade da estrutura. Ele ficou para organizar a coleta de ‘goiamon’ para a venda mensal. A água começou a subir e seu Antônio decidiu salvar seu gado, suas galinhas, perus e seus cachorros. Ele mediu a altura da água a partir de sua escada na entrada da casa. Quando percebeu que a água estava dentro da casa, ele pediu ajuda para os amigos que moram próximos. 

“Essa foi a segunda água. A primeira água foi antes do Natal. Eu sou aposentado e para ajudar na casa, a gente vende uns ‘goiamonzinhos’. A água levou tudo, mas tudo bem, isso aí a gente colhe de novo. Eu tinha umas 40 galinhas. Agora só sobrou aquilo que você viu ali. Umas dez galinhas que ainda tão morrendo por causa das muriçocas e da água que está apodrecendo. O gado que eu tinha aqui, levei mais para cima, uns 300 metros. Agora eu tenho que cortar a grama mais alta que tem no rio para levar para eles. Corto de três a quatro vezes por dia. Além disso, tem ração e jaca para ver se os bichos engordam de novo. Eu estava com quatro cachorrinhos, mas eles começaram a adoecer por causa de uma tosse, que parecia falta de ar. Morreu um e outros três já estão doentes. Eu só queria que esse ano de 2022 fosse melhor que o que passou. Em 2021, fui picado por uma cobra, era uma malha de sapo. Quase perdi minha perna e logo quando estava melhorando aconteceu isso”.

Moradores saíram as pressas e não conseguiram retirar objetos das casas. (João Paulo Guimarães/ Cenarium)

Inundações

O Brasil vem sofrendo com as inundações desde o fim do ano passado. Estados do Maranhão, Pará, Bahia, São Paulo e Minas Gerais estão tendo que lutar contra a força da natureza com o descaso público além da pandemia e o surto de gripe h3n1, que já atingiu um número preocupante de óbitos no País todo.

Imagem da Cidade de Canavieiras, no Sul da Bahia, afetada pelas enchentes. (João Paulo Guimarães/ Cenarium)

Também no Sul da Bahia, no Vale do Jequiriça, mais de 3 mil pessoas estão desalojadas. As matérias jornalísticas não citam quais políticas públicas estão sendo direcionadas para a população. Apenas a limpeza das ruas como forma de ‘maquiagem’ da situação para propaganda. O povo baiano perdeu tudo após as festas de fim de ano e a única ajuda recebida até agora não saiu da administração pública, mas sim do próprio povo que redescobriu um sentimento há muito tempo perdido no Brasil: a solidariedade.

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